Lembre como foi o embargo da China à carne do Brasil em 2021

Entenda como frigoríficos descumpriram o embargo, as negociações diplomáticas, as ameaças de outros mercados e tudo o que aconteceu nos 100 dias em que o Brasil deixou de vender milhões para seu maior cliente

Os 100 dias que colocaram a ministra em uma das situações mais difíceis de sua gestão
30 de Dezembro, 2021 | 12:36 PM

Dia 1

Bloomberg Línea — No dia 3 de setembro, o Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal emitiu o Ofício-Circular nº 67/2021/DIPOA/SDA/MAPA informando aos órgãos do Ministério da Agricultura a suspensão cautelar e temporária da certificação sanitária de carne bovina para a República Popular da China a partir de 04 de setembro de 2021. A determinação decorria da da confirmação de dois casos atípicos de ‘vaca louca’ que estavam em análise e tiveram a contra-prova positiva. Esse ofício quase gerou uma crise diplomática entre os dois países.

Dia 2

No sábado, 4 de setembro de 2021, o Ministério da Agricultura tornou pública a confirmação dos casos. Pelas regras do protocolo sanitário assinado com a China em 2015, o governo brasileiro anunciou um auto-embargo e suspendeu a emissão dos certificados sanitários, documento necessário para exportação para China. Os lotes já certificados de carne, que ainda não haviam sido embarcados, deveriam aguardar para serem exportados, mas não foi isso o que aconteceu (veja adiante).

Dia 3

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Na tarde do domingo no Brasil, dia 5 de setembro, início da manhã de segunda-feira na China, a Ministra Tereza Cristina entrou em contato com o governo chinês, na tentativa de marcar uma reunião com a autoridade alfandegária do país, mas não obteve sucesso. Fontes da Bloomberg Línea na China informaram que a Administração Geral de Aduanas da China (GACC) não foi autorizada por instâncias superiores a marcar a reunião.

Dia 10

No dia 14 de setembro a ministra Tereza Cristina embarcou para Florença, na Itália, para a reunião com os ministros da Agricultura do G-20. Além da agenda oficial, a ministra foi com a missão de encontrar seu par chinês, Tang Renjian, para levar mais explicações sobre a situação sanitária do Brasil e pedir ajuda para que interviesse junto ao GACC para tentar acelerar a retomada das exportações. Mesmo com o pedido antecipado de uma agenda, mais uma vez, a ministra não foi atendida.

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Dia 27

O mês de setembro chega ao fim e com ele cresce a expectativa para se saber qual o tamanho do prejuízo gerado pela ausência da China nas exportações de carne do Brasil. Surpreendentemente, as vendas externas de setembro de 2021 foram recordes, com um volume embarcado de 187 mil toneladas, 31% a mais do que setembro do ano passado. O efeito do embargo apareceria apenas em outubro (veja adiante).

Pelo protocolo de 2015, as exportações deveriam ser “imediatamente suspensas” após a confirmação de casos de ‘vaca louca’. Contudo, Ofício-Circular nº 67/2021/DIPOA/SDA/MAPA não falava nada sobre suspensão dos embarques, mas sim, suspensão da emissão dos certificados. O tom da comunicação de 2021 foi completamente diferente do ofício de 2019, quando um outro caso de ‘vaca louca’ foi confirmado e as exportações para a China suspensas por apenas 13 dias. Naquela ocasião, o Ofício-Circular nº 48/2019/DIPOA/SDA/MAPA dizia que “está suspensa temporariamente a produção e certificação sanitária para a República Popular da China, de carne bovina a partir de 31 de maio de 2019, data da ciência do resultado. Carregamentos expedidos até 30 de maio de 2019 serão internalizados na China. Produtos expedidos a partir de 31 de maio de 2019, deverão retornar à estabelecimentos sob SIF, ou ser redirecionado”.

Dia 32

Navios carregados com contêineres de carne bovina começam a se aproximar dos portos chineses e encontram um impasse. A carne embarcada possuía os certificados sanitários de exportação, contudo, o protocolo sanitário assinado entre Brasil e China determinava que, mesmo com o documento, a exportação não poderia ocorrer. Até então, os frigoríficos não sabiam o que aconteceria com a carne, mas, ainda assim, assumiram o risco de embarcar em setembro porque o ofício emitido no primeiro dia do embargo não era claro e deixava margem para uma interpretação que os embarques poderiam ocorrer.

