Bloomberg Línea — Em uma semana importante para a Nvidia, com a divulgação de resultados trimestrais que confirmaram - mais uma vez - a força da demanda causada pela expansão da Inteligência Artificial (IA) no mercado de tecnologia, a empresa mais valiosa do mundo voltou a colocar o foco na América Latina.
Marcio Aguiar, diretor da Nvidia para a América Latina, contou sobre planos concretos para acelerar investimentos, capacitação de profissionais e infraestrutura na região.
“O Brasil e o México serão os protagonistas em data centers para inteligência artificial”, disse o executivo em entrevista à Bloomberg Línea.
O Brasil segue como o maior mercado da região, mas ele disse que o México “também se posiciona para fazer grandes investimentos em data centers”, com o potencial de que ambos se tornem um hub regional de inteligência artificial.
A conversa ocorreu poucas horas depois que a Nvidia reportou receita de US$ 46,7 bilhões no segundo trimestre fiscal (um aumento de 56% em relação ao ano anterior) e projetou vendas de US$ 54 bilhões para o terceiro, número alinhado com as estimativas de Wall Street, mas inferior às previsões mais otimistas.
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As ações (NVDA) recuaram nos dois pregões seguintes perto de 4% (no acumulado), mas ainda estão em alta da ordem de 30% neste ano de 2025 e de 60% em 12 meses, o que representa um valor de mercado de US$ 4,28 trilhões.
Parte dessa “cautela” da empresa de chips para IA (versus as estimativas mais altas) se explica pela exclusão das vendas na China das projeções devido às restrições comerciais impostas pelo governo dos Estados Unidos.
Noves fora essa abordagem em relação ao mercado da segunda maior economia do mundo, a Nvidia mantém uma estratégia de expansão em outras regiões, principalmente na América Latina.

O plano para IA no México
O México ganhou destaque no mapa estratégico da empresa na América Latina, com iniciativas voltadas para acelerar a adoção da inteligência artificial nos setores público e privado.
Aguiar disse que a empresa trabalha em conjunto com o governo do México em um programa de grande escala para fortalecer o ecossistema de IA.
Segundo ele, o anúncio oficial será feito nos dias 11 e 12 de novembro e prevê investimentos públicos e privados em data centers, infraestrutura tecnológica e formação de talentos.
“Esse programa exige que a Nvidia realize mais treinamentos para os engenheiros mexicanos, enquanto o governo vai disponibilizar uma infraestrutura para que esses profissionais possam colocar em prática o conhecimento”, explicou.
O executivo destacou que se trata de uma cooperação que a empresa já replicou em outros países.
“Nós entramos com todo o nosso conhecimento para fortalecer e capacitar os engenheiros e cientistas do país”, acrescentou.
O projeto prevê a instalação de data centers para atender à demanda computacional, com previsão de entrada em operação no segundo semestre de 2026.
“Não é algo simples de chegar e dizer: vamos comprar isso, vai chegar em 30 dias”, explicou Aguiar.
Segundo ele, a proposta é que as primeiras instalações contem com tecnologia da Nvidia, embora tenha esclarecido que não existe exclusividade contratual. “É muito provável que os primeiros data centers tenham 100% de tecnologia Nvidia.”
Além do apoio estatal, grandes corporações mexicanas também manifestaram interesse em participar.
“As principais empresas já utilizam várias tecnologias de inteligência artificial, mas têm muito interesse em estar próximas a esse plano”, afirmou.
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Potencial da América Latina
A América Latina representa atualmente menos de 5% da receita global da Nvidia, mas Aguiar disse acreditae que esse número aumentará em breve por dois fatores: a migração de hyperscalers para a região e a abundância de energia limpa.
Os hyperscalers são grandes operadores de data centers na nuvem, como a Amazon Web Services (AWS), a Microsoft Azure e o Google Cloud, e representam os principais clientes globais da Nvidia, pois concentram a demanda por chips para treinamento e implantação de modelos de inteligência artificial em grande escala.
