Por que este ex-BofA acha que você deveria ficar na Faria Lima, e não em Wall St

David Woo, ex-head de research de câmbio e renda fixa do Bank of America, disse à Bloomberg Línea que os anos dourados de carreira em NY podem ter acabado

David Woo, ex-head de research do Bank of America que se tornou celebridade na Faria Lima com suas análises econômicas
05 de Setembro, 2022 | 04:34 PM

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Bloomberg Línea — Imagine trabalhar por 20 anos nos mais tradicionais bancos de investimento do mundo, ganhando um salário de seis dígitos anualmente e sendo premiado pelo desempenho na área de research.

Agora imagine acordar um dia e perceber que o emprego dos sonhos em Wall Street não faz mais sentido e que o futuro das carreiras no mercado financeiro parece não estar mais entre os poucos quarteirões de Lower Manhattan, onde tantos ainda buscam referências profissionais e de estilo de vida.

Foi o que aconteceu com David Woo, ex-head de research de câmbio e renda fixa do Bank of America (BAC), que se tornou quase uma celebridade entre seus pares após prever a vitória - então considerada altamente improvável - de Donald Trump nas eleições presidenciais americanas de 2016 e que o bitcoin seria uma alternativa viável para provedores de transferência, lá em 2013.

Após dez anos morando em Nova York e outros dez no Citigroup e no Barclay’s em Londres, Woo decidiu desistir da carreira tradicional para iniciar um novo negócio como blogueiro, youtuber e consultor de macroeconomia e do mercado financeiro: ele se apresenta como fundador e CEO da David Woo Unbound. Tornou-se uma celebridade de Wall Street à Faria Lima.

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Segundo ele, o futuro promete que os profissionais dessa área não vão precisar se deslocar de seus próprios países para conseguir os melhores empregos - e que os centros de referência estarão perto de casa.

Woo concedeu esta entrevista à Bloomberg Línea enquanto estava em Israel, em um oásis no pé das colinas de Jerusalém. Cercado por vinhedos e uma reserva florestal visível através do reflexo atrás de seu computador, ele compartilhou alguns pensamentos sobre a era da polarização, o racismo e o futuro das carreiras em Wall Street.

“Encontrei um pequeno oásis no meu retiro para lançar minha nova carreira”, disse ele durante a conversa com a Bloomberg Línea.

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Nascido nos Estados Unidos e criado em Taiwan, Woo foi enviado de volta ao seu país de origem aos 15 anos para estudar em um internato na Nova Inglaterra, onde teve sua primeira experiência de ser, como ele chama, “um produto da globalização”.

“Eu mal falava uma palavra de inglês. Eu sempre disse que se pudesse sobreviver a um internato em que eu fosse o único garoto asiático, quer saber? Eu poderia sobreviver basicamente a qualquer coisa.”

Inimigo do que ele chama de “vitimização”, Woo diz que sua origem chinesa - seus pais deixaram Xangai durante a Revolução Comunista - não ajudou muito durante a década de 1980.

Mas, com a ascensão da China ao status de potência global nos anos posteriores, ele logo seria elevado a um dos poucos que poderiam entender aquele país, assim como EUA, Europa e Israel, para onde passou os últimos 30 anos viajando para se juntar a sua esposa nascida nesse país.

Agora administrando a própria agenda e estudando para entender o funcionamento dos algoritmos que decidem se seus vídeos terão ou não uma boa performance de audiência, Woo acredita que os dias de ouro de Wall Street ficaram no passado. E não apenas para ele, mas para todo o mercado.

Segue abaixo a entrevista, que foi editada para melhor clareza:

Como o senhor chegou até aqui? Segue no mercado, mas fazendo algo muito diferente do que costumava fazer.

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Estou no mercado há muito tempo e estava indo muito bem. Às vezes você precisa do instinto para sair quando está indo bem. O que realmente me fez pensar em deixar Wall Street foi o que está acontecendo em todo o mundo. Nos últimos três ou quatro anos, tudo se tornou extremamente político. Político a ponto de ameaçar não só a estabilidade das pessoas e das sociedades em que vivemos, mas, principalmente, se você não concorda com determinada narrativa política, corre cada vez mais o risco de ser cancelado e marginalizado.

Você está dizendo que a mudança que vimos na forma como Wall Street fala, com mais cautela, não é honesta, mas, sim, um medo da cultura do cancelamento?

Estou dizendo que falar é fácil. Os investidores dizem algo que não é verdade, desaparecem por três meses e depois voltam contando uma nova história. Eu tento manter a honestidade, sou conhecido por ser honesto. Faço previsões macro, porém administro três carteiras das quais faço o rebalanceamento toda semana. Eu acho que você deve pensar a longo prazo, mas você deve negociar a curto prazo. Sabe por quê? No longo prazo, estaremos todos mortos.

Mas, enfim, todo domingo lanço um vídeo no qual discuto como vou me posicionar na próxima semana. Eu conto às pessoas exatamente como vou me posicionar. E então você pode acompanhar as atualizações diariamente e ver meus retornos. Não estou nem mostrando como estou posicionado no mercado, estou mostrando com base no meu portfólio. Não faço isso por dinheiro, quero fazer porque quero estar certo e quero dizer o que penso.

