Como o Brasil vai lucrar com a maior demanda por baterias mais eficientes no mercado da energia limpa?

Em entrevista à Bloomberg Línea, CEO da Largo Resources no Brasil fala do primeiro contrato de venda de bateria de vanádio e dos planos de expansão da mina do metal raro na Bahia

Mineradora canadense Largo, dona da mina de vanádio Maracás Menchen, na Bahia, aposta na inovação das baterias que usam esse metal raro
13 de Agosto, 2021 | 12:03 PM

São Paulo — O mercado de energia renovável, em expansão no mundo diante da urgência das mudanças climáticas, deve começar, em 2022, a adotar uma nova “super bateria” feita com uma tecnologia de armazenamento que promete ser sustentável, eficiente e econômica. A inovação poderá beneficiar o Brasil, de onde se extrai a principal matéria-prima para fabricar esse equipamento. É o que revela Paulo Misk, CEO da mineradora canadense Largo Resources no Brasil, em entrevista à Bloomberg Línea.

De uma mina situada no agreste da Bahia, a companhia vai exportar um metal prateado, raro na natureza, conhecido como vanádio, para fabricação dessas baterias nos EUA, a fim de atender à potencial demanda de clientes de parques de energia solar e eólica. O primeiro contrato comercial de bateria de vanádio foi fechado com a Enel Green Power na Espanha, que deve receber o equipamento (transportado em 14 containers por navio) no segundo semestre do ano que vem.

A mina de vanádio da Largo Resources fica em Maracás, município do centro-sul baiano a cerca de 350 km da capital Salvador, famosa pela altitude elevada (976 m) e baixas temperaturas para os padrões nordestinos (mínima de até 10° em julho). A reserva é o principal ativo da mineradora canadense, que vai exportar o produto para sua unidade de fabricação de baterias nos EUA. No segundo trimestre, a Largo Resources, listada na bolsa eletrônica Nasdaq em abril, teve um lucro recorde de US$ 8,4 milhões, divulgado na última quarta-feira.

“A gente produz vanádio de alta pureza, cuja aplicação é usada no mercado de aço e também na indústria aeroespacial, principalmente para fazer liga com o titânio e o alumínio. As aeronaves têm um uso intensivo dessa liga de titânio e vanádio, no trem de pouso, para suportar o impacto. Só duas empresas no mundo fornecem para esse mercado, que tem um preço premium. No trabalho de agregar valor, a gente foi olhar a área de baterias de vanádio, que também é uma aplicação especial, nobre”, diz.

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Foi graças ao projeto de uma startup americana de desenvolvimento de baterias que a mineradora encontrou o caminho para atuar nesse novo segmento. “Há dois anos, olhando as tecnologias existentes na Europa e nos EUA, aí em dezembro do ano passado, identificamos a melhor tecnologia para essa bateria, que era de uma empresa americana, a Vionx, que tinha dificuldade de garantir suprimento de vanádio. Então, a gente adquiriu dela todas as patentes e contratamos o pessoal técnico”, relembra o executivo.

Enel

A tecnologia da Vionx permite ter um menor custo por quilowatt de potência, segundo Misk, e pode ganhar espaço no mercado devido à busca crescente por soluções de energia limpa. “O momento de mercado é especial: a vitória de Joe Biden [como presidente dos EUA], o mundo realmente levando a sério o Acordo de Paris, com compromisso da energia verde até 2035”, contextualiza o CEO.

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Para explorar esse mercado promissor, foi criada a Largo Clean Energy (LCE), que vai fornecer a bateria de vanádio com a Enel. “A Enel é o primeiro contrato que a gente fez. Ela tem um programa arrojado nessa área. Ela quer validar essa solução tecnicamente, certificar para usar em larga escala em seus projetos de energia limpa. Vamos entregar a bateria de vanádio da Enel em outubro do ano que vem”, adianta Misk, acrescentando que se trata de uma bateria estacionária de 6 Megawatts-hora (MWh).

O objetivo da Largo, que não revela detalhes do contrato com a Enel devido à cláusula de confidencialidade, é comercializar a bateria de vanádio por um preço inferior a que usa lítio. “O preço de referência para a bateria de lítio, que dura 7, 8 anos, é de US$ 220, US$ 250/kWh. Vamos fazer um preço um pouco abaixo disso”.

Aluguel

O executivo da Largo Resources explica, no entanto, que a bateria de vanádio terá um modelo de negócios “disruptivo”. A ideia é cobrar pelo uso por mês ou por ano, depois de sete anos da compra, sem a necessidade de trocar o equipamento, como acontece com a de lítio. Ele diz que a bateria é composta de dois tanques ligados por tubulação, uma bomba e um “steck”, uma membrana, igual ao radiador.

“A gente tem um produto que dura para sempre, que é o vanádio, e a gente pode ter um modelo de negócio disruptivo, em que a gente aluga e fica tendo uma receita recorrente ao longo do tempo. A parte essencial da bateria é o eletrodo de vanádio, um líquido. Nós não vamos vender o eletrodo, nós vamos alugá-lo devido à sua característica: ele não vence, não contamina, não acaba. Ele continua com sua capacidade de estocar energia, de carregar e descarregar eternamente. O eletrodo é o vanádio dissolvido em água e ácido sulfúrico”, esclarece.

O CEO revela que a mineradora conversa com clientes nos EUA, principalmente na Califórnia, para fornecer a bateria para projetos de energia limpa. Segundo Misk, as negociações estão em estágio avançado. “Eles já testaram as baterias e falam que querem e dizem que nós temos a melhor solução. As baterias de lítio não têm boa aceitação no mercado”, afirma Misk.

Expansão

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Com a nova linha de negócios, a Largo planeja expandir produção de sua mina na Bahia. “Onde vai necessitar realmente de mais investimento é no Brasil, para as expansões e outros projetos. 90% do nosso plano de investimento é no Brasil, já que 40% do custo da bateria é vanádio”, afirma Misk, acrescentando que a empresa estuda aquisições de outros depósitos do metal na Bahia e no mundo, bem como parcerias para compra de produção de terceiros.

Esse movimento vai seguir o ritmo de aumento da demanda por energia renovável. “Para essas energias vingarem 100%, precisa de um sistema de estocar energia. A energia solar não produz à noite, e nem a eólica produz quando o vento está parado. Você precisa estocar quando tem o excesso para poder usar quando não tem a produção. Essa é a função básica da bateria de vanádio”, enfatiza o CEO.

“Estamos prevendo usar no ano que vem apenas 3% da nossa produção nas baterias. Nós vamos fazer um crescimento em cinco anos: usar 3% no primeiro, 16% no segundo e 30% no terceiro. A gente tem um tempo para fazer expansões e para fazer políticas de agregar mais vanádio a nossa empresa através de parcerias, através de novos negócios. Em cinco anos, a gente espera que por volta de 80% da receita da Largo seja pelas baterias de vanádio”, estima.

Sérgio Ripardo

Jornalista brasileiro com mais de 25 anos de experiência, com passagem por sites de alcance nacional como Folha e R7, cobrindo indicadores econômicos, mercado financeiro e companhias abertas.