Bloomberg Línea — Foi quase uma década “vivendo no limite” até que Guilherme Benchimol, fundador da XP, conseguiu respirar. O alívio veio em 2010, quando a gestora Actis fez a aquisição de fatia minoritária na companhia e ele realizou uma saída parcial.
“Ali eu coloquei um dinheiro no bolso, comprei minha casa e finalmente tive paz de espírito para pensar a longo prazo”, disse o executivo em conversa com a Bloomberg Línea. Após a venda primária em 2010, Benchimol fez duas secundárias, em 2012 e 2017, antes da abertura de capital da XP em 2019, na Nasdaq.
O episódio pessoal traduz um dilema central para fundadores de negócios de alto crescimento: como equilibrar a ambição de criar empresas longevas com a necessidade de liquidez.
É também o foco de um recém-concluído estudo da Endeavor - divulgado em primeira mão pela Bloomberg Línea -, que ouviu 118 founders sobre as rotas disponíveis em um mercado em que IPOs e grandes M&As seguem restritos.
“Queremos trazer naturalidade para esse debate”, afirmou Juan Perroni, Brand Specialist na Endeavor Brasil. “Liquidez não é sinônimo de fim da jornada, mas um ponto importante de controle e opcionalidade para o fundador.”
Segundo a pesquisa, 79% dos empreendedores brasileiros planejam algum evento de liquidez nos próximos dois anos. E, em muitos casos, não será da forma imaginada por muitos deles: 55,17% dos fundadores devem recorrer a caminhos de liquidez que não são aqueles com os quais mais se identificam.
Para os próximos 12 meses, as secundárias — venda de parte da participação a outros investidores — aparecem como a principal alternativa.
As movimentações de M&As (fusões e aquisições) entram na sequência, no intervalo entre 12 e 24 meses, seguidas pelos IPOs (ofertas públicas iniciais de ações), cuja janela de tempo previsto varia entre 3 e 5 anos.
Leia mais: Partners Group adquire 15% da Omie por US$ 100 milhões e mira digitalização de PMEs
Nos Estados Unidos, o mercado de secundárias já distribui mais valor que os IPOs e ficam atrás apenas dos M&As. De acordo com levantamento da CB Insights, são sete trimestres seguidos de crescimento.
A expectativa é que se torne cada vez mais relevante, à medida que o mercado trabalha com a noção de que as empresas vão levar cada vez mais tempo para a abertura de capital.
No Brasil, esse caminho é incipiente, mas deve se consolidar diante da citada ausência de janelas para IPOs na bolsa e das dificuldades de compradores estratégicos.
Historicamente, a maior parte das secundárias tem acontecido entre as rodadas Séries A e C, acompanhando o grau de maturidade dos negócios.
De acordo com o estudo da Endeavor, a motivação dos empreendedores nesses casos não é fazer uma saída da operação em si, mas, sim, garantir qualidade de vida, segurança financeira e reduzir o risco de “viver no limite”, como descreveu Benchimol.
Apenas 5% dos fundadores ouvidos apontaram sucessão ou saída como motivação para novas secundárias.
Para o fundador da XP, a experiência reforça a importância de pensar a liquidez como ferramenta de construção de longo prazo para os negócios.
“Eu acho que se fala pouco sobre essa coisa de você construir uma empresa built to last [feita para durar, em tradução livre]. Se eu faço uma venda, uma rodada, é com o intuito de melhorar a companhia. Vai me trazer mais caixa, mais sócio e vai me deixar apto a continuar aquilo que eu amo fazer e que acho que só estou começando”, disse Benchimol.
Saída do negócio e janelas de mercado
O levantamento da Endeavor aponta também que os M&As estão no radar dos empreendedores e na perspectiva no período de até 24 meses.
As motivações desses empreendedores, assim como para os que olham para secundárias, estão alinhadas à segurança financeira (57,9%) mas também a sucessão e saída do negócio (42,1%) e a janelas de mercado (31,6%).
