Genoma do vírus da varíola dos macacos é bastante parecido com o genoma da varíola mapeado em 2018 e 2019, o que torna a doença mais conhecida e, portanto, tratável e passível de erradicação
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Bloomberg Opinion — A Organização Mundial da Saúde (OMS) revelou que atualmente existem 131 casos confirmados de varíola dos macacos e mais 106 casos suspeitos em 19 países. Especialistas descrevem o evento como “aleatório”, mas “combatível” e provavelmente foi desencadeado inicialmente pela atividade sexual em recentes raves na Espanha e na Bélgica. No entanto, com o mundo ainda sofrendo com os efeitos da pandemia de covid, o surgimento de uma doença diferente está deixando muitas pessoas no limite.

Bobby Ghosh, da Bloomberg Opinion, organizou uma discussão ao vivo no Twitter com o analista farmacêutico sênior da Bloomberg Intelligence, Sam Fazeli, para obter informações detalhadas sobre a doença e descobrir se devemos nos preocupar.

O Reino Unido deve anunciar mais casos de varíola dos macacos, já que surtos foram relatados em 14 países. @ghoshworld está AO VIVO com @SamFazeli8 falando sobre o que sabemos até agora.

Bobby Ghosh: Vamos começar do começo. O que é a varíola dos macacos?

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Sam Fazeli: Aparentemente, existe um número infinito de vírus que circulam na natureza. Este é um deles. É um ortopoxvírus, como a varíola. A varíola dos macacos é menos problemática do que a varíola em termos de taxa de mortalidade. O vírus que está circulando atualmente parece ser a cepa endêmica na África Ocidental.

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BG: Conhecemos duas cepas há algumas décadas. Ambas são endêmicas em diferentes partes da África – África Central e África Ocidental, respectivamente – e houve casos ocasionais relatados fora do continente africano, geralmente de alguém que veio de uma área afetada. Mas esse surto parece bastante incomum, pois os casos estão sendo relatados em tantas partes diferentes do mundo ao mesmo tempo. O que está acontecendo?

SF: Na verdade, houve um surto de 71 casos nos EUA em 2003, não por causa de uma pessoa viajando, mas por causa de roedores importados de Gana. Esses roedores então infectaram animais de estimação, que então infectaram as pessoas. Havia a possibilidade de alguma transmissão local naquela época, mas certamente foi passada de animais para humanos. Esse é um problema com o qual estamos lidando em muitos desses surtos virais, da gripe aviária à covid.

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Em termos do surto incomum de hoje, temos que estar cientes de que é muito cedo para ter certeza se o vírus foi genuinamente semeado separadamente em diferentes países ou se pelo menos a maioria dos casos veio de um evento de superdisseminação. A melhor maneira de saber como os casos estão relacionados é sequenciá-los. O primeiro genoma foi publicado por cientistas portugueses, que descobriram que o vírus parece estar bastante próximo do vírus que foi encontrado em vários países em 2018 e 2019. Isso já diz que o vírus não mudou muito. Embora o sequenciamento ainda precise de revisão, ele sugere que podemos descobrir que a maioria desses casos está realmente relacionada.

BG: De passagem, vale pontuar que, embora se chame varíola dos macacos, na verdade não vem dos macacos. Só começamos a prestar atenção nele quando os macacos começaram a adoecer. Ele se origina em primatas agora? O que sabemos sobre como a doença é transmitida?

SF: Os ortopoxvírus, especialmente a varíola dos macacos, são vistos como generalistas. Isso significa que esse vírus pode infectar e infecta diversas espécies. Os roedores são os veículos mais comuns de infecção, passando para macacos e, então, humanos. A transmissão pode ser relativamente fácil, não necessariamente por meio de uma rota específica. Nesse caso, a visão é que se espalha pelo contato com fluidos contaminados de uma pessoa infectada e precisa ser um contato relativamente próximo.

A probabilidade é que a maior parte da transmissão ocorra quando você está muito próximo de alguém que tem o vírus, então você está pegando gotículas ou está em contato físico com eles. Também pode ser transmitido por fômites – ao tocar uma superfície que alguém infectado também tocou.

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BG: Houve alguns relatos que sugerem que isso acontece principalmente por meio de contato íntimo, incluindo proximidade ou sexo com uma pessoa.

