Institutos de pesquisa não são únicos culpados, diz cientista político

Antônio Lavareda questiona uso de pesquisas como prognóstico de votação nas urnas, mas critica o que avalia como tentativa de intimidação com pedidos de investigação

Resultados das eleições colocam no centro do debate, mais uma vez, o papel dos institutos de pesquisa de intenção de voto
10 de Outubro, 2022 | 07:24 AM

Bloomberg Línea — A divulgação das primeiras pesquisas de intenção de voto na campanha para o segundo turno veio acompanhada de desconfiança de eleitores e políticos, depois que a apuração do último domingo (2) mostrou uma distância, em alguns casos enormes, entre os resultados e as sondagens.

Para um dos cientistas políticos especializados em pesquisas mais experientes do país, os episódios mostram que há um processo de aperfeiçoamento e de aprendizagem com os erros que deveria ser mais abrangente do que os atores envolvidos defendem.

“Todos nós temos culpa, mídia e institutos, em qualquer ordem”, disse o sociólogo e cientista político Antônio Lavareda, professor da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco) e responsável pelas pesquisas do Ipespe (Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas). E afirmou que o erro principal está na forma como elas são analisadas pela imprensa e por políticos.

Lavareda aponta questões que deveriam ser levadas em conta, em sua avaliação, no debate sobre como aperfeiçoar as pesquisas eleitorais, como amostragem (veja em mais detalhes abaixo). Mas critica o que enxerga como tentativa de intimidação do trabalho dos institutos.

PUBLICIDADE

Na terça-feira (5), o ministro da Justiça, Anderson Torres, anunciou que mandou a Polícia Federal abrir inquérito contra os institutos, enquanto o comitê de campanha do presidente Jair Bolsonaro acionou o Ministério Público e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O ministro das Comunicações, o deputado Fábio Faria (PP-RN), pediu aos eleitores de Bolsonaro que não respondam às pesquisas.

“Nenhuma polêmica sobre métodos ou técnicas das pesquisas será mais importante que a atuação conjunta dos institutos para se contrapor a uma iniciativa obscurantista, que visa intimidar os pesquisadores e cercear o livre exercício da atividade científica”, disse à Bloomberg Línea.

O sociólogo defendeu que os institutos discutam seus métodos e aprimorem seus modelos, mas não agora, diante do que classificou como “ataque sistemático”. “O saudável e imprescindível debate metodológico deve esperar que essa onda de censura tenha sido vencida.”

PUBLICIDADE

O que dizem os institutos

Alvos de críticas ao longo da semana não só por políticos mas pela população de forma geral, a tal ponto que o assunto viralizou nas redes sociais já na noite de domingo e depois na segunda (3), alguns dos principais institutos de pesquisa não quiseram se pronunciar isoladamente. A Bloomberg Línea procurou Datafolha, Ipec (ex-Ibope) e Quaest, mas eles preferiram não se manifestar.

A Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (Abep), que reúne os institutos, afirmou em nota na quarta-feira (5) que “pesquisas de intenção de voto são diagnósticos, e não projeções dos resultados apurados nas urnas”.

“Pesquisa de intenção de voto não se presta a medir o comportamento do eleitor na hora de votar, mas confere a sua tendência através da verbalização sobre o que pretende fazer. A tradução das intenções de voto em comportamento está sujeita a diversos fatores até o momento da votação, entre eles alterações na vontade do eleitor ou o seu não comparecimento às urnas”, disse a Abep na nota.

A questão, para Lavareda, é que as pesquisas têm sido tratadas pela imprensa, por políticos e pela população, há muitas eleições, como previsões, quando não o são.

Lavareda explicou seus argumentos no Twitter e em entrevista à Bloomberg Línea na manhã da terça-feira (4).

‘Pesquisas não captam votos válidos’

“Veículos de comunicação, com a complacência dos institutos, não resistem a fazer das pesquisas a espinha dorsal da cobertura das eleições. E, na véspera do pleito, centram nos votos válidos o foco do noticiário, levando leitores e espectadores a supor que estão diante do prognóstico de um resultado antecipado do que será apurado no dia seguinte”, disse na terça no Twitter.

O problema, segundo ele, é que pesquisas não foram feitas para captar “votos válidos”, e, sim intenções de voto a partir de amostras do eleitorado total. Para chegar aos “votos válidos”, os institutos excluem as pessoas que não responderam e as que disseram ainda não ter candidato no universo sobre o qual será calculado esse percentual.

PUBLICIDADE

Só que essa conta dos institutos não resulta nos votos válidos, uma vez que ignora as abstenções - ou seja, pessoas que deixam de ir votar no dia da eleição.

“A abstenção prejudicará igualmente os candidatos? Lógico que não. No Brasil, como na maioria dos países, ela se concentra mais na base da pirâmide social. Dos quase sete milhões de eleitores analfabetos, cerca de 51% não votaram na penúltima eleição. E 44% dos eleitores de Lula têm até o fundamental completo”, afirmou Lavareda.

O cientista político fez contas para ilustrar seu argumento. E elas mostraram, segundo ele, que as pesquisas espontâneas de intenção de voto, em que o entrevistador não diz ao entrevistado as opções disponíveis, conseguiram acertar o desempenho de Bolsonaro, ainda que tenham errado o de Lula.

Na pesquisa Ipespe divulgada um dia antes da eleição, Lula tinha 43% das intenções de voto nas entrevistas espontâneas. Bolsonaro aparecia com 32%. As demais respostas, contando quem não respondeu e quem disse não saber em quem votaria, somaram 25% dos votos.

