Questões logísticas como suspensão da atividade em instalações-chave e corte muito rápido na produção podem causar aumento nos preços, mesmo com pouca demanda
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Bloomberg Opinion — O consumo de gasolina nos Estados Unidos provavelmente atingiu seu máximo nos anos anteriores à pandemia. Atualmente, o consumo está cerca de 5% abaixo dos níveis de 2016-2019, e, com o advento do trabalho remoto, a participação de mercado dos veículos elétricos aumentando rapidamente, e o crescimento populacional muito próximo de zero – além das pressões de curto prazo, como preços recorde de gás e uma possível recessão – é mais fácil prever mais quedas que uma grande recuperação.

Barris de gasolina produzidos pelos EUA  em bilhõesdfd

Veja como foi o consumo semanal de gasolina na última década:

Produção de gasolina por semana nos EUA, em barris por diadfd

A partir desse contexto, o fato de que a capacidade das refinarias nos EUA também parece ter atingido o máximo pouco antes da pandemia não parece particularmente alarmante. Três barris de petróleo produzem aproximadamente dois de gasolina, de modo que a capacidade atual das refinarias de 17,9 milhões de barris por dia de petróleo equivale a cerca de 12 milhões de barris por dia de gasolina – três milhões a mais do que o consumo atual. Os EUA ainda têm mais capacidade de destilação de petróleo bruto do que em 2007, quando o consumo de gasolina era mais alto.

Barris por dia produzidos por refinarias das costas Leste, Oeste, pelo Centro-Oeste, pela região das montanhas e pela região do Golfodfd

Segundo o gráfico, houve algumas mudanças no local da capacidade dessas refinarias. As refinarias da Costa Leste atualmente têm menos da metade da capacidade que tinham em 2007, ao passo que a capacidade das refinarias da Costa Oeste reduziu 17%.

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Os aumentos de capacidade ao longo da Costa do Golfo e no Centro-Oeste vêm compensando essas quedas, mas boa parte da produção dessas refinarias vai para a exportação quando comparado com o mesmo período há 15 anos. As interrupções nos mercados de petróleo e produtos petrolíferos causadas pela invasão da Ucrânia pela Rússia e as restrições de capacidade das refinarias – através de aumentos no chamado “crack spread” entre os preços do petróleo bruto e da gasolina – se tornaram o maior motor do aumento dos preços na bomba.

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Com isso, eu praticamente esgotei meu conhecimento já limitado da indústria de refino, e não tenho nenhuma brilhante ideia para reduzir rapidamente o “crack spread”. Mas acreditei que seria útil destacar que essas coisas acontecem em setores em declínio.

Ou seja, você pode até pensar que a redução da demanda por um produto e a perspectiva de mais declínios no futuro pressionaria pela queda nos preços. E, com certeza, no longo prazo, isso acontece com frequência. Contudo, ao longo do caminho, incentivos reduzidos para investir na capacidade de produção e outros fatores podem levar a algumas dinâmicas interessantes.

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Outro produto que esteve nas manchetes nos EUA recentemente foi o cereal matinal. As vendas vinham caindo de forma constante antes da pandemia, e a marca ícone do setor, a Kellogg, anunciou que está deixando o ramo de cereais para focar em petiscos, setor com melhor potencial de crescimento.

Medidos ao longo de décadas, os preços dos cereais vêm subindo mais lentamente que os dos produtos de consumo em geral – exatamente o que seria de se esperar considerando a fraca demanda. Mas um boom pandêmico nas compras de cereais, juntamente com as interrupções na cadeia de suprimentos de um setor que não teve muito incentivo para investir na expansão da capacidade, levou a aumentos acentuados nos preços.

Comparação feita com outros itens que compõem o índice de preços ao consumidor dos EUAdfd

As consequências não se limitam a preços mais altos. De dezembro de 2020 a março de 2021, o país teve problemas de abastecimento de cereal matinal por que uma empresa teve de fechar a única instalação que produzia o cereal porque muitos trabalhadores tiveram covid-19.

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Os combustíveis fósseis são mais fungíveis do que cereais matinais, então esse tipo de desastre é improvável. Mas os combustíveis fósseis também são muito mais importantes para a economia do que os cereais matinais, assim, mesmo os aumentos de preços mais temporários fazem algum estrago. Acabar com a produção de capacidade muito rápido ou nas instalações erradas é um dos caminhos que levam aos aumentos dos preços mesmo em meio à queda na demanda. Outro caminho é ter manter as redes de distribuição mesmo com a queda na quantidade de produtos que passam por elas.

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No estado da Califórnia, que depende especialmente do gás natural para aquecimento e cozinha está empenhado em fazer com que os usuários de gás mudem para a eletricidade, as atuais regras para estabelecer tarifas de gás se traduzirão em contas muito mais altas para os que estão atrasados na mudança – provavelmente as residências de menor renda.

Essas regras podem ser alteradas, e as autoridades californianas já estão buscando formas de administrar a transição. Deixar a gasolina e o diesel para trás também vai precisar de muita administração. O rápido declínio da geração de eletricidade a partir de carvão nos últimos 15 anos nos EUA provavelmente passou uma impressão enganosa de como é fácil fazer essa mudança. No caso do carvão, a maior parte do ônus imediato foi assumido por outro combustível fóssil; o gás natural, que repentinamente se tornou abundante graças ao boom fracionário. Como esse boom foi inesperado, não vou dizer que algo do tipo nunca mais vai acontecer. Mas eu não contaria com isso.

Nós não deveríamos continuar utilizando os combustíveis fósseis. Além da necessidade óbvia de reduzir e, por fim, acabar com o aquecimento global, há muitos outros motivos para esperar uma economia alimentada por uma energia abundante e limpa em vez de recursos não renováveis e poluentes. Mas enquanto fazemos a transição, é importante lembrar que reduzir o consumo de algo não equivale a acabar com a dependência, e que a queda na demanda nem sempre equivale à queda nos preços.

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Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Justin Fox é colunista da Bloomberg Opinion e escreve sobre negócios. Foi diretor editorial daHarvard Business Review e escreveu para a Time, Fortune e American Banker. É autor de “The Myth of the Rational Market.”

--Este texto foi traduzido por Bianca Carlos, localization specialist da Bloomberg Línea.

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