SF: Acredito que temos que ter muito cuidado para não interpretar erroneamente as informações que recebemos. Só porque a maioria dos casos foi encontrada em homens que fazem sexo com homens não significa que a transmissão ocorre sexualmente. Estamos apenas observando a maneira como essa disseminação em particular aconteceu. Poderia ter sido qualquer outro contato íntimo, heterossexual ou de outro tipo.

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BG: E quais são os sintomas da varíola dos macacos?

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SF: Começa com dor de cabeça e febre, as coisas comuns de uma infecção viral. Esses sintomas são basicamente o seu sistema de defesa entrando em ação. Muitos vírus não gostam de temperaturas mais altas, e é por isso que o corpo aumenta sua temperatura. Temos dor de cabeça e dores musculares por causa de todas as substâncias liberadas para combater a infecção, como as citocinas. Então, em uma semana ou duas, algumas pessoas apresentam uma erupção cutânea que se transforma em pústulas.

Se você estiver coberto por essas pústulas, corre o risco de infecção bacteriana e, em alguns casos, sepse. É daí que pode ocorrer a letalidade.

Ainda não houveram óbitos neste grupo específico. A taxa de mortalidade de 1-3% ou a taxa de mortalidade de 10-13% para a cepa da África Central foi muito mencionada, mas é preciso lembrar que, assim como a covid, depende de como os pacientes são atendidos. Se um paciente está em casa sem oxigênio disponível, sem UTI, sem profissionais médicos, o risco de morte é maior. Essa pode ser a situação na África rural onde esses números foram calculados, mas em países com bons cuidados de saúde e medicamentos, tenho certeza de que a taxa de mortalidade permanecerá abaixo de 1%. Quem sabe chegando a 0%!

BG: Os sintomas me lembram da minha infância quando peguei catapora. Fiquei de cama por vários dias e lembro que era muito desconfortável. Então me curei. Já temos uma noção se a varíola dos macacos é mais dolorosa ou mais ameaçadora que a catapora?

SF: É uma infecção muito mais desconfortável se você tiver pústulas em sua pele. Mas varia, já ouvi falar de um caso em que um foi infectado já havia sido vacinado contra varíola. Eles tinham apenas uma ou duas lesões, o que não é nada. Isso é o que você supõe e espera que seja o caso da maioria das pessoas que já foram vacinadas. O problema são as pessoas não vacinadas. Qual será a gravidade da doença nelas?

BG: Como cresci na Índia nas décadas de 1970 e 1980, fui vacinado contra varíola quando criança. Em seguida, a varíola foi erradicada e, em muitos países, as vacinas deixaram de ser aplicadas. Isso nos torna mais vulneráveis à varíola dos macacos?

SF: Acredito que sim, é o que provavelmente está acontecendo aqui. Houve a sugestão de que talvez os lockdowns contra covid aumentassem nossa suscetibilidade a doenças. Você pode dizer isso para a gripe e o coronavírus – ambos vírus respiratórios. Mas realmente neste caso, acredito ser apenas uma coincidência. Temos um vírus endêmico na África Central e Ocidental que teve a oportunidade de se espalhar entre uma população de pessoas que nunca tiveram uma infecção ou uma vacina que lhes proteja contra o vírus.

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BG: É uma boa notícia que a vacina já existe, ao contrário da covid. Temos vacinas que funcionam tanto profilaticamente quanto depois que a pessoa contrai a doença. Então podem atuar preventivamente e como a cura.

SF: Correto, alguns dias após o diagnóstico de infecção, a vacina ainda parece funcionar. O interessante é que ambas as vacinas são fabricadas hoje. Os estoques podem não ser tão altos, mas muitos países já estavam estocando, não com medo da varíola, mas com medo de um ataque bioterrorista de varíola.

Como a doença é menos transmissível que a covid, não é preciso que todos se vacinem. Você pode usá-lo para tratar pessoas que são diagnosticadas e vacinar as pessoas ao seu redor. Esse método é chamado de vacinação em anel e já provou ser bem-sucedido no controle da varíola antes.

BG: Houve muita discussão sobre se países pobres seriam capazes de pagar as vacinas contra a covid. Isso é um problema para as vacinas contra a varíola dos macacos?