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Você está satisfeito com a recepção que está recebendo?

Faz apenas um ano, e eu tive covid nos últimos seis meses. Acho que as coisas estão começando a acontecer agora. Estou focando em três áreas: YouTube, em que estou tentando crescer há menos de 10 meses. O segundo é o meu blog. Vendo assinaturas por US$ 100 por ano. Tenho bilionários e estudantes como assinantes. O terceiro são as instituições, para as quais estou prestando consultoria para ajudar a arcar com todo o resto.

Qual é o segredo que ninguém conta sobre Wall Street?

Você tem que ter sorte de estar no lugar certo, na hora certa. Na minha carreira, o segredo foi sempre ser internacional. Eu entendo a Ásia, entendo a América, morei na Europa por 10 anos, minha segunda casa foi Israel por 30 anos. Essa mentalidade global me deu todas as oportunidades. As pessoas sempre dizem que Wall Street é racista, tanto faz. Eu nunca, nos últimos 10 anos, senti uma única vez que ser asiático fosse uma desvantagem.

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Talvez seja crédito do Bank of America, mas não há dúvida de que nos Estados Unidos e em Wall Street as pessoas entenderam. No final do dia, o que importa é quem você é, e não de onde você vem. Wall Street tem tudo a ver com ganhar dinheiro. Se você é bom e costuma acertar mais do que os outros, isso é o que realmente importa. É assim que a América é.

Você acha que David Woo, de 15 anos, recém-chegado de Taiwan, sentia o mesmo?

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Foi um desafio diferente porque cheguei aos Estados Unidos por volta de 1983. Em 1983, os EUA eram muito racistas. Fui para um internato só com brancos, das famílias mais ricas. O fato de eu ser asiático não me ajudou em nada. Eu sempre disse que se eu pudesse sobreviver a um internato em que eu fosse o único garoto asiático, quer saber? Eu poderia sobreviver basicamente a qualquer coisa.

Não vou chorar por ser vítima de racismo porque não acredito em vitimização. Eu cheguei até aqui, então não foi um impedimento para mim, mas com certeza não ajudou. Nas posições de research de Wall Street não há muitos asiáticos, para não dizer em posições de liderança global.

Desse ponto de vista, o que realmente ajudou foi a ascensão da China. Nos últimos 20 anos, a China se tornou uma história muito importante para Wall Street, então qualquer um que entendesse isso, fosse você chinês ou não, tinha uma vantagem. E não havia muitas pessoas que entendessem a China, os EUA e a Europa como eu. Então, no final do dia, é sobre o que você sabe.

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E mais recentemente? A visão que muitos americanos têm da China após a guerra comercial e a covid mudou de, digamos, cinco anos para cá.

Acho que hoje o mundo mudou na medida em que é muito mais difícil se você é asiático tentando chegar aos EUA. A China basicamente se tornou um inimigo. Os americanos são mais desconfiados, especialmente do povo chinês. Eu cresci em Taiwan, mas isso não importa. Se você tem um sobrenome chinês, as pessoas se perguntam se você está lá para roubar, não sei, nossa tecnologia. É irônico na medida em que a globalização ficou em segundo plano - como resultado, as coisas se tornarão mais regionais, mais específicas de cada país no futuro.

O que isso significa para carreiras como a sua?

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As pessoas devem se concentrar em fazer sua carreira em seu próprio país, com pessoas com as quais estão familiarizadas, em vez de ir para outro lugar. Eu sei que parece meio ridículo, talvez as pessoas digam que estou exagerando, mas, antes do Brexit, quando todos os europeus estavam indo para a Grã-Bretanha, Londres era um ótimo lugar se você fosse de qualquer outro lugar. Era um ótimo lugar para alguém com mentalidade internacional.

Mas Londres não é mais o que costumava ser. Se você é brasileiro, vai mesmo para Frankfurt? Para Paris? Você não é alemão para trabalhar em um banco na Alemanha, com toda a mentalidade alemã orientada para os mercados.

Então você aconselha as pessoas a procurarem a Wall Street ou a City of London local?

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Há tantas pessoas trabalhando por aí que seu salário será consideravelmente menor do que há alguns anos [se você for para Wall Street]. Desse ponto de vista, os dias dourados das carreiras de Wall Street terminaram em grande estilo. Haverá uma aceleração nos próximos anos em que mais e mais pessoas serão substituídas por robôs. Você tem trading com robôs, vendas com robôs.

Se você quer construir uma carreira em Wall Street, o ingrediente mais importante é que você precisa ser único. Único no sentido de trazer uma perspectiva única, você tem que ser um comunicador poderoso, para que, quando você fale, as pessoas ouçam. Você precisa pensar fora da caixa. E é preciso coragem e conhecimento real para enfrentar isso.

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Ana Siedschlag

Editora na Bloomberg Línea. Jornalista brasileira formada pela Faculdade Cásper Líbero e especializada em finanças e investimentos. Passou pelas redações da Forbes Brasil, Bloomberg Brasil e Investing.com.