Governo com mais gastos e intervenção terá desgaste lento, diz Taschetto, da Ace

Fabricio Taschetto, CIO da gestora, diz à Bloomberg Línea que modelo do governo Lula não terá crise imediata, o que fará com que precificação de riscos leve tempo

Gestora tem cerca de R$ 5 bilhões em ativos sob gestão
03 de Fevereiro, 2023 | 04:45 AM

Bloomberg Línea — Pequenos pontos de ferrugem que, acumulados ao longo do tempo, podem levar à ruína. É assim que Fabricio Taschetto, CIO (head de investimentos) da Ace Capital, enxerga o novo governo, em um processo lento de deterioração, mas sem uma grande ruptura na economia.

“É um processo que não é rápido, não tem ‘dia D’; vai ser rachadura após rachadura até a construção colapsar”, disse em entrevista à Bloomberg Línea.

Taschetto citou como exemplo a aprovação da PEC da Transição no fim de 2022, que resultou em um Orçamento para 2023 acima do esperado e do teto de gastos, bem como a revogação do presidente Lula no início deste ano de decretos do governo anterior – o chamado “Revogaço”. “É algo que leva tempo até colapsar, então vamos acompanhando cada pequeno marco.”

Segundo ele, os maiores pontos de ferrugem estão relacionados ao cenário de desaceleração da economia neste ano, que vai resultar em um déficit maior do que o projetado.

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Fundada em 2019, a Ace Capital tem cerca de R$ 5 bilhões em ativos sob gestão, distribuídos nas estratégias de fundos multimercados e de ações.

Durante a conversa, Taschetto, que fez carreira no Santander (SANB11), também teceu críticas ao novo presidente da Petrobras (PETR3; PETR4) e afirmou que o lucro da companhia vai “ou cair ou colapsar”, impactando até o cenário fiscal, dada a esperada redução dos dividendos para a União.

Com posição vendida (aposta na queda) em bolsa no Brasil e nos Estados Unidos, a Ace tem como empresa preferida a mineradora brasileira de lítio Sigma (SGML), que é listada no exterior, na Nasdaq, e cujas ações podem pelo menos dobrar neste ano, segundo o gestor.

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No Brasil, o gestor disse que espera que o principal impacto venha não dos resultados do quarto trimestre, mas no guidance (projeções) que será apresentado ou revisado.

“Agora que esse cenário de corte de juros está ficando mais distante, acho que os guidances de resultados, principalmente de empresas ligadas à economia local, vão ser afetados.”

Confira, a seguir, os principais destaques da entrevista, editada para fins de maior clareza:

Como você avalia o começo do novo governo? Há discursos que apontam para uma direção, de Lula e alguns ministros, e outros mais moderados, do Fernando Haddad e da Simone Tebet. O que acha que deve prevalecer?

Fabricio Taschetto: Estamos com viés um pouco mais pessimista para esse novo modelo econômico que vai ser implementado no país. Um modelo muito conhecido, muito previsível até na melhor das hipóteses, então sabemos o que vai acontecer, que é uma inflação mais alta, juros mais altos e câmbio mais apreciado, por causa dos gastos que tendem a ser maiores.

A Simone Tebet é um peixe fora d’água nesse governo. Ela ganhou essa vaga não pelo o que Lula admira dela na parte econômica, mas por uma retribuição pelo apoio durante o segundo turno das eleições. Tenho bastante convicção de que as ideias dela vão ter pouco valor e vão ser pouco acatadas dentro do governo.

Às vezes fico me perguntando até se isso não vai acontecer, inclusive, com o próprio Haddad. Ele é considerado mais moderado dentro do PT e acredito que pode, inclusive, enfrentar resistência da ala mais desenvolvimentista, como [Aloizio] Mercadante e Gleisi [Hoffmann].

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Em que medida o mercado já precificou tudo o que vem pela frente?