SF: A vacina contra covid da Pfizer (PFE) custava entre US$ 15 e US$ 20 por dose. Para quem mora na Inglaterra, Suécia ou Estados Unidos, isso não é caro, dada a proteção que oferece. Espero que, para controlar e gerenciar melhor a disseminação global desse vírus, a equivalência da Covax compre vacinas para países que não podem pagar. Ao mesmo tempo, o custo é determinado claramente pelo volum. Se precisarmos apenas de um milhão de doses, em vez de 400 milhões de doses, as empresas provavelmente terão que cobrar um pouco mais porque as margens serão menores nesses tipos de volumes. Mas não espero que seja uma vacina muito cara.

BG: Isso é reconfortante. Como os líderes reagiram à varíola dos macacos? O presidente Biden se sentiu compelido a responder a uma pergunta sobre isso durante sua viagem ao exterior na Coreia do Sul. Aprendemos coisas com nossa luta contra a covid que seriam particularmente úteis para lidar com a varíola?

SF: Como já dissemos, o bom é que esta não é uma doença com a qual nunca lidamos, mesmo que não seja necessariamente a memória viva de muitas pessoas. Faz apenas 50 anos que paramos os programas de vacinação contra a varíola. A Bavarian Nordic, uma das fabricantes de uma vacina contra a varíola, aparentemente já teve reuniões com autoridades de saúde de vários países nos últimos dias – agendadas há seis meses. Isso mostra que os países já estavam pensando sobre isso – se era uma vacina contra varíola em vez de varíola dos macacos, não importa.

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BG: Existe alguma razão para pensar que a varíola dos macacos é sazonal?

SF: Na época do ano em que as pessoas estão mais ao ar livre do que em ambientes fechados, espera-se que a maioria das infecções, principalmente as respiratórias, diminua. Mas esta doença é transmitida por contato. Então não acredito que podemos classificá-la como sazonal.

BG: E as variantes – que têm sido um problema real com a covid? O vírus da varíola dos macacos mostrou algum sinal de desenvolvimento de novas variantes resistentes aos tratamentos existentes?

SF: É muito cedo para saber. A Nigéria reúne ótimos dados epidemiológicos, mas com o número de casos de varíola dos macacos, não chega nem perto da escala do SARS-CoV-2. Como o SARS-CoV-2 é um vírus de RNA, provavelmente tem maior oportunidade de sofrer mutações.

Os dados preliminares que temos dos cientistas portugueses sugerem que o genoma do vírus é semelhante ao genoma registrado em 2018 e 2019, e isso é bastante tranquilizador. Mas, quando os vírus se multiplicam em altos níveis, você não pode escapar do fato de que as mutações ocorrerão. Então teremos que monitorá-lo.

BG: O que podemos fazer para nos proteger da varíola dos macacos?

SF: Já tivemos isto com a covid. Existem escolhas que todos podemos fazer em nossas vidas em relação às nossas próprias circunstâncias, como optar por usar uma máscara. Se você está preocupado, pode tomar precauções. Mas acredito que a expectativa da maioria dos cientistas é que isso se autolimite eventualmente, principalmente quando a consciência estiver tão elevada, porque não é uma doença transmitida tão facilmente.

BG: Agora que já se passaram algumas semanas desde que a história foi divulgada e houve casos relatados em vários países, já estamos vendo mais pesquisas sobre o surto?

SF: Eu sei que o pessoal da genômica está trabalhando 24 horas por dia, 7 dias por semana no sequenciamento dos genomas do vírus para entender melhor a epidemiologia. Essa é a melhor maneira quando há apenas 200 casos para saber como esses incidentes estão potencialmente relacionados entre si. Já temos pelo menos dois medicamentos que poderiam tratar o vírus e duas vacinas, no mínimo. Portanto, não acho que precisamos fazer muitas pesquisas. O que precisamos é ter a política de saúde pública certa para manejá-la e decidir para onde vamos em seguida. Vacinamos todos que não foram vacinados, ou apenas usamos a vacinação em anel?

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Sam Fazeli é analista sênior de produtos farmacêuticos na Bloomberg Intelligence e diretor de pesquisa para Europa, Oriente Médio e África.

--Este texto foi traduzido por Bianca Carlos, localization specialist da Bloomberg Línea.

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