Bloomberg Línea — Oferta, demanda e crédito: entre os três pilares que sustentam o mercado imobiliário, o último é o que tem sofrido maior pressão.
Enquanto a oferta de imóveis e a demanda das famílias mantêm trajetória de alta a despeito dos juros de dois dígitos, o financiamento imobiliário enfrenta maior escassez e competição por funding, o que exige novas fontes de financiamento, especialmente no mercado de capitais.
O desafio não é novo: a dependência dos recursos da caderneta de poupança — base do SBPE (Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo) — tem perdido força após quatro anos consecutivos de saques líquidos.
Mas, de lá para cá, o mercado tem feito a “lição de casa”, na avaliação de Sandro Gamba, ex-CEO da Gafisa e presidente da Abecip (Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança).
A prova, segundo o executivo, é que hoje 40% do funding já vem do mercado de capitais, segundo a Abecip, superando os 30% da poupança e os 28% do FGTS – este último dedicado exclusivamente ao programa habitacional Minha Casa Minha Vida.
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“No passado, falava-se que o mercado imobiliário era do tamanho da poupança. Não é mais: o mercado cresceu mesmo com saída de recursos da caderneta”, afirmou Gamba em painel durante o Construsummit na quinta-feira (5).
Apesar da redução da poupança, o volume financiado no mercado em 2024 atingiu R$ 186,7 bilhões, segundo a Abecip – o montante exclui os recursos vindos via FGTS do cálculo.
O saldo foi o segundo maior já registrado, e, na visão do executivo, reforça a resiliência do setor, que contou com a entrada de novas fontes de financiamento imobiliário.
O maior ponto de atenção é o custo desse novo financiamento. Historicamente, o crédito imobiliário operava com custo cerca de 1,5 ponto percentual abaixo da taxa de juro de mercado, sustentado pela poupança. Nos Estados Unidos, o funding imobiliário opera acima da taxa de mercado nas estimativas da Abecip.
Com a redução do SBPE na composição do mix, o funding passa a se aproximar do custo Selic. É um modelo que o Brasil, por ora, ainda não consegue replicar plenamente na avaliação de Gamba, devido à menor penetração do crédito imobiliário no PIB – equivalente a 10%, ante 25% no Chile e 50% nos EUA.
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Com esse novo cenário, Gamba disse prever uma segmentação ainda maior do uso dos recursos da poupança, que deve se concentrar em operações de longo prazo e maior volatilidade, como o financiamento à pessoa física.
Já as operações de ciclo curto, destinadas às construtoras, devem ser cada vez mais financiadas pelo mercado de capitais, o que aumenta a correlação entre crédito imobiliário e taxa Selic.
Essa perspectiva foi corroborada por Roberto Ceratto, diretor executivo de habitação da Caixa Econômica Federal – maior player do setor imobiliário, com uma carteira de cerca de R$ 850 bilhões em financiamento. “O direcionamento é para privilegiar a pessoa física”, afirmou Ceratto em mesmo painel.
O segmento de pessoa física ficou com R$ 136 bilhões dos R$ 186 bilhões financiados pelo SBPE no último ano – os outros R$ 50 bilhões financiaram a incorporação.
A expectativa é que o montante da poupança destinado às construtoras diminua neste ano com o mercado de capitais crescendo sua fatia no bolo do funding. E que, em ambos os casos, os juros tenham um impacto negativo.
“O setor está em um momento muito adequado, com inadimplência baixa e bons volumes operacionais. Mas neste ano, o crédito deve recuar, tanto pelo redirecionamento do funding quanto pela alta de juros”, concluiu.
A expectativa é que os efeitos do ciclo de alta da Selic no segundo semestre de 2023 comecem a se refletir apenas neste ano nas estatísticas do setor.
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