Valor Capital: a visão do mercado de startups após dar liquidez a investidores

Gestora americana, que tem foco na América Latina e mais de US$ 2 bilhões em ativos, investe em startups brasileiras como Olist, Buser, Gupy e Cloudwalk

'É inteligente reduzir um pouco o risco para os investidores. Esse é o nosso dever fiduciário'
23 de Dezembro, 2022 | 04:24 AM

Bloomberg Línea — Em um ano marcado pela seca de IPOs de empresas de tecnologia em bolsas e pela queda dos investimentos em venture capital, o Valor Capital Group foi uma das poucas gestoras de capital de risco que conseguiram garantir alguma liquidez para os seus investidores.

Isso foi possível porque a empresa, que tem sede em Nova York e foco na América Latina, vendeu parte de seu Fundo II para a empresa americana de private equity StepStone em negócio anunciado em agosto.

Nessa transação, chamada no mercado como general partner led strip sale, o Valor transferiu 25% de suas ações e títulos do Fundo II para a StepStone e devolveu quase US$ 80 milhões a investidores. A empresa recebeu ainda cerca de US$ 15 milhões da StepStone para ser investido em seu novo fundo.

Esse tipo de transação não é incomum no mercado e ocorre quando uma gestora vende um ou mais ativos de um fundo que administra para outra empresa do ramo. A própria StepStone já adquiriu parte de outros fundos antes, como o israelense Qumra Capital em 2020.

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Em entrevista à Bloomberg Línea, o sócio-gerente e cofundador do Valor Capital, Scott Sobel, disse que a StepStone não é um comprador de empresas em situação financeira difícil e que adquiriu apenas uma parte do portfólio do Valor em que as empresas estão em boa situação.

“Isso nos permite reduzir o risco do fundo vendendo apenas 25% e transferindo 25% para essa nova parceria com eles. Do ponto de vista de gerenciamento de portfólio e de risco, é bom fazer isso”, disse Sobel.

A venda de parte do fundo do Valor Capital ocorreu em um cenário difícil para ativos de risco, com o aumento das taxas de juros no mundo. O financiamento para startups de estágio avançado - late stage - despencou 92% no terceiro trimestre em comparação com o mesmo trimestre de 2021, de acordo com a Associação para Investimento de Capital Privado na América Latina (Lavca).

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“É inteligente reduzir um pouco o risco para os investidores. Esse é o nosso dever fiduciário. Não somos obrigados a nada. Mas fizemos uma coisa boa do ponto de vista de gerenciamento de portfólio”, afirmou o sócio da gestora.

O Valor Capital tem mais de US$ 2 bilhões em ativos sob gestão em seis fundos de investimento e mais de 100 empresas no portfólio. A gestora também está finalizando a captação de dois novos fundos: o Valor Venture Fund 4 e o Valor Opportunity Fund 2.

Cenário incerto e desafiador

O ambiente mais desafiador no mercado de venture capital e private equity tem pressionado as empresas de investimento desses setores. A consultoria especializada PitchBook prevê que a captação de fundos para capital de risco nos Estados Unidos cairá para um patamar entre US$ 120 bilhões e US$ 130 bilhões em 2023. Segundo o Pitchbook, até o terceiro trimestre de 2022, a captação anual de venture capital nos Estados Unidos foi de US$ 150,9 bilhões.

Segundo a consultoria, o valor de financiamentos de risco em 2023 pode ficar abaixo de US$ 50 bilhões nos EUA e a atividade com mega rodadas de capital de risco nesse mercado no próximo ano não deve atingir 400 transações, atingindo uma mínima de três anos.

Nesse ambiente, os analistas do Pitchbook avaliam que os retornos dos fundos americanos provavelmente terão um desempenho inferior aos de empresas negociadas em bolsa.

“Os acordos de empresas em capital fechado devem continuar, mas elas provavelmente mudarão de direção para alvos muito menores. As saídas podem atingir uma mínima de 15 anos em relação a novos investimentos. E os compradores que precisam de alavancagem provavelmente recorrerão quase exclusivamente a credores não bancários nos próximos meses”, apontou o relatório.

Nesse contexto de maior dificuldade, Sobel afirmou que a transação feita pelo Valor é boa para a StepStone, para a gestora e seus investidores. “É uma boa transação para as empresas de nosso portfólio ter a StepStone como investidora também porque eles estarão investindo em todo o ciclo de vida. É um ganha-ganha-ganha.”

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Em private equity, se uma empresa não abre capital ou faz uma transação de saída de M&A (fusão e aquisição), fundos de investimento buscam outras maneiras para permanecer com as empresas nos chamados fundos de continuação, de acordo com Sobel. No caso do capital de risco, a classe de ativos se tornou mais líquida ao longo do tempo.

O que muda para as startups investidas

No Brasil, o Valor Capital financia empresas como Cloudwalk, Olist, Gupy e Buser. De acordo com Sobel, a venda secundária para a StepStone não afeta o conselho de administração dessas empresas.

“Apenas pegamos uma pequena fatia da nossa posição, que é muito grande, e transferimos para um fundo. Pegamos os títulos, colocamos em um veículo separado e cogerenciamos essa pequena peça com a StepStone,” disse.

Uma das maiores posições do Valor é no provedor de comércio eletrônico Olist, do qual faz parte do conselho. A startup com sede em Curitiba recebeu investimentos do segundo fundo e de dois fundos de late stage do Valor.

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“O Olist já foi um grande resultado. É uma empresa de bilhões de dólares, na qual investimos desde o início. E há muitas dessas no portfólio: Stone, Gympass e Cloudwalk. Não há pressão de nossos investidores para fazer isso [a venda de parte do fundo], mas fomos nós pensando em nosso [dever] fiduciário com os investidores e devolvendo o capital”, afirmou.

Segundo o sócio, empresas de seu portfólio como Buser, Loft, Kovi e Frete.com estão “tremendamente bem”. “Todos os nossos fundos de risco no Brasil e na América Latina tiveram o melhor desempenho em uma referência global”, disse.

Perspectivas de investimento

Sobel disse que o Valor Capital aumentou o ritmo de investimento em 40% no terceiro trimestre de 2022 na comparação com o quarto trimestre de 2021. Ainda assim, devido à volatilidade do mercado, a empresa “calibrou” a movimentação dos investimentos para estágios iniciais (early stage).

“Sempre fomos um investidor Seed, mas agora fizemos mais no lado do estágio Seed e sabíamos que veríamos uma pressão dos mercados públicos para os mercados privados em estágio avançado para o capital de crescimento. Veríamos esses múltiplos compactados, então acabamos nos movendo para entrar nas participações mais cedo”, disse.

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Isabela  Fleischmann

Jornalista brasileira especializada na cobertura de tecnologia, inovação e startups