Bloomberg Línea — A ausência de um plano de sucessão de CEOs elaborado e mantido por conselhos de administração é um dos principais entraves que têm impedido as companhias abertas brasileiras de avançar em práticas mais avançadas de governança.
Em um grupo de 364 empresas de capital aberto, 55,2% delas dizem que não aderem a essa prática, de acordo com estudo realizado pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), em conjunto com o escritório de advocacia TozziniFreire e a consultoria EY.
O “Código Brasileiro de Governança Corporativa – Companhias Abertas”, lançado em 2016, recomenda que os conselhos devem manter um plano atualizado de sucessão de CEO, com elaboração coordenada diretamente pelo chairman.
Entretanto um número relevante de companhias abertas não adere à prática, de acordo com o estudo, que avaliou os informes de governança corporativa divulgados publicamente pelas empresas, segundo documento compartilhado à Bloomberg Línea com exclusividade.
Mesmo entre as empresas do Novo Mercado – segmento de listagem da B3 que inclui empresas que adotam voluntariamente práticas mais altas de governança –, 49,2% em um total de 179 dizem não cumprir com a recomendação do código.
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Segundo os responsáveis pelo estudo, a elaboração de um plano de sucessão com envolvimento do conselho é importante para que as empresas estejam preparadas para uma eventual substituição do CEO – seja ela programada ou não – e garantir uma transição mais suave.
“Com a velocidade das mudanças do mundo dos negócios, a necessidade de ter uma liderança competente, alinhada aos princípios e à cultura da empresa, é fundamental para que a companhia tenha resiliência”, disse Danilo Gregório, gerente de conhecimento e relações Institucionais do IBGC, em entrevista.
Casos recentes nos últimos anos de trocas repentinas de CEOs mostram como a mudança na liderança pode provocar grandes oscilações no preço das ações, o que tende a abalar a confiança de investidores. A adoção de um plano de sucessão com envolvimento do conselho seria, portanto, uma maneira de reduzir esses riscos, na visão dos responsáveis pela pesquisa.
O código de governança foi criado na época por um grupo de 11 entidades do mercado de capitais, incluindo B3 e Anbima, associação que reúne entidades e empresas do mercado de capitais.
O documento recomenda que a prática seja adotada justamente para que o conselho tenha uma seleção prévia de profissionais para contratação ou promoção, que podem assumir o cargo de CEO.
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A escolha deve levar em conta a experiência profissional e competências que possam contribuir para o desempenho da empresa e para a preservação de valor da companhia numa eventual transição de comando.
Segundo o estudo, a ausência de um plano estruturado com envolvimento do conselho representa historicamente a prática com maior percentual de respostas negativas no informe de governança das companhias, desde que a publicação do documento passou a ser obrigatória em 2019 para empresas de capital aberto.
A pesquisa aponta que grande parte das empresas trata o planejamento sucessório como uma responsabilidade da área de recursos humanos em vez do conselho, de acordo as justificativas apresentadas pelas companhias para não adotar a recomendação.
Isso faz com que o tema seja visto com uma perspectiva mais operacional e do que estratégica.
“A importância de ter um conselho olhando para eventuais sucessões traz uma segurança de sustentabilidade ao negócio”, disse Fernanda Fossati, sócia na área de governança corporativa do TozziniFreire.
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Fossati apontou principalmente o fato de que o planejamento ajuda na escolha de substitutos alinhados à empresa. A manutenção da estratégia definida para o mandato de um CEO permite uma transição de comando “sem que rupturas aconteçam”, de acordo com ela.
Os responsáveis pelo estudo apontam também que o plano de sucessão é uma forma de as empresas avaliarem os riscos ao negócio e as competências necessárias da liderança para que a empresa enfrente os desafios à frente.
“O risco não é só o risco aquele que você quer mitigar. É também aquilo que pode ser uma oportunidade de negócio”, disse Denise Giffoni, sócia da área de consultoria em riscos e governança corporativa da EY.
“É extremamente importante fazer a conexão de qual é a melhor pessoa para a posição e qual a competência que ela precisa ter para aproveitar essas oportunidades”, afirmou Giffoni.
Avanço em ritmo mais lento
O estudo também avaliou a adesão das empresas brasileiras ao código de governança de modo geral. Em 2025, a taxa média de aderência às práticas recomendadas atingiu 68,2%, um aumento de 1,2 ponto percentual em relação aos 67% registrados em 2024.
Isso significa que, em média, as empresas aderiram a pouco mais de dois terços das práticas recomendadas pelo código de governança, considerando a amostra de 364 companhias.
Embora o número tenha avançado 17 pontos percentuais desde 2019, o ritmo de melhoria tem desacelerado nos últimos anos.
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Há também diferenças dependendo da classificação da companhia e do setor em que ela atua. Entre as empresas do Novo Mercado, a adesão ao código é maior: de 80,1% em 2025 ante 78,8% no ano passado.
As empresas do Ibovespa como um todo têm uma taxa de 83,1%, e quatro delas atingiram uma taxa de 100% de aderência, segundo o estudo.
Entre os setores com maior taxa de aderência estão Comunicações (83,5%), Tecnologia da informação (80,8%) e petróleo, gás e biocombustíveis (76,1%).
Para os responsáveis pela pesquisa, o acompanhamento é importante para que as empresas possam avaliar o que as demais companhias estão fazendo e o que ainda pode ser melhorado em sua gestão.
“Por mais que o avanço nos últimos anos tenha sido um pouco menor em pontos percentuais, vemos que não parou. Isso significa que essas companhias têm se reavaliado e têm aprimorado as práticas”, disse Denise Giffoni, da EY.
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