“Há um movimento muito grande por parte de empresas multinacionais em migrar para nossa região, pela abundância de energia limpa e, obviamente, porque o custo da energia é um pouco mais econômico do que na Europa”, afirmou.
Para Aguiar, o Brasil e o México lideram a transformação digital na região.
No caso brasileiro, a Nvidia colabora com o governo no Plano Brasileiro de Inteligência Artificial, que inclui incentivos fiscais para atrair infraestrutura tecnológica.
No México, além da iniciativa oficial que será anunciada em novembro, cidades como Monterrey se destacam como hubs emergentes por sua força industrial e pela proximidade com os EUA.
“Espero que 2026 seja o ano em que os países vejam o potencial que temos no México e no Brasil”, afirmou.
Mas ele ressalta que eles não são os únicos.
“Vimos essa mesma mobilização na Argentina, no Uruguai, em El Salvador, na Costa Rica e na República Dominicana. Todos os países da América Latina já entenderam que precisam ter um pouco de autonomia e isso trará mais soberania sobre o processamento de dados de seus cidadãos”, afirmou.
Ele também mencionou uma reunião recente na Guiana Francesa relacionada ao desenvolvimento petrolífero e tecnológico naquela região.
Por outro lado, o executivo apontou que o principal desafio para a região continua sendo a falta de capital humano qualificado em IA, e ele enfatizou que não há como fazer investimentos sem o talento necessário. “Isso é muito normal, não é algo tão ruim. Estamos apenas começando essa jornada de inovação.”
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DeepSeek, China e uma oportunidade estratégica
Questionado sobre as tensões geopolíticas que limitaram o acesso da Nvidia ao mercado chinês, Aguiar se mostrou otimista em relação ao novo contexto.
Embora os Estados Unidos tenham autorizado parcialmente algumas exportações desde o anúncio inicial, as vendas de chips H20 ainda não se concretizaram.
Mesmo assim, a empresa espera que essas operações possam somar até US$ 5 bilhões em um trimestre se as licenças forem concedidas.
“Em nossa previsão para o próximo trimestre [o atual], não estamos considerando as possíveis vendas que teríamos a oportunidade de fazer para a China”, explicou Aguiar.
“Fomos mais cautelosos agora para o nosso terceiro trimestre.”
Enquanto isso, alternativas no mercado como a DeepSeek, startup chinesa que desenvolveu redes neurais com menos recursos graças a versões reduzidas de chips da Nvidia, são vistas não como ameaças mas como validações do modelo.
“Isso foi excelente para nós, porque democratizou cada vez mais o acesso às inovações tecnológicas”, disse Aguiar. “Muitas outras empresas vão surgir [...] isso não foi nenhuma novidade para nós.”
A médio prazo, a potencial lacuna deixada pela China poderia ser ocupada em parte pela América Latina, graças ao movimento conhecido como nearshoring e à posição geográfica estratégica de países como o México.
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“O país tem uma vantagem por estar mais perto dos Estados Unidos para ser um grande fornecedor de data center para o mercado americano”, afirmou
A região também poderia desempenhar um papel fundamental por meio do fornecimento de matérias-primas.
Com a ressalva de que não lidera essa divisão, o executivo aponmtou que “o Brasil tem uma grande reserva de minerais raros, assim como a China [...] e isso obviamente pode atender a demanda que estimulamos por cada vez mais poder de computação”.
Para a Nvidia, a revolução da inteligência artificial ainda não atingiu um ponto de maturidade; pelo contrário, está apenas começando.
A percepção de que o mercado já teria atingido seu pico, contextualizou Aguiar, tem sido recorrente há alguns anos. Desde o surgimento da OpenAI em 2022, o ritmo acelerou. “Não há um limite, há um começo”, defendeu.
Nesse processo, a América Latina, segundo ele, encontra-se em um estágio inicial mas crucial - de adoção. “Estamos despertando”, concluiu.
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