Não precificou nada, não vai e não tem como precificar. Isso porque o mercado sempre dá, primeiro, para qualquer governo, o benefício da dúvida.

Esse negócio é meio como um processo de ferrugem. Imagine uma ponte de ferro próxima da praia; a ponte não cai de uma hora para a outra. Tem primeiro um pontinho de ferrugem, depois outro e leva muito tempo para essa ponte vir a cair. Então o governo faz uma bobagem aqui, depois outra ali e assim vai. Foi o que aconteceu com a Dilma.

Já tivemos um primeiro susto, que foi a PEC no fim do ano, com um pedido [de gastos] muito acima do esperado pelo mercado – o primeiro ponto de ferrugem. Depois, no dia 2 de janeiro, teve o “revogaço”, com o governo querendo derrubar o novo marco do saneamento, que é algo super importante. Teve ainda o desejo de acabar com a reforma da Previdência. É um processo que leva tempo até a ponte colapsar, então vamos acompanhando cada pequeno marco.

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O que seria um ponto de ferrugem maior?

Os pontos de ferrugem maiores, que vão começar a dar certo incômodo, estão relacionados ao cenário de desaceleração da economia neste ano, que vai resultar em um déficit maior do que o projetado.

O país deveria estar gerando superávit, para equilibrar a dívida, mas não estamos. Só que, quando a economia começar a colapsar, vamos passar a arrecadar menos que o precificado. Mas é um processo, esse negócio não é rápido, não tem “dia D”, vai ser rachadura após rachadura até a construção colapsar.

Como isso se traduz do ponto de vista de alocação?

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Não gostamos do Ibovespa, principalmente em termos relativos, em relação a outros ativos do Brasil e do mundo. Tem um arcabouço macro que nos leva a achar que o índice não vai performar tão bem.

Em primeiro lugar, o novo governo vai gastar mais, então teremos uma inflação mais alta e, consequentemente, juros reais mais elevados, além de aumento da carga tributária no país. Acredito que também vamos enfrentar muita interferência econômica nos próximos anos.

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Esses tipos de intervenções que vamos acabar enfrentando nos próximos quatro anos serão importantes contra a iniciativa privada, então é mais um elo da corrente - juros altos, carga tributária mais alta, intervenção na economia - que nos leva a não gostar da bolsa.

A bolsa é o ativo do Brasil que tende a patinar mais, a ter mais dificuldade. Fora isso, o CDI está muito alto, então hoje para ganhar dinheiro na bolsa é mais difícil – o Ibovespa precisa estar em 125 mil pontos só para empatar com o benchmark de renda fixa. Por isso a assimetria é muito favorável para ter posição vendida [aposta na queda] em equities – que é uma das nossas posições preferidas.

Eu prefiro montar posição pessimista na bolsa do que no câmbio, porque acho que o último vai ser um ganhador. Isso porque boa parte das razões que prejudicam a bolsa acabam favorecendo o câmbio – caso dos juros mais altos, em que o carrego fica muito grande para apostar contra o real.

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O dólar tem recuado bastante ante o real. Qual o principal motivo desse movimento? É algo que deve perdurar?

O real está negociando melhor do que imaginávamos. Teve uma onda de dólar fraco desde novembro, de forma global, e nesse período o Brasil sofreu mais com burburinho político, deixando o real atrasado em relação aos seus pares. Agora que baixou a temperatura, o real tem operado melhor.

Como vê o cenário para as empresas domésticas na temporada de balanços?

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Para o quarto trimestre e o fechamento de 2022 acredito que não tenhamos muitas surpresas negativas. É com o guidance que me preocupo mais. Até outubro, novembro do ano passado, todo mundo tinha nítido que a partir de março veríamos um movimento de queda de juros no Brasil. Hoje, isso já não é mais claro, e foi jogado pelo menos para o segundo semestre.

As projeções para a inflação de 2023 também têm sido elevadas, com as expectativas do relatório Focus sendo revisadas para cima.

