EUA devem reformar urgentemente seu sistema de imigração, para que oferecer refúgio e vistos de trabalho aos migrantes mais vulneráveis
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Bloomberg Opinion — A maioria dos americanos diz que quer dar as boas-vindas aos ucranianos que fogem da invasão russa que já deslocou milhões, devastou cidades inteiras e horrorizou o mundo. No entanto, dentro do sistema de imigração dos Estados Unidos, surge um obstáculo: é difícil argumentar que os ucranianos deveriam receber tratamento “especial” quando tantos outros que buscam asilo e estão igualmente desesperados – principalmente não-brancos – foram rejeitados, presos em condições desumanas ou presos em intermináveis atrasos.

A solução: os EUA devem reformar urgentemente seu sistema de imigração, para que oferecer refúgio e vistos de trabalho aos migrantes mais vulneráveis de forma rápida e eficiente se torne a norma, não algo especial.

Quando a guerra começou no final de fevereiro, a União Europeia rapidamente concedeu aos refugiados ucranianos o direito de viver e trabalhar por até três anos na região e, desde então, aceitou mais de cinco milhões de refugiados. No entanto, apenas em 24 de março o presidente Joe Biden anunciou que os EUA receberiam apenas 100 mil deles, e seu governo ainda não cumpriu o prometido.

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Os ucranianos deslocados pela guerra devem enfrentar um sistema de imigração que visa a exclusão. Alguns poucos sortudos entraram com vistos de turista, uma opção que oferece apenas segurança temporária e proíbe o trabalho legal. Milhares viajaram para o México e foram para a fronteira de Tijuana, onde foram inicialmente rejeitados sob uma lei de saúde pública conhecida como Título 42 – que ainda é usada para rejeitar centro-americanos, haitianos e mexicanos – mas depois conseguiram uma isenção que permitiu que cerca de 23 mil ucranianos permanecessem no país sob liberdade condicional humanitária. Um novo programa chamado Uniting for Ukraine concederá entrada para aqueles que encontrarem patrocinadores nos EUA dispostos a assinar declarações (inexequíveis) de apoio financeiro – possivelmente abrindo caminho para dezenas de milhares de refugiados sob essa liberdade condicional, mas também oferecendo assistência mínima de reassentamento e expondo as mulheres ucranianas ao perigo de tráfico e exploração por patrocinadores sem escrúpulos.

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A obtenção de um visto de trabalho, essencial para os imigrantes que buscam se sustentar, é ainda mais difícil. O desemprego nos EUA está perto de níveis recordes, e os ucranianos têm alta escolaridade e motivação para trabalhar, mas a adjudicação de um pedido de visto de trabalho pode levar até um ano – inclusive sob um programa especial conhecido como Status Protegido Temporário, ou TPS, na sigla em inglês. Esses atrasos levarão muitos ucranianos a trabalhar ilegalmente em empregos para pouco qualificados, arriscando submeter-se a abusos, exploração, negação de futuros pedidos de visto ou até mesmo deportação. E mesmo que os refugiados com liberdade condicional obtenham de alguma forma o direito ao trabalho, seu visto continuará sendo temporário. Se optarem por ficar, podem não ter escolha a não ser entrar para o sistema de asilo, que atualmente enfrenta um acúmulo de 430 mil casos em departamentos de asilo e mais de 1,6 milhão em tribunais de imigração.

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Isso não é bom para o autodeclarado ‘país de imigrantes’ cujo líder prometeu ajudar os ucranianos. Então, como os EUA podem cumprir sua promessa aos que fogem da violência e da repressão? Primeiro, garantindo que os refugiados em liberdade condicional humanitária recebam assistência imediata na solicitação de visto de trabalho e agilize automaticamente os pedidos de grupos priorizados (neste caso, os ucranianos). Em segundo lugar, julgando rapidamente os pedidos de TPS. Então, aprovando uma Lei de Ajuste que permita que grupos designados de pessoas em liberdade condicional – por exemplo, ucranianos fugindo da guerra e afegãos fugindo do Taliban – solicitem residência se não puderem retornar ao seu país de origem no final de sua liberdade condicional.

É frustrante que a situação de brancos ucranianos tenha chamado a atenção para as deficiências do sistema de imigração dos EUA, mas se o resultado puder ser um tratamento mais humano para todas as pessoas que fogem da violência e da repressão, que assim seja. Uma ação urgente para aceitar mais ucranianos nos EUA não apenas faz sentido moral e econômico – é um imperativo geopolítico. A enxurrada de refugiados ucranianos na Europa (a Polônia já aceitou mais de 3 milhões, ou quase 10% de sua população) ameaça alimentar o sentimento anti-imigrante que pode minar a aliança ocidental em apoio à Ucrânia. Por sua vez, isso pode afetar até o resultado da própria guerra.

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Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Joy Ziegeweid é advogada de imigração em Nova York. Ela é fundadora da Rede de Imigração Legal para a Ucrânia, que fornece informações e apoio jurídico pro bono para os deslocados pela guerra na Ucrânia.

--Este texto foi traduzido por Bianca Carlos, localization specialist da Bloomberg Línea.

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