Por que uma parte do PIB virou as costas à candidatura de Bolsonaro

Mas isso não significa adesão a Lula, mesmo com a terceira via empacada nas pesquisas

Ambulante vende toalhas de Lula e Bolsonaro no sertão pernambucano: imagem retrata um dilema presente também no andar de cima
11 de Maio, 2022 | 03:20 AM

Longe do Twitter onde a arraia-miúda da Faria Lima se engalfinha com opiniões políticas, o discreto clube dos brasileiros mais ricos do país está diante de um dilema com a aproximação da eleição de 2022: rejeita dar mais quatro anos a Bolsonaro enquanto o discurso mais à esquerda de Lula impede uma adesão do PIB ao petista, como ocorreu na eleição de 2002.

Até agora, alguns ativistas desta fatia do empresariado dedicaram-se a mobilizar outros empresários para tentar construir uma alternativa de poder a Lula e Bolsonaro. Numa dessas articulações, um grupo de 12 empresários e grandes investidores reuniram-se quase todas as quartas-feiras desde o ano passado para discutir uma agenda e ouvir os pré-candidatos. A maior parte dos encontros ocorreu via Zoom, um aplicativo de teleconferência, e o grupo esteve com os tucanos João Doria, Eduardo Leite, Sergio Moro (União Brasil) e Simone Tebet (MDB). Nenhum deles viável eleitoralmente, segundo as pesquisas. Em outro círculo, as conversas se dão em grupos de WhatsApp.

Um dos raros empresários a vocalizar essa insatisfação é Horácio Lafer Piva, acionista e membro do conselho de administração da Klabin. Junto com Pedro Passos (Natura) e Pedro Wongtschowski (Grupo Ultra), Lafer Piva tem escrito artigos em jornais e dado entrevistas defendendo publicamente uma candidatura do “centro democrático” e uma agenda de competitividade para o país.

Numa conversa com a Bloomberg Línea em seu escritório na Faria Lima na semana passada (antes do lançamento da chapa Lula-Alckmin no último sábado), o empresário se disse “exasperado” com as alternativas para enfrentar um quadro econômico mais complicado em décadas, com inflação fora de controle, juro em alta nos Estados Unidos e uma tendência internacional a um revival do protecionismo, além da guerra na Ucrânia. No ambiente doméstico, ele vê um “constrangimento fiscal” se arrastando pelos próximos anos.

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“A pior recorrência da vida do brasileiro é a mentalidade de curto prazo, que tira do país a oportunidade de ter um projeto consistente. O país poderia ser líder no mundo na economia verde, na questão da monetização do carbono, mas olhe para o Brasil hoje, o país vai pagar uma conta muito cara pelo comportamento de hoje com a Amazônia e o meio ambiente”, diz.

“E não vejo movimentos para o centro”, vaticina.

Para Lafer Piva, Bolsonaro foi o fruto da mentalidade de curto prazo e chegou à Presidência surfando na urgência do eleitorado para “tirar o PT”. E, no último ano do seu mandato, diz, entregou aumento de gastos sem qualidade – como o loteamento do Orçamento da União através das emendas parlamentares –, deterioração da imagem do país no exterior e crise econômica.

“A maior marca desse governo, no entanto, é o desserviço que presta ao investir contra as instituições. Tanto assim que tem gente até achando alguma graça no Lula de novo”, disse.

“Já o Lula tem uma militância que não tem preocupação se o discurso dele está envelhecido ou não”, completa.

A ponderação, explica, não significa uma equivalência entre os dois candidatos que estão à frente nas pesquisas. Embora reconheça no petista credenciais democráticas, Lafer Piva ainda vê a necessidade de que a terceira via ofereça uma alternativa à polarização, mas admite que isso é cada vez mais difícil: “Essa demora leva as pessoas a tomarem posições, mas não são posições convictas”.

