Tokenização de título público no Brasil requer mudança da lei

Iniciativa anunciada por El Salvador ainda não encontra paralelo no mercado brasileiro, segundo analista

Banco Central defende que reguladores criem ambiente seguro para projetos de inovação envolvendo a tokenização de ativos
Tempo de leitura: 3 minutos

Por Gino Matos para Mercado Bitcoin

São Paulo — Nayib Bukele, presidente de El Salvador, voltou a surpreender ao anunciar, em novembro, a intenção de emitir, em 2022, US$ 1 bilhão em títulos da dívida pública lastreados em Bitcoin. Embora a tokenização desses papéis já venha sendo discutida na América Latina, caso da Colômbia, o Brasil ainda está distante de um movimento semelhante.

Segundo o advogado Rafael Steinfeld, especializado em criptoativos e blockchain e fundador do escritório que leva o seu sobrenome, a legislação brasileira determina que os títulos do Tesouro Nacional sejam emitidos apenas sob forma escritural, exigindo uma instituição custodiante em um sistema centralizado.

Isso tira do horizonte brasileiro, neste momento, qualquer possibilidade de uso de uma rede blockchain descentralizada, como Bitcoin, Ethereum ou Solana, para emissão semelhante à que pretende fazer El Salvador. Ou seja, não há margem legal para que títulos públicos sejam emitidos pelo Tesouro Nacional no formato de tokens, ressalta Steinfeld.

Títulos do vulcão

No caso de El Salvador, o Bitcoin passou a ser moeda nacional desde 7 de setembro, o que amplia as oportunidades de desenvolvimento de novas opções de investimento para a captação de recursos com uso da criptomoeda.

Os ‘títulos do vulcão’, como foram apelidados os papéis públicos digitais que o governo planeja emitir, serão usados, em parte, para custear a Bitcoin City, uma cidade com previsão de ser erguida, segundo o presidente salvadorenho, próxima ao vulcão Conchagua, e livre de impostos.

A emissão desses títulos será feita em parceria com a Blockstream, empresa canadense de tecnologia focada em ativos digitais e em contratos inteligentes. Samson Mow, CEO da Blockstream, confirmou, por e-mail, que a emissão será feita na Liquid Network, solução em segunda camada do Bitcoin.

Os títulos, diz Mow, serão representados por tokens, vendidos a US$ 100 cada, com prazo de dez anos. A taxa de juros anual (o cupom) foi prefixada em 6,5% para o período, pagos diretamente em carteiras da Liquid Network ou na Chivo, carteira de Bitcoin criada pelo governo salvadorenho.

Do US$ 1 bilhão emitido em títulos digitais, a metade será usada no financiamento da construção da Bitcoin City. Os demais 50% irão para a compra de Bitcoins, que darão lastro aos títulos e serão vendidos cinco anos após a emissão.

Os Bitcoins vendidos darão a seus investidores rendimentos extras, segundo o presidente salvadorenho. A informação foi ratificada pelo CEO da Blockstream.

“O cálculo que fizemos para esse rendimento extra se baseia em uma previsão de crescimento anual de 35% para o Bitcoin. Isso nos permite projetar um percentual de ganho anual de 96% no modelo conservador e de até 140% na melhor das hipóteses calculadas”, explica Mow.

Alternativas do Brasil

E se a legislação atual não torna viável no Brasil a emissão de títulos públicos na forma de tokens, projetos realizados dentro do Sandbox do Banco Central (BC) – ambiente controlado pela instituição e que permite testes de meios de pagamento e produtos na área financeira – podem avançar nessa direção.

Recentemente, durante evento sobre tecnologias realizado pelo BC, Roberto Campos Neto, presidente do banco, destacou ser papel dos reguladores criar um ambiente seguro para que se tenha avanços em projetos de inovação envolvendo a tokenização de ativos.

Ainda que Campos não tenha se referido diretamente à emissão de títulos públicos em blockchain, sua fala pode ser um sinal de que a autoridade monetária não está alheia ao tema e a seus avanços.

No final de novembro, o BC aprovou a criação da OTC Brasil, plataforma para emissão de títulos da dívida no mercado de balcão, que nasceu no Sandbox. A plataforma ganhou também permissão para tokenizar títulos de dívidas privadas com uso da tecnologia Blockchain, além de a empresa poder atuar como registradora e liquidante de transações de compra e venda de ativos tokenizados.

O Mercado Bitcoin, maior plataforma de negociação de criptoativos da América Latina , já atua nesse segmento.

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