Como a Espanha vem ganhando espaço no ecossistema de startups da Europa

Para especialistas, além de ser um “mercado barato”, o país se destaca por sua diversificação setorial; talento estrangeiro também é atraído pelo estilo de vida espanhol

País está entre os que mais se destacam no ecossistema de startups
30 de Novembro, 2022 | 05:31 AM

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Bloomberg Línea — A Espanha está emergindo como um lugar atrativo para aqueles que buscam inovar. O país está entre os que mais se destacam no ecossistema europeu de startups, com perspectivas animadoras para os empreendedores, apesar do sombrio cenário macroeconômico global.

Em entrevistas à Bloomberg Línea, representantes do setor analisaram os fatores que impulsionaram o crescimento do país nesta área nos últimos anos, com vantagens que vão desde preços mais atraentes, presença em vários nichos de mercado, descentralização territorial e até mesmo o estilo de vida espanhol. Entretanto, eles também observaram que há desafios a serem contornados, como menos incentivos governamentais que em outros países e um foco nas empresas que estão nascendo, mais que naquelas que necessitam escalar.

De acordo com o relatório Startup Ecosystem Rankings 2022 da StartupBlink, um centro de pesquisa de startups, a Espanha ocupa a décima posição entre os principais países para capital de risco na Europa, considerando um parâmetro que leva em conta a quantidade e a qualidade das empresas em operação, bem como o ambiente de negócios.

Ainda que sua pontuação de 14,48 esteja longe dos 52,56 pontos do Reino Unido, Antonio Iglesias, diretor da Endeavor Spain, observa que as empresas empreendedoras na Espanha cresceram rapidamente nos últimos anos. O investimento acumulado em startups espanholas está em ascensão, com mais de US$ 4 bilhões em 2021, de acordo com um relatório da empresa.

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Prosperidade x Desafios

É certo que o panorama internacional turbulento pode desacelerar o ritmo de crescimento do setor. No entanto, Iglesias espera que o número total de unicórnios espanhóis duplique até o final de 2023. Em 2021, sete empresas haviam alcançado o status de unicórnio (com valor superior a US$ 1 bilhão). E até agora, neste ano, mais três companhias chegaram a este marco: Fever, Travelperk, Factorial.

“A torneira está fechando em âmbito mundial, mas não completamente. Embora haja menos fluxo, os recursos serão direcionados para as oportunidades mais atrativas em termos de custo e eficiência”, diz Iglesias.

A prova de que os recursos continuam fluindo, mesmo com o cenário macroeconômico desafiador, foi a captação de US$ 120 milhões em outubro pela Factorial, empresa de Barcelona. Após essa rodada, a startup, que desenvolve software para gestão de plataformas de recursos humanos, conquistou o status de unicórnio. Também em 2022, em julho, a Seedtag levantou € 250 milhões em uma única rodada de investimentos.

Mas por que a Espanha?

Para Iglesias, o nível técnico dos profissionais, aliado aos preços competitivos em comparação com outros países europeu, fazem da Espanha um bom candidato a receber o apoio de capitalistas de risco. Além disso, de acordo com Iglesias, a bolha de valuation no país foi menor e muitos fundos de capital de risco têm que investir porque estão com os bolsos cheios.

“A Espanha está na mira de investidores de outros países por ser uma boa plataforma de testes. É um mercado barato, de bom tamanho e há uma mudança de mentalidade resultante das histórias de sucesso dos últimos anos”, observa o executivo. “E há outro ponto: o estilo de vida. Devida ao seu nível de qualidade de vida, a Espanha atrai muitos talentos do exterior.”

Christian Hense, cofundador da Universal DX, certifica que o clima e a qualidade de vida podem ser “um fator convincente” para que os nômades digitais se mudem para o país ibérico. A empresa alemã, que desenvolve exames de sangue para a detecção precoce do câncer, mudou-se para a Espanha também por causa da reputação do sistema de saúde do país e da “extensão natural de um mercado de 40 a 45 milhões de espanhóis para mais de 350 milhões de hispanofalantes na América Central e do Sul”.

Outra vantagem do mercado espanhol é que o país é muito diversificado em termos de setores e estas competências estão espalhadas por várias cidades do território. “Ao contrário da França e da Inglaterra, onde o empreendedorismo está muito concentrado em uma única cidade, aqui existem diferentes polos especializados em diferentes áreas: jogos em Valencia e Barcelona, healthtech em Barcelona, logística e fintechs em Madri, cibersegurança em Málaga... Em âmbito nacional, tudo é muito diversificado”, explica o diretor da Endeavor, reforçando que a recente aprovação da Lei de Startups pelo Congresso dos Deputados do país “é um primeiro passo para garantir a retenção de talentos, atração e investimento” no setor. Aprovado há três semanas e previsto para entrar em vigor em janeiro de 2023, o texto está agora a caminho do Senado para aprovação final.

