‘IA será um negócio de centenas de bilhões de dólares para a AWS’, diz CEO global

Matt Garman diz em entrevista à Bloomberg Línea como a Amazon Web Services tem repensado a inovação e fala do racional da aposta na linha Trainium de chip proprietário e da importância de LatAm, com investimentos de US$ 11 bi

Matt Garman, CEO da AWS: o Trainium já é um negócio de múltiplos bilhões de dólares. Hoje é um negócio importante e está crescendo muito rapidamente. Não sei quão grande pode ser, mas é uma aposta incrivelmente importante para nós e para os clientes
09 de Dezembro, 2025 | 07:01 AM

Bloomberg Línea — Na principal cadeira da AWS há 18 meses, Matt Garman tem uma meta ambiciosa: transformar a companhia em um negócio de centenas de bilhões de dólares anuais que vai perdurar por gerações. Para o CEO da gigante de computação em nuvem da Amazon, esse objetivo não é apenas possível — é inevitável. E a inteligência artificial será o principal motor dessa expansão.

A Bloomberg Línea conversou com o executivo durante o AWS re:Invent 2025, em Las Vegas, nos Estados Unidos. No evento, a AWS apresentou uma série de produtos e serviços com agentes de IA.

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A aposta da companhia é que, com a IA agêntica, cada vez mais companhias começarão a alcançar, de fato, os retornos prometidos nos últimos anos.

Em entrevista exclusiva, Garman detalhou o racional estratégico da aposta de bilhões de dólares em chips proprietários, expansão da presença na América Latina e como a companhia tem repensado completamente a forma como planeja inovação.

“Eu costumava pedir às equipes roadmaps de 18 meses. Estou revertendo isso porque nos movemos tão rápido que essa ideia não faz mais sentido”, afirmou.

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Com 19 anos de AWS, Garman testemunhou a empresa crescer de uma operação experimental para um negócio que deve alcançar US$ 132 bilhões em receita em 2025, com crescimento anual de 20%. Mas, para o executivo de confiança do CEO da Amazon (AMZN), Andy Jassy, o que vem pela frente é ainda mais impressionante.

O executivo revelou que o Trainium, linha de chips de IA desenvolvida internamente, já representa um negócio de “múltiplos bilhões de dólares” e alimenta mais da metade do tráfego do Amazon Bedrock, o marketplace dos modelos de IA generativa da companhia. A Anthropic, companhia que desenvolveu o Claude, treina todos os seus modelos mais recentes com o Trainium2.

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Na América Latina, a AWS mantém sua liderança de mercado mesmo com investimentos agressivos de Microsoft e Google na região.

“Eles estão tentando nos alcançar. E continuamos a crescer mais rápido do que qualquer um deles”, disse Garman, que reafirmou compromissos em países como Brasil, México e Chile, em que deve investir cerca de US$ 11 bilhões nos próximos anos.

Veja a seguir os principais pontos da entrevista com Matt Garman.

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Você foi direto ao subir ao palco do re:Invent e dizer que a maioria das empresas ainda não viu retornos que correspondam às promessas da IA. Essa é uma admissão rara vinda de um CEO de uma big tech. O que o levou a ser tão franco sobre essa questão?

Se olharmos para o arco em que se encontram a maioria dos clientes, eles começaram há alguns anos com uma série de provas de conceito, sem terem de fato uma visão sobre os benefícios a partir dessas tecnologias. À medida que progridem, especialmente a partir do último ano, vimos a mentalidade dos executivos mudando para: como eu gero valor para o meu negócio com isso?

As capacidades iniciais em IA generativa eram ao redor de criação de conteúdo, sumarização etc. Tem um valor aí, mas não é o maior para os nossos clientes.

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Nos últimos seis meses, com os agentes de IA efetivamente decolando, passamos a ver os nossos clientes perceberem esse ganho. Aqui mesmo no evento [em Las Vegas], entre 60% e 70% dos clientes disseram que agora ou nos próximos seis meses veem um caminho de ROI para os seus investimentos.