"A pior recorrência da vida do brasileiro é a mentalidade de curto prazo"

O ACENO DE LULA: No discurso de 45 minutos no último sábado, no lançamento de sua pré-candidatura a presidente, Lula enveredou por um rumo mais conciliador, sinalizando ao centro e a outras forças políticas fora da esquerda. “Queremos unir os democratas de todas as origens e matizes, das mais variadas trajetórias políticas, de todas as classes sociais e de todos os credos religiosos. Para enfrentar e vencer a ameaça totalitária, o ódio, a violência, a discriminação, a exclusão que pesam sobre o nosso país”, discursou.

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Foi uma inflexão às falas improvisadas das últimas semanas, quando criticou as classes médias e as elites. Críticas à atual política de preços da Petrobras e a proposta de privatizar a Eletrobras seguiram presentes.

Além da escolha do centrista Geraldo Alckmin, o discurso de sábado incorporou um elemento novo endereçado ao empresariado: “Precisamos colocar novamente o Brasil entre as maiores economias do mundo, reverter o acelerado processo de desindustrialização do país e criar um ambiente de estabilidade política, econômica e institucional que incentive os empresários a investirem outra vez no Brasil, com garantia de retorno seguro e justo, para eles e para o país.”

Com a terceira via empacada nas pesquisas, as campanhas de Lula e Bolsonaro têm adotado estratégias distintas para angariar apoio no PIB. Lula tem participado, ele próprio, de conversas que visam aparar arestas e diminuir as resistências no empresariado. Além da reunião com Guilherme Benchimol (XP) há duas semanas, revelada pela Bloomberg Línea, o ex-presidente já esteve com André Esteves (BTG Pactual), Abilio Diniz (Península), Luiz Carlos Trabuco (Bradesco) e Cláudio Ermirio de Moraes (Votorantim). Benchimol encontrou-se com Bolsonaro no Palácio do Planalto, depois que o encontro com Lula veio a público.

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Lula incumbiu o ex-prefeito Fernando Haddad, pré-candidato do PT ao governo do Estado, de conversar com grandes gestores da Faria Lima para passar a mensagem de que um novo governo de Lula terá compromisso com a responsabilidade fiscal, visando dissipar a desconfiança do setor com as recentes promessas, como a revogação da reforma trabalhista e uma guinada radical na gestão da Petrobras, com a volta da estatal investindo pesado em refinarias. A presidente do PT, Gleisi Hoffmann (PR), também tem participado de encontros com investidores.

Bolsonaro tem um grupo de apoiadores fiéis, mas pouco influentes no ecossistema do PIB brasileiro, como Flávio Rocha (Riachuelo) e Luciano Hang (Havan). A aposta do entorno do presidente é que muitos dos empresários que votaram nele em 2018 voltarão a apoiá-lo pela força da gravidade (isto é, para impedir a volta do PT). O agro no Sul e no Centro-Oeste está fechado com presidente. Paulo Guedes ainda é o principal interlocutor da fatia do empresariado que não é Bolsonaro de coração.

PAULO PALESTRA: “Ou o país tem perspectiva de estabilidade ou não tem investimento: os estrangeiros estão evitando por dinheiro aqui para investimento. Investimento não é CDI. Investimento é otimismo: é colocar o dinheiro em um projeto achando que ele vai dar certo”, disse um ex-dirigente de um grande banco privado, que conversou com a Bloomberg Línea, sob a condição de ter preservado seu nome.

Segundo ele, a Faria Lima aderiu a Bolsonaro em 2018 não por causa do candidato, mas do “Posto Ipiranga” – promessa de que Paulo Guedes teria carta branca para implementar uma política econômica de viés liberalizante no país, que vem sendo frustrada desde 2020 com o estouro do teto de gastos, a perda do controle sobre a inflação no país e o crescente gasto com emendas da base no Congresso.

Pelas costas, o ministro ganhou o apelido de “Paulo Palestra”. (“Na palestra, ele fala bem. Na prática, entrega pouco.”)

