Como a IA impulsionou a Oracle e fez Larry Ellison se tornar o 2º mais rico do mundo

Após ter estabelecido contratos bilionários com grandes empresas, como TikTok e Nvidia, a Oracle busca se firmar entre as gigantes de nuvem; a guinada estratégica, porém, expõe pressões sobre caixa e custos, segundo fontes que falaram à Bloomberg News

Larry Ellison, cofundador e atual presidente do conselho e CTO da Oracle, uma das gigantes globais de software (Foto: Larry Ellison, cofundador e atual presidente do conselho e CTO da Oracle, uma das gigantes globais de software)
Por Brody Ford
23 de Agosto, 2025 | 11:26 AM

Bloomberg — Larry Ellison, fundador e principal acionista da Oracle, costumava zombar da computação em nuvem, e chegou a dizer em 2008 que era “uma completa bobagem”.

Agora, o sucesso da unidade de infraestrutura em nuvem da Oracle é a razão pela qual o preço das ações da empresa disparou e fez de Ellison, seu presidente e cofundador, a segunda pessoa mais rica do mundo.

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O crescimento da IA aumentou drasticamente a demanda por computação e armazenamento na internet.

A Oracle, uma empresa de software que há muito tempo buscava encontrar seu nicho nesse mercado, conseguiu se firmar por meio da conquista de grandes clientes.

Hoje, ela contribui para impulsionar a xAI, de Elon Musk, a partir de um data center em Utah, montou um cluster de dezenas de milhares de chips de IA para a Nvidia perto de Singapura e, recentemente, fechou o que provavelmente é o maior acordo individual de nuvem já feito com a OpenAI, a principal empresa de inteligência artificial.

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A Oracle (ORCL) precisa de dezenas de bilhões de dólares para desenvolver data centers de tamanho sem precedentes em meio à escassez de energia e materiais.

Isso inclui um plano para gastar mais de US$ 1 bilhão por ano apenas para alimentar um novo megacentro no oeste do Texas com geradores a gás, em vez de esperar pela conexão com a rede elétrica, de acordo com pessoas familiarizadas com os planos que falaram à Bloomberg News.

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Com todos esses gastos, a Oracle registrou um fluxo de caixa anual negativo pela primeira vez desde 1990. E ainda há dúvidas sobre a longevidade e as margens da oferta de infraestrutura para treinar modelos de IA.

A Oracle, fundada na década de 1970, há muito tempo havia deixado de ser proeminente na área de tecnologia.

No caminho para seu retorno à era da IA, a Oracle viveu batalhas internas para convencer a CEO Safra Catz a investir na nuvem, conquistou clientes importantes como o TikTok e viu a ascensão de um executivo impetuoso chamado Clay Magouyrk.

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A Bloomberg News conversou com mais de 30 funcionários e clientes, atuais ou antigos, para entender como a Oracle pode cumprir suas promessas.

Eles detalharam os custos crescentes, os cronogramas acelerados para satisfazer a OpenAI, os bloqueios regulatórios e a contratação de centenas de ex-funcionários da nuvem da Amazon. Eles falaram anonimamente para discutir o funcionamento interno de uma empresa famosa por ser discreta e litigiosa. A Oracle não quis comentar.

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Construindo uma nuvem

Quando a computação em nuvem começou a ganhar força no final dos anos 2000, Larry Ellison não tinha muitos motivos para ficar animado.

O banco de dados homônimo da Oracle, que é comprado e instalado diretamente nos servidores dos clientes, é um dos maiores negócios geradores de caixa do mundo.

A adoção de um modelo de vendas na nuvem, em que os usuários alugam o acesso ao software, quase certamente acarretaria lucros menores e a necessidade de colaborar com os rivais.

Anos depois de ter descartado o negócio de nuvem como marketing, o tom da Oracle mudou quando seus negócios sofreram.

A Amazon ofereceu opções de banco de dados mais baratas para seus clientes de nuvem. Os rivais de aplicativos, como a Salesforce, prometeram instalação e atualizações mais fáceis. Ellison viu a necessidade de colocar os aplicativos Fusion da Oracle - comumente usados para finanças e planejamento de recursos - na nuvem, de acordo com pessoas familiarizadas com seu pensamento na época.

Durante a década de 2010, houve esforços concorrentes dentro da Oracle para criar uma nuvem para uso interno e dos clientes. Uma tentativa inicial, liderada por Thomas Kurian e lançada em 2012, teve sucesso limitado.

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Um grupo separado, composto em grande parte por ex-funcionários da Amazon e liderado por Don Johnson, promoveu uma abordagem chamada bare metal, na qual os clientes não precisariam compartilhar seus servidores com outros locatários, o que permitiu que a Oracle visasse usuários focados na privacidade.

O grupo também se concentrou na construção de data centers menores, o que permitiu sua expansão em países que ainda não eram viáveis para os líderes do setor.

A abordagem bare metal ganhou a bênção de Ellison, que continua sendo um importante tomador de decisões, apesar de ter deixado o cargo de CEO há mais de uma década.

