Bloomberg Línea — As novas configurações geopolíticas globais, em curso desde que Donald Trump assumiu a Casa Branca em janeiro, têm gerado um aumento de expectativas em relação às oportunidades para países emergentes como o Brasil.
Managing Partner da Valor Capital, fundo americano que investe no Brasil e na América Latina há muitos anos, Paulo Passoni acredita que, além de áreas em que o país é tradicionalmente forte no comércio global, como commodities e agro, há novas oportunidades que podem surgir.
O que está mais no radar do experiente investidor - e na tese da Valor Capital - é o potencial do país na área de tecnologia blockchain.
“Eu acho que o Brasil vai exportar blockchain. O país é o laboratório do mundo para o teste em escala de blockchains como infraestrutura para tokenização de ativos reais”, afirmou.
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Antes da Valor Capital, Passoni atuou como managing partner do SoftBank para fundos para a América Latina e foi managing director responsável por mercados emergentes da Third Point, o hedge fund comandado por Dan Loeb.
Uma referência para a tokenização de ativos é a introdução do Drex, em desenvolvimento pelo Banco Central.
A moeda digital deve agilizar transações e permitir o uso de tokens que representem ativos reais (como imóveis, ações ou contratos), o que pode democratizar o acesso a investimentos e abrir novas possibilidades de negociação com menor custo e mais liquidez.
A expectativa no mercado é que a infraestrutura, em segunda fase piloto, seja lançada ainda neste ano.
“Nós provavelmente estamos no cutting edge disso no Brasil e é a próxima fronteira. O mundo inteiro está observando o que acontece aqui como um grande laboratório para depois fazer a implementação em grandes economias”, disse.
Além dos usos mais conhecidos em criptomoedas, o modelo de contratos inteligentes (smart contracts) e registros descentralizados carrega em si um conceito de negócios cross-border.
Ou seja, pode pavimentar a entrada de mais investidores no Brasil e a oferta de produtos locais para potenciais interessados em outros cantos do globo.
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No momento, a tecnologia está em uma quarta onda, após passar por diferentes transformações desde o seu surgimento em 2009. Casos como o próprio Drex e o euro digital, além das stablecoins, têm fomentado uma nova e mais madura fase de casos de uso, com o envolvimento de mais empresas e governos.
O investidor destacou, por exemplo, o crescimento da adoção de stablecoins em países latino-americanos com moedas locais mais voláteis — mesmo que o Brasil não seja o epicentro desse fenômeno.
“Nos últimos 12 meses, stablecoins cresceram seis vezes na América Latina. Uma vez que a pessoa tem uma crypto wallet, ela pode ter qualquer tipo de ativo ali dentro”, afirmou Passoni.
De acordo com dados do Banco Central, aproximadamente 90% dos fluxos de criptoativos no Brasil estão ligados hoje às stablecoins, especialmente as lastreadas em dólar.
Há também oportunidades em indústrias mais tradicionais, segundo ele.
“O Brasil tem tudo para ocupar um pouco desse espaço em certas categorias em que existem clusters de eficiência alta e em que o produto brasileiro é competitivo globalmente”, disse Passoni. Ele citou a grife de sapatos femininos de luxo Larroudé, do Rio Grande do Sul, como um exemplo.
A marca fundada por Ricardo e Marina Larroudé no fim de 2020 tem sido premiada globalmente e adotada por celebridades como Taylor Swift e Zoe Saldaña, com distribuição em redes de luxo como Nordstrom e Saks nos Estados Unidos.
“Essa guerra comercial talvez abra espaço para algumas coisas novas saindo do Brasil e indo para os Estados Unidos e para outros lugares do mundo”, disse.
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Retorno da janela para IPOs
Com mais de cem empresas investidas, a Valor Capital tem no portfólio startups com destaque no uso de blockchain, caso da americana Circle, fintech de pagamentos cross-border em processo de abertura de capital na Bolsa de Nova York (NYSE).
Outra investida da Valor Capital é a brasileira Cloudwalk, dona da InfinitePay, que combina IA e blockchain para criar novos serviços financeiros a pequenos e médios negócios e que é liderada pelo fundador, Luis Silva.
Com receita anualizada de US$ 1 bilhão, a startup está ao lado da Wellhub (ex-Gympass) na fila do IPO (oferta pública inicial de ações) entre as investidas brasileiras do fundo no mercado americano.
De acordo com Passoni, a Valor Capital trabalha com uma perspectiva de abertura de capital de empresas norte-americanas ao longo dos próximos meses. Para as startups brasileiras, a avaliação é que o terreno estará mais propício somente a partir de 2027.
“Normalmente há um intervalo de 6 a 12 meses até as coisas do resto do mundo virem ao mercado [americano]. Quando se junta esse período com a corrida presidencial no Brasil [em 2026], acho que os investidores do mercado público, principalmente para a Nasdaq, vão esperar 2027”, explicou.
Para definir qual empresa colocar na fila dos IPOs, a gestora trabalha com dois níveis de análise, a depender do mercado, segundo Passoni.
Em casos de aberturas nos Estados Unidos, a Valor Capital considera uma receita anual entre US$ 300 milhões e US$ 600 milhões, com um market cap almejado entre US$ 2 bilhões e US$ 5 bilhões.
No Brasil, as listagens na B3 devem acontecer para negócios com valuation entre US$ 500 milhões e US$ 2 bilhões. A movimentação em receita ficaria entre US$ 100 milhões e US$ 300 milhões (de R$ 570 milhões a R$ 1,7 bil˙hão ao câmbio corrente, apenas para fins ilustrativos). Apesar dos números mais baixos, essa janela para listagem deve ser reaberta em um intervalo maior de tempo.
“O mercado de fundos de investimento em equities no Brasil caiu muito de tamanho. Talvez seja algo para 2027 e 2028”, afirmou Passoni.
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