PUBLICIDADE

Na análise dos resultados das urnas considerando os votos sobre o eleitorado total - e não os votos válidos -, é possível constatar que Bolsonaro alcançou o equivalente a 32,64% dos votos, atrás de Lula, que chegou a 36,6%. Por outro lado, a soma dos demais candidatos com os votos brancos e os nulos chegou a 6,33%. Já a abstenção foi de 20,95%, a maior desde 1998.

A explicação de Antônio Lavareda é que a abstenção, invisível às pesquisas eleitorais, foi maior entre o eleitorado de Lula que o de Bolsonaro.

Padrão ouro

Lavareda questiona a preferência dos institutos mais conhecidos pelas pesquisas presenciais, tratadas como uma espécie de “padrão ouro” tanto pelos executivos dessas empresas quanto por jornalistas especializados. Segundo ele, pesquisas presenciais não têm esse tratamento e já não são realizadas dessa forma nos Estados Unidos e na Europa há mais de 30 anos.

“Como algo que não é padrão nem prata na Europa pode ser padrão ouro no Brasil?”, perguntou Lavareda em sua entrevista inicial à Bloomberg Línea. “Essas pesquisas são caras e não são eficientes, pois não chegam aos eleitores”, afirmou.

PUBLICIDADE

A Bloomberg Línea procurou os institutos para discutir as metodologias, mas eles não quiseram se pronunciar.

A última pesquisa feita pelo Datafolha antes do primeiro turno, na sexta (30) e no sábado (1), que ouviu 12.800 pessoas nas ruas, por exemplo, custou R$ 617,9 mil, segundo o cadastro no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A pesquisa do Ipespe, assinada por Lavareda, ouviu 1.100 pessoas por telefone e custou R$ 46,2 mil.

PUBLICIDADE

No caso das pesquisas com entrevistas feitas na rua, como as do Datafolha, os institutos escolhem “pontos de fluxo” e entrevistam as pessoas. “Mas boa parte das pessoas em grandes centros urbanos não transita em pontos de fluxo, ninguém vai ao Centro a passeio. Nos distritos do interior, não tem pontos de fluxo. Como são feitas essas pesquisas?”, questionou.

Situação parecida é a das pesquisas realizadas em domicílio. Lavareda observou que, na última semana, o IBGE anunciou a prorrogação do término da fase de entrevistas do Censo, porque até agora só conseguiu cumprir 49% da meta - o prazo, que terminaria em 31 de outubro, foi estendido para dezembro.

“As pessoas não estão recebendo o IBGE, e vão receber o instituto de pesquisa?”, questionou.

PUBLICIDADE

Segundo ele, pesquisas presenciais são inacessíveis a grande parte dos eleitores. “O Brasil é a única grande democracia que mantém pesquisas presenciais. Nos EUA, as principais são feitas com entrevistas por telefone. Em 2019, 96% dos lares brasileiros tinham pelo menos um celular. Hoje deve ser mais. Qual o problema de fazer por telefone?”, comentou, defendendo o modelo do Ipespe.

Amostras grande demais

Outra crítica de Lavareda ao modelo brasileiro atual de pesquisas é que elas, segundo ele, usam amostras “inusualmente grandes”. Isso encarece as pesquisas e inviabiliza que elas sejam feitas com mais frequência. “Isso não as torna pouco confiáveis, apenas muito caras.”

A última pesquisa do Ipec para o primeiro turno custou R$ 347,6 mil, e a da Quaest com a Genial Investimentos, R$ 268 mil. A do PoderData, que ouviu 3.500 pessoas por meio de um sistema de ligação telefônica automatizado, custou R$ 103,7 mil. A do Datafolha, como citado, R$ 618 mil.

PUBLICIDADE

Nos EUA, que têm tradição mais antiga do uso de estatísticas para tomada de decisões e onde estão os maiores institutos de pesquisa do mundo, são raras as pesquisas feitas com 2.000 pessoas.

Para Lavareda, empresas de pesquisa usam modelos abandonados em grandes democracias há mais de 30 anos: 'O Brasil não olha o que acontece no mundo desenvolvido'dfd

De acordo com um ranking de institutos feito pelo site americano FiveThrityEight, do estatístico Nate Silver, nenhuma das 20 principais empresas de pesquisa eleitoral conduziu sondagens nacionais em 2020 com 2.000 entrevistados: 12 usaram amostras com menos de mil pessoas; quatro, com mil entrevistados; três, com até 1.300 pessoas; e um, com 1.600 entrevistados.

Isso possibilita que sejam feitas e divulgadas mais pesquisas, fornecendo um diagnóstico mais apurado do momento eleitoral, defendeu Lavareda. “Se você pode fazer barato, por que vai fazer caro? O Brasil não olha para o que existe no mundo desenvolvido. Nem Portugal, com território e população infinitamente menores, faz mais pesquisas presenciais. A dinâmica da vida mudou.”

PUBLICIDADE

Leia também

Eurasia reduz para 65% as chances de Lula ganhar no 2° turno

Eleição sela força do bolsonarismo seja qual for o resultado do 2º turno

Pedro Canário

Repórter de Política da Bloomberg Línea no Brasil. Jornalista formado pela Faculdade Cásper Líbero em 2009, tem ampla experiência com temas ligados a Direito e Justiça. Foi repórter, editor, correspondente em Brasília e chefe de redação do site Consultor Jurídico (ConJur) e repórter de Supremo Tribunal Federal do site O Antagonista.