O novo produto passou a ser conhecido como Oracle Cloud Infrastructure, ou OCI. Kurian deixou a empresa em 2018 depois que sua abordagem foi deixada de lado. Ele então se juntou ao Google para liderar o serviço de nuvem concorrente e permanece nessa posição.

(Fonte: Oracle via Bloomberg)

Ao oferecer o novo produto, a Oracle teve que superar uma reputação de longa data de estratégias de vendas agressivas.

Os principais argumentos para o novo produto incluem preços mais baratos graças a um conjunto simplificado de produtos e boa integração com outras nuvens.

Os vendedores da Oracle costumam criticar o vasto conjunto de ferramentas da Amazon Web Services (AWS), e dizem aos clientes que pagar pela nuvem da Amazon significa subsidiar projetos caros, como o projeto de satélite Kuiper.

Um porta-voz da Amazon disse que “mais clientes continuam a escolher a AWS do que qualquer outro provedor de nuvem porque oferecemos opções inigualáveis, ritmo de inovação, segurança e confiabilidade”.

Clientes inovadores

Na era da pandemia, um punhado de clientes aderiu à plataforma da Oracle. A Zoom Communications, com dificuldades para lidar com um grande aumento na demanda durante os lockdowns, escolheu o Oracle Cloud para ajudar a lidar com o tráfego dos consumidores.

A empresa também garantiu um compromisso de quase US$ 2 bilhões com a Uber em 2023.

De longe, a maior vitória nesse período foi o TikTok. A empresa de mídia social de propriedade da ByteDance precisava expandir sua infraestrutura nos EUA enquanto estava sob escrutínio dos legisladores por causa de seus vínculos com a China.

A Oracle, uma empresa versada em segurança nacional, cujo presidente e CEO eram partidários dos republicanos então no poder, parecia uma escolha natural.

“A OCI é como antes e depois do TikTok”, disse Tony Grayson, ex-executivo da Oracle que liderou a construção do data center da empresa na época.

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O novo cliente forçou a empresa a pensar em uma escala nunca vista antes, disse Grayson. Em 2022, o TikTok anunciou que todo o tráfego de usuários dos EUA passaria pelos servidores da Oracle.

Empresa firmou contrato com grandes empresas de tecnologia, da xAI, de Elon Musk, à OpenAI e o TikTok (Foto: David Paul Morris)

A receita anual do novo cliente ultrapassou rapidamente US$ 1 bilhão e, por um período, os negócios do TikTok foram maiores do que todo o restante da OCI combinado, de acordo com pessoas familiarizadas com os números.

A Oracle também adquiriu experiência em infraestrutura de IA, executou milhares de unidades de processamento gráfico da Nvidia - chips usados para trabalho de IA - para o TikTok, mesmo antes da febre do ChatGPT.

Gerenciamento

Dentro da Oracle, houve um longo desacordo sobre o propósito do novo produto de nuvem.

Alguns líderes a viam como uma forma de proteger o negócio de banco de dados e modernizar os aplicativos. Outros buscavam competir com a Amazon e a Microsoft pelo trabalho geral na nuvem e conquistar uma fatia de um mercado que vale centenas de bilhões por ano.

Não foi fácil convencer a CEO Safra Catz da visão expansiva. Ela expressou ceticismo devido aos altos custos de operação dos data centers e às margens mais baixas do negócio, segundo pessoas familiarizadas.

Essa consciência de custos alimentou o foco inicial da OCI em pequenos data centers. Mas ela e outros líderes tradicionais da empresa se convenceram com a concretização de grandes negócios, como o TikTok e, posteriormente, a OpenAI.

Safra Catz, CEO da Oracle Corp. (Foto: Zak Bennett/Bloomberg)

Os elogios internos fluíram para Magouyrk, o líder da divisão. O executivo de 39 anos subiu rapidamente na hierarquia da empresa e se reporta diretamente a Ellison.

Ele foi um dos primeiros funcionários da OCI após um período na Amazon e recentemente se mudou para Nashville, para onde a Oracle se comprometeu a mudar sua sede.

Em junho, ele foi promovido a presidente e é visto pelos líderes da empresa como um possível sucessor de seu chefe de 81 anos.

“Não tenho certeza se fui totalmente qualificado em cada etapa do caminho”, disse Magouyrk em um podcast em julho de 2023. “Mas parece que deu certo até agora.”

Aqueles que trabalharam com ele descrevem Magouyrk como altamente eficaz e propenso a conflitos. Certa vez, ele disse a um executivo que suas ações eram “estúpidas pra caramba”, em uma sala cheia de líderes, de acordo com um processo de 2021 que alegava uma cultura de trabalho tóxica na OCI.

Chefes contundentes são típicos em uma empresa dirigida por Ellison, que certa vez descreveu seu estilo de liderança como “gestão pelo ridículo”. Nos primeiros dias da OCI, a divisão era conhecida como “Sparta”.

Ela podia pagar a seus funcionários mais do que outras partes da Oracle, estava sediada em Seattle e não na região de São Franciscoa e adotou a prática da AWS de constantemente demitir os funcionários com desempenho inferior.

A importância da OCI cresceu à medida que a nuvem se tornou uma parte maior dos negócios da empresa.