Há, no entanto, uma espécie de limitação para empresas que crescem demais. Casos como o da Pismo, adquirida pela Visa por US$ 1 bilhão em junho de 2023, e o da 99, comprada pelo grupo chinês DiDi Chuxing em janeiro de 2018 pelo mesmo valor estimado, estão fora da curva.
Globalização está sob ataque. E isso reforça o empreendedorismo, diz CEO da Endeavor
As negociações que prevalecem no mercado nacional são aquelas feitas quando as startups estão em um estágio até a Série B. À medida que os múltiplos aumentam, os cheques vão desaparecendo.
Em eventos de saída total, o percurso seguido pelos fundadores tem dois destinos: 51,9% voltaram a empreender e 48,1% tornaram-se investidores.
“A partir da Série D, a taxa de uso para fins pessoais diminui e vai aumentando o uso dessa liquidez para outras atividades de impacto”, afirmou Perroni.
“Isso é importante não só do ponto de vista individual mas também porque essa liquidez é capaz de gerar um impacto, no momento em que o empreendedor investe em outras companhias e contribui para a evolução do ecossistema.”
O estudo apontou que, em transações em em estágios mais avançados, como Série D, a taxa de giveback (doações e filantropia) dos empreendedores chega a 71,4%, contra 26% em estágios iniciais.
E como fica o IPO?
Entre as opções, o IPO vive o seu momento de fim de fila.
Nos Estados Unidos, as listagens retornam aos poucos, mas, no Brasil, as perspectivas são de médio a longo prazo - aberturas a partir de 2028 ou 2030, no horizonte mais pessimista. Os últimos IPOs “puros” da B3 foram registrados em 2021.
Apesar do terreno mais árido para mercados públicos, 32,2% dos fundadores colocam o IPO como o movimento mais conectado com os seus anseios pessoais. Segundo o levantamento, o desejo é acompanhado hoje por um maior grau de maturidade dos empreendedores e investidores.
Leia mais: Amazon compra fatia na Rappi e acirra guerra do delivery na América Latina
Ambos reconhecem que é uma alternativa mais demandante, que apresenta desafios operacionais e culturais significativos para os negócios.
Na mesa, entram novas responsabilidades, aumenta a necessidade abrir mais informações públicas - leia-se mais governança - e até a composição do time precisa ser mudada ao longo da jornada para a listagem, que consome alguns anos, em especial em momentos como o atual.
“O que nós ouvimos de empreendedores e também de investidores é que o foco é construir uma boa companhia, seguir crescendo e gerando bons resultados”, disse Vinícius Furlan, principal no Scale Up Ventures da Endeavor.
Esse racional tem feito com que fundadores mirem menos uma data no calendário e tenham foco maior no que está sob controle. No caso, a gestão dos negócios.
Benchimol, que ficou nove anos flertando com o IPO porque não queria optar pelo modelo, defende outra perspectiva. “Eu acredito que abrir o capital deveria ser sempre o ‘Plano Z’ de qualquer empreendedor”, disse.
Segundo ele, hoje presidente do conselho de administração da XP, a listagem da companhia foi feita apenas por falta de alternativa.
“Eu tinha uma questão societária com o Itaú altamente complexa e precisava endereçar isso”, afirmou. O Itaú adquiriu 49,9% do capital social da XP em 2017.
Questionado pela Bloomberg Línea se teria feito a listagem caso não tivesse que destravar a questão, Benchimol disse que, “provavelmente, não”.
Para quem deseja seguir esse caminho, o executivo recomendou que os empreendedores avaliem com muita atenção o momento adequado da eventual listagem e entendam o quão valioso é “voar abaixo do radar”.
“É importante que os empreendedores conversem muito com o time porque tem um nível de distração grande quando você abre capital, com exigências, questões de governança. O foco fica mais disperso”, afirmou.
Leia também
Vamos ser duros com assessores para melhorar a qualidade do serviço, diz Benchimol
Visa compra fintech brasileira Pismo por US$ 1 bi após disputa com Mastercard
Klarna precifica IPO ‘acima da faixa’ e estreia com market cap de US$ 15 bi em NY