Agora que esse cenário de corte de juros está ficando mais distante, acho que os guidances de resultados, principalmente de empresas ligadas à economia local, vão ser afetados. O último trimestre não vai ser ruim, mas o guidance vai começar a piorar. Está ficando claro também que teremos um desaquecimento muito forte, então isso vai pegar nas projeções das companhias.

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Quais setores da bolsa ainda podem ser um pouco mais resilientes?

Acho que os bancos. Estamos monitorando o problema da inadimplência, que está aumentando um pouco, mas esse pessoal já passou por tantos ciclos no passado que tende a performar melhor no relativo. Talvez sofram com o imposto mais para a metade do ano, a depender da reforma tributária.

Petroleiras júniors, como 3R Petroleum (RRRP3) e PetroRio (PRIO3), também devem ir bem, assim como a Vale (VALE3). Mas a nossa queridinha e a maior alocação no Brasil hoje é a mineradora brasileira de lítio Sigma, que é listada lá fora, mas que tem toda sua operação em Minas Gerais. Nós achamos que é um papel que dá para pelo menos dobrar neste ano.

A empresa vai entrar em operação agora em março, com sua primeira entrega de lítio, então existe alguma dúvida do mercado ainda sobre se ela será capaz de entregar o que prometeu. Uma vez entregue e comprovado, como ela é muito descontada em relação a outras empresas lá fora, temos uma história de curto prazo muito interessante.

De forma geral, tem algumas histórias idiossincráticas que são interessantes. Sabesp (SBSP3), por exemplo, é uma ação de que gostamos porque achamos que o governador [de São Paulo] Tarcísio de Freitas vai pelo menos dar uma melhorada nos indicadores dela.

Varejo, no geral, achamos ruim, bem como as construtoras, que devem sofrer um pouco com esse juro mais alto por mais tempo e rápida desaceleração da atividade.

E a Petrobras, não entra nessa lista?

A Petrobras (PETR3; PETR4) representa hoje mais ou menos metade do lucro da bolsa. Com o Jean-Paul Prates, o lucro da empresa vai cair bastante. Isso, inclusive, vai acabar impactando até o fiscal – o do ano passado foi muito bom, porque muito veio dos dividendos distribuídos pela Petrobras, que pode não vir nos próximos anos.

A bolsa, olhando sob o múltiplo de preço sobre lucro (P/L), até parece barata, só que o cenário para os lucros das companhias é bem nebuloso. A Petrobras, por exemplo, vai ver seu lucro ou cair ou colapsar. O fluxo de caixa vai ser ainda pior, porque o Capex [Capital para Investimentos] vai ser gigante; a empresa não vai ter dinheiro para pagar dividendos.

Qual a visão para a economia e as bolsas dos Estados Unidos? Dá para evitar a recessão?

O forte aperto de juros para controlar a inflação já foi feito pelo Federal Reserve, por isso já vemos uma desaceleração dos preços. Portanto, não somos mais pessimistas com juros nos EUA, achamos que já está bem precificado.

Nós carregamos posições vendidas também lá fora, menores do que aqui, mas vendidas.

No momento, ainda acho que veremos uma recessão que irá atingir o ganho das empresas em torno de 15% a 20% nos EUA. Nesse caso, teríamos um índice S&P 500 na casa dos 3.000 pontos, bem abaixo do que está atualmente [em torno de 4.180 pontos].

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Mariana d'Ávila

Editora assistente na Bloomberg Línea. Jornalista brasileira formada pela Faculdade Cásper Líbero, especializada em investimentos e finanças pessoais e com passagem pela redação do InfoMoney.

Marcelo Sakate

Marcelo Sakate é editor-chefe da Bloomberg Línea no Brasil. Anteriormente, foi editor da EXAME e do CNN Brasil Business, repórter sênior da Veja e chefe de reportagem de economia da Folha de S. Paulo.