Com verão de extremos, Brasil esquece crise hídrica com reservatórios cheios

Sob um alto custo climático, analistas confirmam que a temporada de chuvas acima da média contribuiu para a retomada dos reservatórios brasileiros

Região sudeste teve reservatórios beneficiados pelas chuvas, mas foi uma das que mais sofreu suas consequências.
24 de Março, 2022 | 03:31 AM

Bloomberg Línea — O presidente Jair Bolsonaro confirmou na última quinta-feira (17) o fim da bandeira de escassez hídrica para abril deste ano. Segundo o presidente, em transmissão ao vivo nas redes sociais, a decisão de encerrar a tarifa veio da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

A medida adicionou R$ 14,20 às faturas de energia elétrica para cada 100 kWh consumidos. Mas, embora a decisão de dar fim à nova bandeira tarifária já fosse prevista para o mês de abril, um fator foi determinante: a melhora no nível dos reservatórios de água no país, na esteira de uma temporada de chuvas intensas.

Nos primeiros meses do verão, a região sudeste do Brasil registrou um número recorde de eventos extremos de chuva, em dezembro de 2021, e índices bastante elevados em janeiro de 2022, de acordo com dados da Dados do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) e do Instituto Nacional de Meteorologia (INMET), respectivamente.

Meteorologistas alertaram que o verão deste ano sofreria as influências do La Niña, fenômeno climático que reflete na circulação de ventos e na pressão do ar, influenciando cenários climáticos mais extremos, como chuvas intensas e altas temperaturas.

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E foi esse volume intenso de água, inclusive, um dos motivos para os deslizamentos na região serrana do Rio de Janeiro, em fevereiro deste ano, que deixaram ao menos 233 pessoas mortas e mais de 500 desabrigados em Petrópolis. Na época, o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, anunciou uma Medida Provisória que liberou R$ 500 milhões do Orçamento para ajudar as cidades atingidas por “grandes catástrofes”.

À mercê do clima

Um relatório do Banco Inter (BIDI11) sobre o setor de energia, divulgado no último dia 15 de março, mostra que, do ponto de vista de geração de energia, o recente período de chuvas contribuiu de forma significativa para a retomada dos reservatórios: o subsistema da região Sudeste/Centro-Oeste, que é responsável por cerca de 70% da geração hídrica no país, registrou em 14 de março, volumes de 60,32%, e tem uma das melhores estimativas para agosto de 2022 em quase 10 anos.

Além disso, o período chuvoso acima da média trouxe um nível geral dos reservatórios do Sistema Interligado Nacional (SIN), da qual as regiões Sudeste/Centro-Oeste também fazem parte, aos patamares mais elevados dos últimos cinco anos.

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Apesar de momentaneamente positivos, no entanto, esses dados, na avaliação do The Nature Conversancy (TNC), em relatório divulgado na última segunda-feira (21), mostram que o cenário atual “nos torna cada vez mais dependentes dos regimes de chuva, extremamente suscetíveis às mudanças climáticas”.

Lembrando que a crise hídrica atravessada pelo país em 2021 foi a pior em 90 anos, segundo o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE), levando os reservatórios de água do país a operarem em níveis bastante abaixo do ideal. A situação, aliás, foi determinante para que a Aneel instituísse, em agosto de 2021, a bandeira de escassez hídrica.

Destruição de longo prazo

A análise da TNC mostra a perda de cobertura florestal como um dos fatores que tem impactado a reserva das chamadas “águas invisíveis.”

“O uso e ocupação das áreas desmatadas pode interferir nas áreas de infiltração natural, o que afeta a capacidade de recarga da água armazenada no solo e nos aquíferos, chamado de reservatório invisível”, diz a nota.

Diante de um clima cada vez mais extremo, a organização chama para a importância da “segurança hídrica”, justamente para evitar cenários de escassez como o de 2021, que levaram a Aneel a implementar a bandeira de escassez hídrica.

Para o gerente de Água da TNC Brasil, Samuel Barrêto, é necessária “a gestão adequada das bacias hidrográficas, de forma a mantê-las ou recuperá-las para que sejam saudáveis e resilientes às mudanças climáticas, tendo suas funções ecológicas mantidas”.

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Melina Flynn

Melina Flynn é jornalista naturalizada brasileira, estudou Artes Cênicas e Comunicação Social, e passou por veículos como G1, RBS TV e TC, plataforma de inteligência de mercado, onde se especializou em política e economia, e hoje coordena a operação multimídia da Bloomberg Linea no Brasil.