FMI acatou pedido do Brasil para suavizar alerta climático

O Brasil é o maior emissor do hemisfério ocidental fora dos EUA, de acordo com o World Resources Institute

Kristalina Georgieva, diretora-gerente do Fundo, elegeu mudanças climáticas como bandeira da organização
Por Eric Martin e Martha Beck
08 de Outubro, 2021 | 10:37 AM

Bloomberg — Funcionários do Fundo Monetário Internacional, incluindo a diretora-gerente da instituição, Kristalina Georgieva, que adotou mudanças climáticas como sua bandeira, suavizaram um alerta sobre esses riscos para a economia do Brasil depois que o governo do presidente Jair Bolsonaro se opôs à linguagem utilizada.

A decisão, ocorrida no final de julho, envolveu a principal avaliação anual do FMI, conhecida como consulta do Artigo IV, para a maior economia da América Latina. Os gerentes inicialmente deram seu selo de aprovação ao relatório da equipe em 30 de julho, para revogá-lo horas depois e, posteriormente, remover a formulação contestada pelo Brasil, confirmaram funcionários do FMI quando questionados pela Bloomberg News sobre o assunto.

O FMI informou que a decisão de mudar a linguagem do documento faz parte do processo normal pelo qual os relatórios de qualquer um dos 190 países membros do fundo passam, com idas e vindas entre o corpo técnico, seus gerentes e funcionários do país que está sendo avaliado. É prática padrão para os gerentes seniores revisar e aprovar as avaliações do país, disse um porta-voz.

No entanto, é raro a administração revogar a aprovação de um relatório e remover a frase à qual um país faz objeções, de acordo com vários funcionários antigos e atuais do fundo que trabalharam em avaliações do Artigo IV. A administração tomou a decisão depois que Georgieva se reuniu com o representante do Brasil no conselho do fundo, Afonso Bevilaqua, que se queixou várias vezes de que a avaliação do FMI não deveria incluir a política climática do país.

PUBLICIDADE

“A equipe administrativa, incluindo a diretora-gerente, desempenhou um papel construtivo, reunindo opiniões entre os funcionários e com as autoridades para encontrar um terreno comum”, disse o porta-voz do FMI Gerry Rice em uma resposta por escrito a perguntas da Bloomberg News. “O FMI considera as mudanças climáticas uma questão econômica globalmente crítica e deixou isso bem claro em relação ao Brasil no relatório do corpo técnico.”

A decisão da administração do FMI de suavizar a linguagem climática do Brasil surpreendeu alguns funcionários, de acordo com pessoas familiarizadas com o assunto, visto que Georgieva defendeu que o FMI desempenhasse um papel de liderança no combate às mudanças climáticas desde que assumiu o comando em 2019. Ela própria se formou em economia ambiental e passou sua primeira década no Banco Mundial, seu empregador anterior, trabalhando com questões ambientais a partir de 1993.

Além disso, os membros do conselho do FMI divulgaram uma declaração em maio na qual afirmavam que “geralmente concordaram que a cobertura da mitigação da mudança climática nas consultas do Artigo IV seria fortemente encorajada para os maiores emissores de gases de efeito estufa”, e que o tópico deve ser coberto em locais onde seja “macrocrítico”. O Brasil é o maior emissor do hemisfério ocidental fora dos EUA, de acordo com o World Resources Institute.

PUBLICIDADE

Georgieva ecoou a atenção do fundo sobre os riscos econômicos da mudança climática em um comunicado à Bloomberg News na quinta-feira. “Estou muito orgulhosa de liderar o esforço para tornar a ação climática parte de nossos relatórios de país do Artigo IV”, disse ela.

A posição de Georgieva no FMI está sob pressão por causa de alegações de uma investigação do escritório de advocacia WilmerHale - contratado pelo Banco Mundial - de que ela teria pressionado a equipe a manipular dados da China sob pressão do governo para aumentar sua classificação em um relatório. Georgieva, 68, negou qualquer irregularidade. O conselho do FMI deve discutir o assunto em reunião na sexta-feira.

Visão do Brasil

Cerca de uma hora e meia a duas horas após a liberação do relatório do corpo técnico do Brasil em 30 de julho, a administração do FMI soube que Bevilaqua tinha um forte desejo de falar e compartilhar suas opiniões sobre a inclusão da análise de política climática do corpo técnico no relatório, disseram funcionários do FMI.

O Ministério da Economia do Brasil, principal agência responsável pelas relações com o FMI, não quis comentar o assunto.

Embora o relatório final do FMI, divulgado publicamente em 22 de setembro com 84 páginas, diga que há riscos para a indústria de commodities do Brasil devido ao aumento de eventos climáticos adversos, um trecho com um ponto mais amplo ficou afetado em comparação com uma versão anterior vista pela Bloomberg News: “As mudanças climáticas representam riscos macrocríticos para a economia brasileira”.

A versão final do relatório da equipe também omitiu a linguagem da versão anterior que analisava as políticas do Brasil, deixando uma lista factual de iniciativas que o país adotou.

A linguagem anterior sobre os benefícios de uma “estratégia nacional mais ampla para reduzir a pegada de carbono do Brasil” e o aumento das “emissões da agricultura e mudanças no uso da terra” também foram omitidos do relatório divulgado publicamente.

PUBLICIDADE

O FMI, em sua declaração à Bloomberg News, disse que a mudança na redação não afetou o significado da seção. Uma comparação entre o rascunho e as versões finais mostra que cerca de 60 palavras foram eliminadas.

Os países podem detalhar quaisquer objeções às conclusões do FMI em uma declaração incluída no relatório publicado. Eles também têm o direito de impedir a publicação, e o Brasil tinha essa prerrogativa, embora a nação não a exercesse.

Por exemplo, a China bloqueou o relatório do FMI sobre o país por alguns anos no final dos anos 2000 em meio a diferenças com o fundo sobre o valor do yuan. A Argentina não permitiu revisão por cerca de uma década a partir de meados dos anos 2000.

Bolsonaro, que assumiu o cargo no início de 2019, questiona a existência de mudanças climáticas, e seu governo tem enfrentado críticas globais por políticas frouxas de proteção da Amazônia.

PUBLICIDADE

Mas, nos últimos meses, o governo tem tentado melhorar a imagem ambiental do Brasil. Durante uma cúpula virtual organizada pelo presidente dos EUA Joe Biden em abril, Bolsonaro se comprometeu a reduzir as emissões de dióxido de carbono em 30% até 2025 e em 43% até 2030. Ele também se comprometeu a eliminar o desmatamento ilegal no país até 2030.

O relatório do FMI diz que o governo brasileiro está “empreendendo várias iniciativas” para responder aos riscos relacionados ao clima, “incluindo o fortalecimento dos incentivos para atividades de conservação lideradas pelo setor privado na agricultura, promovendo o desenvolvimento de mercados de títulos públicos e corporativos verdes e melhorando a integração do meio ambiente, critérios sociais e de governança na avaliação de projetos de infraestrutura”.

Veja mais em bloomberg.com

Leia também

PUBLICIDADE

Mudança climática começa a pautar investimentos no agro

Latam anuncia retomada de voos entre SP e Londres em dezembro

PUBLICIDADE

Lula: Governo deve controlar preço do combustível e não a Petrobras

Quem pode tomar remédio da Merck que reduz pela metade morte por Covid?