Bloomberg — No Reino Unido, as consequências econômicas de um dos piores quadros de escassez de mão de obra no mundo desenvolvido estão evidentes no Meridian Leisure Hotel em Reading, ao sul de Londres. Para o diretor administrativo do Moez Janmohamed, é um pesadelo.
Ele fechou quartos por falta de camareiras e limitou o serviço de jantar “porque não conseguimos encontrar chefs de cozinha”. Para preencher vagas e impedir a debandada de mais funcionários, ele está aumentando salários.
Veja mais: Covid-19 diminui ‘Papais Noéis’ disponíveis no mercado
Janmohamed se depara com um raro momento em que os trabalhadores estão com a vantagem na definição de salários. Essa situação demorou a chegar e deve ajudar a sustentar a demanda e os padrões de vida — mas acarreta outros riscos para a economia.
A incapacidade de contratar pessoal ameaça limitar a velocidade da recuperação da atividade após as medidas de lockdown. O aumento da compensação dos trabalhadores significa que o Banco da Inglaterra enfrentará uma inflação mais duradoura.
Com o impacto do Brexit coincidindo com a pandemia, a tensão parece maior no Reino Unido do que nos EUA ou na zona do euro, segundo funcionários do banco central britânico. A ameaça de inflação salarial ajuda a explicar as previsões de que o Banco da Inglaterra subirá juros antes do Federal Reserve dos EUA.
Para Janmohamed, a evidência é clara. “Nós estamos tomando medidas defensivas, reajustando salários de colaboradores valiosos para impedi-los de sair antes que eles peçam aumento”, contou ele. “A inflação não é transitória de jeito nenhum. Tudo subiu, salários, vinho, comida, energia. E só há uma saída: elevar nossos preços.”
A pergunta das autoridades é se os salários maiores vão atrair gente para preencher o número recorde de 1,3 milhão de vagas abertas no Reino Unido. Há cerca de meio milhão de trabalhadores a menos do que no início da pandemia e da saída oficial da União Europeia, que cessou o influxo de profissionais do continente.
Com isso, o número de pessoas que estariam disponíveis para trabalhar no Reino Unido se a pandemia não tivesse ocorrido é estimado em 900.000, de acordo com Tony Wilson, diretor do Instituto de Estudos do Emprego. A lacuna representa quase 3% da força de trabalho antes da Covid-19.
Não se sabe ao certo onde foram parar essas pessoas.
Há cerca de 200.000 cidadãos da UE a menos no Reino Unido, segundo estatísticas oficiais. Além disso, 360.000 pessoas com idade inferior a 65 anos são inativas — ou seja, não trabalham nem procuram emprego.
Veja mais: Movimento ‘lie flat’ pode trazer consequências indesejadas
Uma análise separada feita por funcionários do Banco da Inglaterra mostra que será difícil atrair gente que deixou o mercado de trabalho, o que intensificaria as pressões salariais.
Desde fevereiro de 2020, 60.000 pessoas abaixo da idade necessária para receber a pensão do governo se declararam “aposentadas”. Mais 150.000 indivíduos afirmam que têm “doença de longa duração”. A Covid de longo prazo pode ser responsável por outros 20.000 afastamentos.
Janmohamed não está otimista. “Muitos no nosso setor são a segunda fonte de renda da família e, durante a pandemia, eles decidiram que preferem ter tempo a ter outro salário em casa”, disse o diretor do hotel. “Eles viram que trabalhar até tarde da noite na cozinha não é o que querem da vida.”
Veja mais em bloomberg.com
©2021 Bloomberg L.P.