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Dia 42

Em mais uma tentativa de colocar um ponto final na situação, a ministra Tereza Cristina envia uma carta ao ministro-chefe da GACC, se colocando à disposição para tratar pessoalmente sobre o embargo. Mais uma vez, o governo brasileiro não obteve uma resposta.

Dia 45

Por teleconferência, o ministro de Relações Exteriores, Carlos França, e o ministro de Negócios Estrangeiros da China, Wang Yi, têm um encontro e tratam do embargo à carne bovina. O embaixador da China no Brasil, Yang Wanming, informou em suas redes sociais que as autoridades chegaram a “importantes consensos” em relação ao tema, mas nada se altera em relação à proibição às exportações.

Dia 47

O governo da China manda um recado para o governo brasileiro e acende a luz amarela para as indústrias de suínos. Pequim solicita um pedido de vistoria nas unidades exportadoras de Santa Catarina, principal fornecedor de carne suína brasileira para a China. Essa seria uma forma de demonstrar ao Brasil que as exportações recordes de carne bovina em setembro, em meio a um embargo sanitário, não caiu bem entre as autoridades chinesas.

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Dia 58

A conta finalmente chega ao Brasil. Com as exportações de outubro finalizadas, o setor amarga o pior resultado mensal desde junho de 2018. Sem a China, até então destino de metade das exportações de carne do Brasil, os embarques somaram 85,9 mil toneladas, uma queda de 48,4% em comparação a outubro do ano anterior. Neste momento, o destino da carne embarcada em setembro ainda não estava definido e a fila de navios para descarregar começava a crescer.

Dia 68

Apesar de China e Brasil não estarem avançando nas conversas na esfera ministerial, o corpo técnico dos dois países segue com encontros virtuais frequentes. Os chineses querem entender como dois casos atípicos foram registrados praticamente ao mesmo tempo e pedem dados e revisões no sistema sanitário brasileiro. Paralelamente a esse tema, começam a ser discutidas alternativas para a carne exportada em setembro, que, apesar terem o certificado sanitário, não tinha autorização para embarque devido ao protocolo sanitário assinado entre os dois países em 2015.

Dia 81

O problema diplomático criado pelo fato de os frigoríficos terem descumprido o protocolo sanitário, apesar de terem atendido o ofício-circular do ministério é solucionado. A GACC comunica à embaixada do Brasil em Pequim que aceitará a carne embarcada após o embargo, desde que os lotes tenham o devido certificado sanitário, mas o embargo em si é mantido. A decisão do governo chinês coloca fim ao impasse criado em setembro, quando, mesmo sob embargo, os frigoríficos nacionais embarcaram pouco mais de 187 mil toneladas de carne, o maior volume mensal da história.

Dia 88

Novembro chega ao fim e, mais uma vez, as exportações mensais registram uma forte queda. As vendas externas do décimo primeiro mês do ano somam modestas 89,7 mil toneladas. O volume representou uma queda de 49% em comparação ao volume embarcado em novembro do ano passado. O desempenho é muito semelhante às 86,6 mil toneladas exportadas em outubro de 2021, que significou uma retração de 48% em comparação a outubro de 2020.

Dia 103

Pouco mais de 100 dias depois, o Brasil ganha um presente de Natal da China. Em 15 de dezembro, a Bloomberg Línea antecipa a informação que a GACC havia restabelecido as importações de carne bovina do Brasil. Cerca de uma hora depois da publicação, o Ministério da Agricultura oficializou o fim do embargo aos frigoríficos exportadores do Brasil, que deixaram de vender algumas dezenas de milhões de dólares desde o fechamento do mercado chinês, no início de setembro.

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Alexandre Inacio

Jornalista brasileiro, com mais de 20 anos de carreira, editor da Bloomberg Línea. Com passagens pela Gazeta Mercantil, Broadcast (Agência Estado) e Valor Econômico, também atuou como chefe de comunicação de multinacionais, órgãos públicos e como consultor de inteligência de mercado de commodities.