Peter Lynch, gestor renomado que liderou o Fidelity Magellan Fund de 1977 a 1990, com resultados considerados expressivos
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Bloomberg Opinion — Os stock pickers vêm superando o mercado em massa neste ano, levantando a velha questão no mercado sobre se seu sucesso deve ser atribuído à sorte ou às suas habilidades.

Quase 70% dos cerca de 2.850 fundos mútuos de ações dos Estados Unidos com gestão ativa com o objetivo de superar o índice S&P 500 (SPX) como benchmark o fizeram neste ano até a semana passada. Essa é uma grande evolução em relação ao ano passado, quando apenas 15% dos stock pickers de large caps (as ações com maior valor de mercado) dos EUA superaram o mercado, de acordo com o último relatório SPIVA que monitora o desempenho dos gestores (vale dizer que o S&P 500 acumulou queda de 13% em 2022 até a semana passada, depois de subir cerca de 27% em 2021).

Stock pickers são investidores que adotam a estratégia de estudar os fundamentos das empresas e daí fazer a seleção dos papeis que vão compor o portfólio, em vez de privilegiar setores, por exemplo.

O percentual deste ano também está muito mais alto que o normal. Em média, cerca de 35% dos gestores superaram o S&P 500 em qualquer ano civil, com base nos resultados anuais a partir de 2007.

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Percentual de fundos de large caps dos EUA que superaram o S&P 500dfd

Mesmo assim, os resultados deste ano não são uma completa surpresa. A maioria dos stock pickers investe em uma ampla gama de setores do mercado, desde empresas de tecnologia de rápido crescimento, como Google e Amazon, até bancos e empresas industriais.

Até pouco tempo, as ações de tecnologia foram as que tiveram melhor desempenho, o que aumentou seu valor de mercado em relação a outras e lhes proporcionou uma fatia cada vez maior na composição de índices como o S&P 500, que ponderam as ações por tamanho. Enquanto o setor de tecnologia estivesse em alta, era impossível que uma carteira amplamente diversificada acompanhasse. Agora é exatamente o oposto: com as ações de tecnologia despencando, carteiras planejadas têm vantagem.

Contudo seria um erro pressupor que essa bonança recente dos gestores continuará. A evidência é esmagadora: quanto mais tempo eles ficam no jogo, maior a probabilidade de perderem. O último relatório SPIVA foi típico: apenas 17% dos stock pickers de ações de large caps dos EUA superaram o S&P 500 nos últimos 10 anos até 2021, e esse número cai para 6% quando comparamos com 20 anos atrás.

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O tempo vence a maioria dos stock pickers. Investidores institucionais certa vez chamaram o gestor de fundos hedge - o equivalente no Brasil aos fundos multimercados - Gabe Plotkin de “prodígio” depois que ele acumulou ganhos de 30% ao ano durante meia década.

O bilionário Ken Griffin, que apoiou o fundo de Plotkin, chamou-o de “investidor emblemático” que “fez um trabalho incrível para seus investidores” em recente entrevista para a Bloomberg Intelligence.

Atualmente, Plotkin está encerrando seu fundo após uma queda de 39% no ano passado e de 23% neste ano até abril. A reação de Griffin: “O fundo hedge médio tem vida útil de cerca de três anos. Portanto, centenas são encerrados em um ano e a vida segue.” Talvez não se trate de habilidade.

Chase Coleman, fundador da Tiger Global Management, é ainda mais admirado. Seu fundo hedge com duas décadas de vida supostamente gerou retornos de mais de 20% ao ano até 2020, auxiliado por grandes apostas em ações de tecnologia. Agora essas apostas estão azedando.

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Após um ano de baixa em 2021, o principal fundo hedge de Coleman caiu 44% neste ano até abril, e seu fundo exclusivo de posições compradas recuou 52%. O que aconteceu? “Os mercados não cooperaram tanto”, escreveu a Tiger Global a investidores. Eles raramente cooperam com stock pickers.

Nem mesmo os fundos com históricos mais admirados são necessariamente uma demonstração de habilidade. Talvez o mais admirado seja o de Peter Lynch, que obteve um retorno de 29% ao ano na liderança do Fidelity Magellan Fund de 1977 a 1990, incluindo dividendos. Ele superou o S&P 500 – benchmark do fundo – em mais de 13% ao ano durante esse período.

Peter Lynch foi o mais gestor bem-sucedido com sua estratégia de investimento ao longo de uma janela de 13 anosdfd

Pode parecer uma excelente seleção de ações, mas não é bem assim. Por exemplo, Lynch não investiu no S&P 500. Ele comprou ações de empresas de alta qualidade que negociaram por um preço razoável, uma mistura de duas estratégias – qualidade e valor – que são bem conhecidas por terem superado o mercado historicamente.

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A combinação das duas estratégias superou o mercado por uma margem enorme enquanto Lynch liderava o Magellan. Uma combinação de 20% das ações mais rentáveis e baratas dos EUA, com peso igual, retornou 28% ao ano durante esse período, segundo dados compilados pelo professor de Dartmouth Ken French, quase o mesmo desempenho de Lynch.

Tanto Magellan quanto a combinação de rentabilidade e valor são comparavelmente voláteis, e cerca de 30% mais voláteis que o S&P 500, outro indicativo de que a combinação de rentabilidade e valor captura mais de perto o estilo de investimento de Lynch do que o S&P 500.

Histórico de Peter Lynch no Magellan pode ser explicado por sua estratégia de investimentodfd

Portanto, não parece haver nenhuma mágica na seleção de ações de Lynch. Ele teve apenas sorte com o fato de seu estilo de investimento ter sido favorável durante seus 13 anos no Magellan. Mas esse nem sempre é o caso. Se ele tivesse usado seu estilo durante os 13 anos anteriores, provavelmente teria gerado um retorno mais próximo de 6% ao ano, ou 1 ponto percentual acima do S&P 500. Na verdade, desde 1963, não houve outro período (além do final dos anos 1970 e 1980) em que Lynch teria se saído tão bem. E se seu histórico desaparecer sob escrutínio, imagine como os outros gestores parecerão ruins.

Lembre-se disso quando ouvir algo sobre stock pickers superarem o mercado neste ano. Alguns podem ter históricos de sucesso que não podem ser explicados apenas por seu estilo de investimento. Warren Buffett, David Tepper e Chris Hohn são exemplos. Mas estes são exceções. Os outros provavelmente tiveram sorte.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Nir Kaissar é colunista da Bloomberg Opinion e cobre mercados. Fundou a Unison Advisors, uma empresa de gestão de ativos.

--Este texto foi traduzido por Bianca Carlos, localization specialist da Bloomberg Línea.

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