‘O SaaS não morreu’, diz Sidney Chameh, fundador da DGF e pioneiro do VC no Brasil

Gestora especializada em early stage, fundada em 2001 e que já investiu em startups como RD Station, Reclame Aqui, Sólides e Tractian, capta o seu oitavo fundo no valor de US$ 50 milhões. Chameh explicou a sua visão em entrevista à Bloomberg Línea

Avenida Paulista
03 de Setembro, 2025 | 05:20 AM

Bloomberg Línea — No novo mundo em redesenho pela Inteligência Artificial Generativa, não faltam novas teorias: algumas entram no hype midiático, outras, assim como as manchetes das empresas de mídia, desaparecem no dia seguinte. Uma das mais famosas prega que o SaaS (Software-As-a-Service) está com os dias contados.

Para Sidney Chameh, fundador da DGF Investimentos e um dos pioneiros do venture capital no Brasil, essa teoria não corresponde aos fatos: ele segue convicto na tese de software, com a qual construiu uma das gestoras mais longevas do país.

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A DGF foi criada em 2001, no pós-estouro da bolha da internet, e é especializada em startups em early stage, entre o Seed e a Série A.

Em mais de duas décadas, investiu em startups de sucesso como a RD Station, adquirida pela Totvs, o Reclame Aqui, hoje sob gestão da Stone, e o Stilingue, comprada pela Blip. Também apostou na Sólides, de gestão de RH, e na Tractian, uma espécie de Shazam de manutenção industrial, além da IBBX, comandada por André Penha, cofundador do unicórnio Quinto Andar.

No momento, “coloca de pé” o seu oitavo fundo de investimento, no valor de US$ 50 milhões - 80% do valor está captado. Já fez dois aportes, liderando rodadas na InHire, startup de automação de processo do recrutamento com IA, e na Frota 162, plataforma que procura otimizar a gestão de infrações e condutores.

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“Dizem que a inteligência artificial acabou com as empresas SaaS e acabou com o modelo de software. Claramente não acreditamos nisso. Dado que não acreditamos, continuamos com os fundamentos”, afirmou Chameh em entrevista à Bloomberg Línea.

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“A velocidade de desenvolvimento de software melhorou com a adoção da AI, sem dúvida. Porém, dizer que deslocou o software e agora é só IA, isso não é verdade e temos vários exemplos. O SaaS não morreu. Temos essa convicção.”

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O gestor contou que, ao longo do período de captação do novo fundo, o tema entrou na pauta de reunião com diferentes investidores - e todos quiseram entender a perspectiva da DGF.

“Nos perguntaram se o nosso negócio tinha acabado. Eu disse que não: nem morreu nem acabou, e temos visto isso nos negócios em que investimos”, completou.

Sidney Chameh, sócio-fundador da DGF Investimentos: "A inteligência artificial acabou com as empresas SaaS e acabou com o modelo de software. A gente claramente não acredita nisso"

Para acompanhar o assunto mais de perto, os sócios da DGF criaram um fundo com capital próprio nos Estados Unidos para investir e monitorar 30 empresas da Nasdaq que consideram as mais relevantes do mercado de software. “Se o SaaS morrer, elas morrerão antes que nós aqui no Brasil”, brincou.

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A ideia é acompanhar como essas empresas se movem neste novo mundo e aprender, antecipar tendências e os potenciais efeitos para as investidas do fundo. Entre os sócios sêniores da DGF, Daniel Heise, residente nos Estados Unidos, é quem acompanha mais de perto o que acontece por lá.

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“Algumas coisas irão mudar, mas o conceito como uma ferramenta do aumento da produtividade continua a mesma - e melhora muita mais com IA”, afirmou Henrique Ferreira, partner da GDF, na mesma entrevista. “Vai levar um valor mais relevante e vai ser muito interessante descobrir essas empresas no início.”

O modelo da DGF

Esse posicionamento considerado parcimonioso e menos apressado - ou menos exposto a hypes - tem sido um fundamento básico para os resultados da DGF ao longo de mais de duas décadas, na análise do experiente gestor.

No histórico dos sete fundos anteriores, de acordo com números internos, a DGF acumulou uma taxa de retorno de 5 vezes o capital investido.

Os números têm contribuído para que a gestora mantenha 80% dos LPs (Limited Partners, como são conhecidos investidores como family offices e fundos) antigos na base. Além disso, 25% são empreendedores que tiveram as suas startups investidas pela DGF e que retornaram como investidores.

A gestora apostou, durante o boom de venture capital e a fase dos valuations inflados no início dos anos 2020, no caminho oposto ao do mercado em geral e vendeu a participação em 16 startups, incluindo as citadas Reclame Aqui, Stilingue e RD Station. Atualmente, conta com 24 startups no portfólio.

“Fizemos isso porque percebemos que estavam pagando múltiplos muito atraentes. E o que eu sempre aprendi? Quando o preço é bom, você vende. É tão simples quanto isso. Não fica com nhenhenhém”, afirmou Chameh.

Por outro lado, houve dedicação para a gestora continuar a procurar negócios no buy-side. Foi nessa época que a DGF investiu na Tractian, o atual “xodó” da casa e chamada por Chameh de “a melhor empresa da década de 2020”.

Criada por Igor Martinelli, Gabriel Lameirinhas e Leonardo Vieira, a startup combina hardware e software em sensores com uso de inteligência artificial (IA) para captar deficiências em equipamentos industriais. Ao fazer a leitura de ruídos, vibrações e alternâncias de temperatura, pode indicar potenciais problemas futuros.

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Na carteira de clientes no Brasil estão nomes como Suzano, Dexco, M Dias Branco e Nissan. Da receita de US$ 40 milhões no ano passado, 50% foi originada no Brasil, e a outra metade, nos Estados Unidos e no México.

Em sua última rodada, em novembro do ano passado, a Tractian recebeu US$ 120 milhões, com um valuation de US$ 800 milhões.

“Nós entramos no ‘comecinho’, pegamos um valuation de US$ 15 milhões e essa empresa hoje já está avaliada em quase US$ 1 bilhão”, afirmou Chameh. Na época do aporte, a startup faturava R$ 1 milhão por ano.

A gestora já recebeu propostas para vender a participação, mas optou por declinar. “Teve gente querendo pagar ‘bilhão’ agora que a Tractian se valorizou, mas o comitê criou a convicção de que não devemos vender mesmo a ‘bilhão’”.

No novo fundo, a gestora segue com sua proposta de encontrar outliers no começo de suas jornadas - mantendo a tradição dos últimos anos -, ainda que também procure mais negócios na Série A do que no Seed para os seus cheques com valores entre US$ 1,5 milhão e US$ 2 milhões.

“Nós não mudamos a filosofia da empresa. Seguimos investindo em startups que têm alto potencial de crescimento, product market fit bastante consolidado e um ‘mercadão’”, reforçou Chameh.

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