Portanto, parte da minha motivação para falar isso no palco foi para ajudar os clientes a perceberem que eles não estão sozinhos, muitos outros também não tiveram retornos massivos, mas estão começando a ter. E caso eles não estejam nesse momento - sem os benefícios, os dados na nuvem e sem investimentos em infraestrutura de IA agêntica -, podem ficar para trás.

Os céticos dizem que os líderes de tecnologia não conseguiram entregar o que prometeram com a IA e estão passam de uma tecnologia para outra: dos assistentes de IA para os agentes de IA. O que diria a esses críticos?

Nós estamos falando de uma mesma tecnologia, é ainda IA generativa. Apenas as capacidades de modelos, frameworks e controles que temos construído é que ficam mais robustas. Assim como qualquer outra nova tecnologia, há muitos early adopters e muitas capacidades que surgem ao longo do tempo que permitem chegar ao valor real da inovação.

Se pensarmos nos primórdios da internet, muitas pessoas devem ter dito a mesma coisa: não vejo nenhum benefício, só bebês dançando, fotos de gato etc. E, depois, apareceram novas possibilidades, softwares, e conexões ficaram mais rápidas e, de repente, negócios robustos nasceram e muito valor foi gerado a partir da internet. Toda vez que novas tecnologias emergem, há essa curva de adoção. É exatamente isso o que estamos vendo agora.

Quanto tempo teremos que esperar para ver esse valor sendo entregue? Nas últimas semanas, vimos tensão nos mercados justamente sobre essa questão – se os bilhões investidos em IA vão gerar retornos reais.

Tudo lo que eu posso dizer é que, quando eu falo com clientes, eles já estão vendo retornos positivos para os negócios. Nós temos, por exemplo, o AgentCore, que permite aos nossos clientes terem blocos de construção reais para criar agentes reais que podem, de fato, impulsionar suas linhas de negócios. Eles são escaláveis e, ao mesmo tempo, auditáveis, com a observabilidade e o permissionamento corretos. E são essas as coisas que desbloqueiam os casos de uso valiosos.

Quando não se tem os controles adequados, as pessoas ficam com medo de pedir aos agentes e até mesmo aos modelos para trabalhar em cargas de trabalho consideradas de missão crítica. Elas têm esse medo de que os agentes enlouqueçam e destruam os seus negócios. Com os guardrails, você desbloqueia as possibilidades para que os clientes digam: “ok, agora posso usar isso para as áreas mais valiosas do meu negócio”. É aí que eles estão obtendo muito valor.

Sobre os investimentos da AWS no mercado de chips: vocês já implantaram mais de 1 milhão de chips Trainium, anunciaram o Trainium3 e o Trainium4 está a caminho. Quais são as oportunidades nesse mercado?

Há uma quantidade massiva de computação e muito dessa revolução de IA é alimentada por GPUs hoje, certo? E achamos que há uma oportunidade para termos mais escolha quando se trata do mercado de chips de IA.

Há cerca de cinco anos, começamos a construir nossa plataforma Trainium. E o Trainium2 está disponível agora há um pouco mais de um ano e a resposta tem sido incrível. Vemos clientes obtendo ótimo custo-benefício com isso.

Na verdade, mais da metade do tráfego subjacente ao Bedrock - que é nossa plataforma de IA generativa na AWS - é totalmente alimentado pelo Trainium2 hoje. E a Anthropic e sua última geração de modelos Claude são todas construídas em cima do Trainium2. É uma plataforma realmente poderosa.

Acreditamos que os clientes querem escolha e que, por muito tempo, vão querer ter diferentes opções. Eles vão querer contar com GPUs da Nvidia, que são fantásticas e incrivelmente poderosas e capazes e que são usadas para construir a maioria das melhores capacidades de IA no mundo hoje, mas também querem opções com a capacidade de reduzir seus custos e acelerar suas cargas de trabalho para casos de uso particulares.

Nós tivemos no palco do re:Invent uma startup que disse que conseguiram obter quatro vezes melhor desempenho quando mudaram para o Trainium3. Portanto, há cargas de trabalho em que o Trainium é uma oferta muito, muito melhor e eles conseguiram quatro vezes melhor desempenho pela metade do custo. Essa é uma proposta de valor bastante convincente e estamos animados para colocar isso nas mãos de mais e mais clientes.