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Entre os principais pontos do projeto de lei estão a definição de uma startup recém-criada (com menos de cinco ou sete anos de existência no caso de empresas de biotecnologia e energia), algumas vantagens fiscais (o imposto de renda para pessoas jurídicas passaria de 25% para 15% no primeiro ano de lucros) e uma isenção fiscal para stock options de até € 50.000 (o limite anterior era de € 12.000), uma reivindicação antiga do setor. Estima-se que o regulamento afetará 11,1 mil empresas emergentes na Espanha, o quarto maior país europeu em termos de número de startups.

Juan de Antonio, CEO e fundador da Cabify, uma startup que nasceu em solo ibérico e em pouco tempo de operação foi escalada para sete países da América Latina (até 2020 também operava no Brasil, mas a pandemia a obrigou a retirar-se do páreo), comenta que a Espanha evoluiu muito nos últimos dez anos. “Quando começamos, em 2011, havia um ecossistema pouco desenvolvido e a realidade de hoje é muito diferente.”

Barreiras

Entretanto, mesmo que o ambiente pareça mais favorável e receptivo às startups, há alguns desafios a serem superados. Igor Tasic, que encabeçou por anos o evento Startup Europe Week e hoje comanda a empresa Meta Ventures, acredita que a forte dependência de recursos públicos afeta o desenvolvimento de projetos mais inovadores entre empresas e universidades.

Para ele, esse “vício” em torno do dinheiro público pode prejudicar a transferência de tecnologia nas universidades e até retardar o ímpeto empreendedor. Além disso, diz Tasic, esses fundos geralmente financiam o início das operações, mas depois muitas startups não recebem os recursos necessários para se expandir e ganhar escala.

Esta observação de que há mais apoio ao nascimento do que ao crescimento de empresas também é compartilhada por Antonio Iglesias, da Endeavor. “As empresas não conseguem escalar até terem entre cinco e dez anos de existência”, ressalta o executivo, para quem a “escassez de talento técnico” na Espanha também merece menção, já que profissionais de gerações anteriores ainda não veem o trabalho no mundo das startups como um rumo natural em suas carreiras. “A experiência técnica e gerencial ainda não ousa dar o salto para este ecossistema, embora já tenha havido melhorias a este respeito”.

Para o executivo da Universal DX, que levantou US$ 60 milhões e volta a buscar mais capital para sua expansão, a Espanha poderia ser ainda mais competitiva com a criação de incentivos fiscais para investimentos em startups e empresas inovadoras de médio porte. “Acredito que alguns países ou governos europeus apoiam seus ecossistemas inovadores de uma forma mais proativa, como o Reino Unido e Portugal”.

A capital catalã é considerada a terceira cidade europeia favorita para abrir uma startup, atrás de Berlim e Londres e à frente de Lisboa.

“Barna”, a mais popular

A rivalidade entre as duas principais cidades da Espanha, Barcelona e a capital Madri, vai além da política e do futebol. A rixa também envolve as startups. Barcelona ampliou sua liderança sobre Madri como a cidade mais dinâmica do mundo do empreendedorismo e da inovação.

Na verdade, a capital da Catalunha é considerada a terceira cidade europeia favorita para abrir uma startup, atrás de Berlim e Londres e à frente de Lisboa. Madrid ocupa a décima posição, segundo o relatório Startup Heatmat Europe 2022, elaborado pela consultoria especializada Deep Ecosystems. O estudo é baseado em uma amostra de mais de 24 mil fundadores de startups distribuídos por todo o continente e que votaram pelos centros onde planejam empreender.

Segundo o estudo, esta popularidade tem a ver com a afluência de capital de risco para a cidade: em 2021, as startups de Barcelona arrecadaram coletivamente, pela primeira vez, mais de € 2 bilhões – a maior parte veio do Glovo, aplicativo de delivery, que sozinha arrecadou um total de € 1 bilhão.

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Michelly Teixeira

Jornalista com mais de 20 anos como editora e repórter. Em seus 13 anos de Espanha, trabalhou na Radio Nacional de España/RNE e colaborou com a agência REDD Intelligence. No Brasil, passou pelas redações do Valor, Agência Estado e Gazeta Mercantil. Tem um MBA em Finanças, é pós-graduada em Marketing e fez um mestrado em Digital Business na ESADE.