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Segundo a fonte, o mercado financeiro ficou “inebriado” com as promessas de que Bolsonaro abriria mão voluntariamente de poder e daria plena liberdade de ação ao ministro da economia.

Considerando os períodos da ditadura militar e o da redemocratização, só dois dos 12 presidentes nos últimos 50 anos cumpriram a promessa de delegar completamente o poder sobre política econômica para seus ministros: Emílio Médici (1969-1974) com Delfim Netto (nos anos do “Milagre Econômico”) e Itamar Franco (1992-1994) com Fernando Henrique Cardoso, então titular da Fazenda, para o lançamento do plano Real.

Hoje, no último ano do governo Bolsonaro, a fonte afirma que acreditar na promessa de carta branca a Guedes foi “ingenuidade”.

Quando a reportagem perguntou a Lafer Piva se o empresariado foi enganado ou quis se enganar com a promessa do Posto Ipiranga, ele foi mais direto: “Quando alguém fala que vai arrecadar um trilhão com privatizações, é provável que essa pessoa desconheça como funciona o setor público.”

POR QUE AS NAÇÕES FRACASSAM: O primeiro trinco sério na relação Bolsonaro-investidores apareceu em julho do ano passado, quando o “meteoro” dos precatórios apareceu no Orçamento. Na época, os principais gestores do mercado financeiro ainda estavam em lua-de-mel com o governo porque, a despeito de gastos extraordinários de cerca de R$ 750 bilhões com as primeiras rodadas do auxílio emergencial e ações no combate à pandemia, a trajetória da dívida era mantida sob controle.

A saída encontrada pelo governo que desmontou o teto de gastos para gerar um espaço extra de R$ 100 bilhões para gastos foi mal digerida. Desse montante, cerca de R$ 44 bilhões foram destinados aos precatórios, o restante bancou uma nova enxurrada de emendas parlamentares e o aumento no pagamento de benefícios do antigo Bolsa Família, rebatizado como Auxílio Brasil, bandeira de campanha da reeleição do presidente.

Um sócio de uma grande asset, que também falou com a Bloomberg Línea reservadamente, disse que o maior estrago veio depois: com a repercussão dos atos do 7 de Setembro internacionalmente.“Numa reunião com alguns investidores de fora com quem tenho relação, um deles disse que a situação do Brasil estava muito parecida com a do ‘Why Nations Fail’. Essa é a percepção que muita gente tem do Brasil hoje e que está por trás do adiamento das decisões de investimento aqui”, contou.

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Publicado no Brasil com o título “Por que as Nações Fracassam”, o livro dos economistas Daron Acemoglu e James Robinson disseca as razões das diferenças de receita e padrão de vida que separam os países ricos dos países pobres. O ponto central do livro é que instituições democráticas fortes tendem a moldar instituições econômicas eficientes e prósperas, enquanto regimes autocráticos tendem a produzir decadência ou estagnação econômica.

Além das dúvidas crescentes sobre se Bolsonaro aceitará ou não uma derrota nas urnas entre os empresários ouvidos pela reportagem, o crescimento da destruição da Amazônia e a proposta de abrir terras indígenas à mineração (e ao garimpo) ajudam a corroer a imagem internacional do país.

Em 2021, foram destruídos 10.362 km² de mata nativa, o que equivale a metade de Sergipe, segundo dados do Sistema de Alerta de Desmatamento do Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia), que monitora a região por meio de imagens de satélites. Na comparação com 2020, o desmatamento avançou 29% no ano passado.

PETROBRAS E DERIVATIVO: Desde que foi reabilitado politicamente com a anulação de suas condenações na Lava Jato pelo Supremo Tribunal Federal no ano passado, Lula tem emitido sinais ambíguos do que pretende no campo econômico. O ex-presidente já disse que não vai escrever uma nova versão da Carta ao Povo Brasileiro, documento em que o então candidato do PT se comprometia com responsabilidade fiscal e controle da inflação na eleição de 2002. O entendimento dele é que seus dois governos, que entregou seguidos superávits primários, o dispensam disso.