E em termos financeiros, o quão importante esse negócio pode ser para a AWS no futuro?

O Trainium já representa um negócio de múltiplos bilhões de dólares. É um negócio importante e está crescendo muito rapidamente. Não sei quão grande pode ser, mas é uma aposta incrivelmente importante para nós e para os clientes.

E IA vai ser, provavelmente, um negócio de centenas de bilhões de dólares ao longo do tempo para nós. E acreditamos que o Trainium pode nos proporcionar uma posição diferenciada para que os clientes continuem a escolher a AWS pela inovação e opções que trazemos, ao mesmo tempo que entregamos grandes benefícios econômicos para a Amazon, em que podemos gerar melhores margens e custos mais baixos para nossos clientes.

A AWS está a caminho de alcançar US$ 132 bilhões em receita em 2025, o que significa um crescimento anual de 20%. Quanto dessa aceleração é impulsionada por IA em comparação com serviços de nuvem?

É difícil dizer. Eu gostaria de poder responder essa pergunta de forma mais nítida. O nosso negócio de IA é um negócio de múltiplos bilhões de dólares e está crescendo muito, muito rapidamente. Mas também há um ano as pessoas construíam aplicações de IA e aplicações regulares. E hoje vemos que IA é parte de cada aplicação. E então é difícil para mim poder dizer: “IA é parte disso”.

Se um cliente como Workday (software de gestão empresarial), por exemplo, tem IA construída em sua aplicação que automaticamente tem agentes e tem várias interfaces de chat, todo o gasto da Workday é parte de IA ou é apenas parte de uma aplicação de IA?

O que estamos vendo é que se trata de um grande vento favorável para todo o negócio porque IA também precisa de computação central, de bancos de dados, de armazenamento e vice-versa. Agora todas as aplicações regulares precisam de inferência construída nelas. É apenas uma parte do nosso negócio.

Se pensa sobre os componentes, o Bedrock é um negócio de múltiplos bilhões de dólares e está crescendo muito rapidamente para nós. SageMaker é um negócio enorme, assim como Trainium e GPUs são todos negócios realmente grandes e que crescem rapidamente.

Em cinco anos, como será o modelo de negócio da AWS? Será uma empresa de IA que também entrega serviços em nuvem ou a nuvem continuará como central para o negócio?

Eu creio que esses componentes se tornarão a mesma coisa. Consideramos que IA é um dos workloads que roda na nuvem, assim como muitos outros, e vai ser uma tecnologia incrivelmente importante e impactante que muda muitos negócios e muitas indústrias. E acho que a nuvem é apenas uma forma facilitadora de entregar essa tecnologia onde podemos fornecer infraestrutura incrivelmente resiliente que oferece desempenho incrível, baixo custo e a melhor segurança do mundo. E em cima disso, uma enorme quantidade de inovação e capacidades para aproveitar essa tecnologia. Isso é realmente a chave do que entregamos.

Quão importante é a América Latina para a AWS hoje?

É uma região muito importante para nós e um mercado com crescimento incrível. A inovação que está sendo criada na América Latina é realmente incrível, com disrupções em muitas indústrias. E vemos também players já estabelecidos investindo agressivamente em novas tecnologias como a nuvem.

Nós temos países como o Brasil, que abriga múltiplos data centers, em que investimos bilhões de dólares e nos comprometemos a continuar crescendo. Estamos avançando muito rápido com nossos clientes lá.

Também lançamos no México, que acelerou rapidamente e acredito que as indústrias e a inovação que vemos estão sendo turbinadas pela tecnologia. E esse é um lugar em que nos comprometemos a investir bilhões de dólares para garantir que continuaremos a crescer. E anunciamos planos para o Chile também.

Há muitas empresas globais realmente interessantes que estão saindo da região.

Além dos investimentos da AWS, outras companhias também anunciaram movimentos na região como Microsoft, dona da Azure, e o Google, em busca de ganho de participação na região. O que diferencia a AWS da oferta de valor deles?