Hoje, cerca de 23.000 funcionários se reportam à Magouyrk. Nos últimos dois anos, mais de 600 funcionários da Amazon ingressaram na empresa, de acordo com uma análise da Workforce.ai.

A recente regra de retorno ao regime presencial de cinco dias por semana da Amazon facilitou a caça, já que a OCI continua sendo, em grande parte, um local de trabalho híbrido ou remoto, segundo pessoas da empresa.

Escala sem precedentes

Hoje, a IA é o maior impulsionador do crescimento da OCI. A maior parte do backlog da Oracle, ou dos negócios registrados, está ligada ao treinamento ou à implementação de modelos de IA para clientes com servidores baseados em GPU, de acordo com uma pessoa familiarizada com os números.

A OpenAI caminha para se tornar o maior cliente da Oracle e comercializou o trabalho como “Stargate”, um esforço anunciado pela primeira vez em janeiro na Casa Branca ao lado do presidente Donald Trump.

As empresas fecharam acordos para mais de 5 gigawatts de capacidade de computação, uma soma sem precedentes e energia suficiente para milhões de lares americanos.

O trabalho para a OpenAI acontece em um cronograma agressivo.

A conclusão dos data centers está prevista para o início de 2027, com muitos servidores funcionando já no próximo verão, de acordo com pessoas familiarizadas com os planos.

As instalações foram projetadas para treinar modelos de IA com a ideia de que também poderão alimentar as aplicações desses modelos treinados, o que é chamado de inferência.

Em geral, acredita-se que o fornecimento de infraestrutura para treinamento de IA seja um negócio com margem menor do que a inferência, pois requer semicondutores e resfriamento mais avançados.

O tempo exato e os detalhes do projeto para o trabalho da OpenAI ainda podem mudar, disseram as pessoas.

Encontrar desenvolvedores de data centers e fornecedores de energia para apoiar esse projeto a preços aceitáveis tem sido um desafio, disseram as pessoas envolvidas com o desenvolvimento.

Os custos de muitos bens e serviços aumentaram no último ano devido às tarifas e aos fornecedores que capitalizam a intensa demanda.

Além disso, pode levar anos para obter aprovação e infraestrutura para extrair a escala de eletricidade necessária das redes locais.

(Fonte: Bloomberg)

O site que a Oracle planeja abastecer inteiramente com geração de gás está localizado no condado de Shackleford, Texas, próximo a outro farm de servidores da Oracle em Abilene.

Ele está em desenvolvimento pela Vantage Data Centers do DigitalBridge e terá uma capacidade de computação de 1,4 gigawatts, o que o torna um dos maiores sites conhecidos.

Parte da popularidade da OCI entre as empresas de IA é seu foco de longa data em servidores bare metal.

Esse se tornou o arranjo padrão para o trabalho de IA, e a Oracle foi a primeira entre os principais fornecedores a oferecê-lo.

Os usuários e funcionários também destacam a qualidade da rede da Oracle e a disposição de realizar altos níveis de trabalho personalizado.

A Semianalysis, uma consultoria do setor, listou a Oracle Cloud perto do topo de sua classificação de fornecedores de infraestrutura de IA em março, e citou a relação custo-benefício, qualidade de rede e forte atendimento ao cliente.

“Eles são agressivos no preço, o que definitivamente ajuda”, disse David Talby, CEO da John Snow Labs, que treina e implementa modelos de IA na área de saúde.

Sua empresa escolheu a OCI em parte porque a oferta tinha alto desempenho e era bem otimizada para uso com os chips de IA da Nvidia.

Outro dos maiores clientes de IA da Oracle é a Nvidia, que usa a OCI para desenvolvimento interno e para alimentar seu próprio serviço de infraestrutura em nuvem.

A fabricante de chips, cujo codinome interno é “pathfinder”, aluga capacidade de um cluster Oracle de chips H100 no Japão e de um data center que está sendo construído na ilha de Batam, na Indonésia.

A Oracle também está em negociações com a Meta e a xAI de Musk para obter mais capacidade, de acordo com uma pessoa familiarizada com os planos.

O negócio de nuvem da Oracle ainda é muito menor do que o da Amazon, Microsoft e o terceiro maior provedor, o Google, da Alphabet.

Mas há muito espaço para crescimento. O mercado gerou quase US$ 100 bilhões em receita no trimestre mais recente e está crescendo cerca de 25% ano a ano, de acordo com o Synergy Research Group.

A grande questão é como a Oracle financiará esse desenvolvimento e o que isso fará com a lucratividade da empresa, disse Mark Moerdler, analista da Bernstein.

Ainda assim, a empresa não precisou pedir dinheiro emprestado para desenvolver seus centros, como acontece com rivais menores, como a CoreWeave.

“Acreditamos que a margem se recuperará e o fluxo de caixa será substancial assim que eles passarem por essa fase de investimento”, disse Moerdler, que comparou esse momento com a transição da nuvem da Microsoft sob o comando de Satya Nadella.

“A Oracle está passando por uma transformação do modelo de negócios que é ainda mais impactante em um período de tempo mais curto.”

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