Nos bastidores, o ex-presidente tem dito a interlocutores que seu próximo ministro da Fazenda deverá ser um político porque, se eleito novamente, deverá enfrentar um quadro fiscal desfavorável. Lula já emitiu acenos ao mercado, dizendo que não vê “obstáculo” em trabalhar com Roberto Campos Neto no Banco Central, e sinalizou ao centro ao sacramentar a escolha do ex-tucano Geraldo Alckmin (PSB) como vice. O ex-presidente também já se encontrou com pesos-pesados do mercado, como Trabuco e Benchimol.

Em público, contudo, tem adotado um discurso mais à esquerda com promessas de revogação da reforma trabalhista e do teto de gastos (o mercado tem dado pouca importância a este último item depois da saída para a crise dos precatórios no ano passado). O ponto que o mercado tem visto com a maior reserva é o que Lula tem dito sobre a Petrobras e suas promessas de retomar a construção de refinarias no país.

Na ressaca da Lava Jato, a política implementada sob a gestão de Pedro Parente na companhia (e mantida no atual governo) passou a reduzir a presença da empresa no refino e em outras áreas consideradas não essenciais para concentrar os investimentos em exploração.

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Essa é a pedra angular da atual política da empresa já que, sem a Petrobras com uma posição dominante na produção de derivados como gasolina e diesel, o setor fica mais exposto à concorrência privada e internacional. É por ter reduzido a participação da Petrobras do refino que a paridade internacional com os preços do petróleo tem sido possível, já que mais de 400 empresas privadas hoje conseguem importar e comercializar derivados. A promessa de Lula é vista como intervencionista.

Para a fonte, Lula tem credibilidade para ocupar o lugar mais ao centro e atrair apoios do PIB pelo que foi o governo dele, mas o entrave é que o Lula de agora tem se colocado muito à esquerda, com a defesa da volta do investimento em refinarias. O ex-dirigente de banco contou ter sido procurado por emissários do PT com a mensagem de que o discurso deve ser entendido como sinalização à militância.

A pregação de que Lula estaria mais à esquerda agora para poder sinalizar um recuo mais tarde, durante a campanha, também não é comprada.

O PÊNDULO: Entre os liberais que votaram em Bolsonaro, mas hoje são críticos dele, há um incômodo adicional contra o PT, de que o partido e a esquerda se comportam “como se tivessem o monopólio de querer o bem social do país”. A visão que prevalece nestes círculos é que a liberdade econômica oferece oportunidades a cada indivíduo para lutar por uma vida digna.

“Esse grupo muito pequeno [de empresários] não encontra no Bolsonaro o mínimo de civilidade necessária ao cargo, há uma repulsa, mas olha para o Lula e pensa ‘não é lá que eu vou ser acolhido’. Esta fatia do empresariado, do PIB, não quer o Bolsonaro de novo, poderia ir com o Lula pelo que foi o governo dele, mas olha para o Lula de agora e se afasta. Está considerando se não seria melhor olhar para o Bolsonaro de novo”, disse um dos empresários que participou de conversas com os nomes da terceira via.

Quando a reportagem perguntou se ele já tinha definitivamente jogado a toalha com a terceira via, o entrevistado citou um verso da canção “Maria, Maria”, de Milton Nascimento, sobre a “estranha mania de ter fé na vida”.

“É muito difícil, mas a eleição não é um jogo jogado.”

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Graciliano Rocha

Editor da Bloomberg Línea no Brasil. Jornalista formado pela UFMS. Foi correspondente internacional (2012-2015), cobriu Operação Lava Jato e foi um dos vencedores do Prêmio Petrobras de Jornalismo em 2018. É autor do livro "Irmã Dulce, a Santa dos Pobres" (Planeta), que figurou nas principais listas de best-sellers em 2019.