Eles estão tentando nos alcançar. E, bem, continuamos a crescer mais rápido do que qualquer um deles. Nos anúncios do re:Invent, creio que dá para perceber que podemos continuar a inovar em um ritmo realmente rápido e inovar mais do que qualquer outra companhia.

Quando falamos sobre o que o cliente quer, seja na América Latina ou em qualquer outra parte do mundo, ele quer uma nuvem que vai continuar a entregar o maior valor. E isso significa maior inovação, os maiores recursos de escala, a melhor segurança e o preço absolutamente mais baixo pelo desempenho que você obtém. E ele consegue isso com a AWS.

Empreendedores dizem que o Brasil está cinco anos atrás dos EUA, e outros países podem estar dez anos atrás em termos tecnológicos. Com a IA agêntica, você vê uma oportunidade para um salto tecnológico na região?

Sim, acredito que a IA pode ajudar alguns desses países a acelerar, certamente, e a se mover mais rapidamente. E uma das coisas que pode ajudar a impulsionar isso - e é uma área em que investimos muito, a propósito - é o ecossistema de startups que vemos na região. Estamos começando a ver mais e mais novas startups que saem da América Latina e que estão pensando diferente.

E esse é um dos motores de crescimento que pode realmente ajudar a região a dar um salto porque é preciso ter essa inovação e essa mentalidade de startup. Temos grandes empresas como o Itaú, entre outras. Mas, quando vemos startups que estão construindo com os novos recursos, elas querem a tecnologia absolutamente mais recente e precisam do custo absoluto mais baixo.

A tecnologia está evoluindo em um ritmo mais acelerado. Que pergunta, ainda não respondida, mais te perturba hoje e por quê?

Há milhares de perguntas sem resposta sobre o futuro da tecnologia que me mantêm pensando, é parte do meu trabalho. É um momento muito empolgante. Eu costumava ter um processo de pedir às equipes para construir roadmaps de produtos de 18 meses do que planejavam construir para que eu pudesse ter uma boa noção do roteiro e avaliar se estava de acordo com as prioridades.

Estou de certa forma revertendo isso porque os clientes não sabem, e nossas próprias equipes não sabem necessariamente o que é essa tecnologia. E estamos nos movendo tão rapidamente que essa ideia de 18 meses passa a não fazer sentido.

Essa é uma das coisas que me deixa animado: eu não sei de todas essas coisas. Ao mesmo tempo, isso me deixa animado e nervoso, mas é uma daquelas coisas que nos permite acelerar ainda mais o ritmo de inovação que estamos entregando aos clientes. E, para nós, significa que temos que nos manter ágeis, ficarmos por dentro das últimas tecnologias e continuar a expandir os limites do que é possível.

Você está na AWS há mais de 19 anos e, desde junho de 2024, é o CEO. Qual é a marca pessoal que você quer deixar na AWS?

Muito de mim já foi para onde a AWS está hoje (risos). Mas, honestamente, a AWS não é sobre uma pessoa. Portanto, não é sobre a marca que eu deixo na AWS. Quando penso sobre construir este negócio, quero construir um negócio que eu possa contar para os meus netos. É uma oportunidade de negócio incrível que não aparece com tanta frequência. Um negócio que poderia ser de US$ 300 bilhões, US$ 400 bilhões, US$ 500 bilhões por ano.

E quando penso sobre essa oportunidade à nossa frente, ela é massiva e somos afortunados de trabalhar com uma equipe tão incrível de pessoas, algumas das melhores mentes de tecnologia do mundo, alguns dos melhores pensadores de produto do mundo, algumas das melhores pessoas de vendas e marketing do mundo. E essa organização é uma das coisas das quais mais me orgulho e me sinto humilde em liderar.

Mas também é apenas uma oportunidade divertida de perseguir. Ou seja, não é realmente a marca que eu deixo, é como continuamos todos os dias a tentar entregar para os clientes e construir um negócio que vai durar mais do que qualquer um de nós trabalhando aqui.

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