Privatização da Sabesp: as lições da Aegea à frente da Corsan, segundo o CEO

Em entrevista à Bloomberg Línea, Radamés Casseb e o VP Regional, Leandro Marin, contam os desafios da gigante de saneamento à frente da ex-estatal do Rio Grande do Sul

Corsan Aegea
04 de Março, 2024 | 05:05 AM

Bloomberg Línea — Pouco mais de um ano depois da privatização da Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan), a Aegea, sua nova controladora, tem avançado na implementação de mudanças na empresa.

Os desafios consistem em desde a reorganização do quadro de funcionários até a gestão das tarifas ao usuário, além do enfrentamento de ações judiciais. Trata-se de uma amostra do que a Sabesp (SBSP3) pode enfrentar caso o processo de desestatização proposto pelo governo de São Paulo tenha êxito.

A Aegea assumiu, em julho de 2023, uma Corsan com 5.600 funcionários. Um acordo coletivo foi firmado com o sindicato da categoria, com garantia de estabilidade do emprego por 18 meses – o que poderia ser convertido em indenização caso o empregado optasse por pedir demissão. Desde então, 2.000 funcionários pediram para sair, de acordo com a companhia. Mas houve manutenção do corpo mais qualificado.

“O quadro de profissionais é um ativo tão relevante quanto a companhia em si, com uma cultura forte e ampla capacidade de atuação”, disse o CEO da Aegea, Radamés Casseb, em entrevista à Bloomberg Línea, citando o reconhecimento do mercado da capacidade técnica da Corsan.

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O executivo relatou que, ao assumir a Corsan, houve um trabalho em conjunto com a equipe local para o aperfeiçoamento do diagnóstico de pontos críticos da operação, principalmente em relação ao abastecimento de água.

“Nos primeiros cem dias, foi R$ 1 milhão aplicado por dia na Corsan: resolvemos problemas em todas as cidades em que operamos. Isso marca o início de um diálogo longo entre a prestadora de serviço e o cliente”, destacou.

O vice-presidente regional da Aegea, Leandro Marin, apontou na mesma entrevista que a empresa assumiu a Corsan em um período de eventos climáticos intensos.

“Temos muito a aprender e muito a investir. Na prática, trata-se de uma fusão que vai resultar em uma nova companhia”, disse. “Quem vai tocar [a empresa] são as pessoas que já estão lá, com novas ferramentas e um programa forte de valorização e treinamento”, acrescentou.

A Aegea enfrentou ações na Justiça para conseguir assinar o contrato, o que acabou acontecendo em julho do ano passado. Atualmente, há uma ação tramitando no Tribunal de Contas do Estado (TCE) para tentar anular o leilão. Ainda sem data marcada, a votação no tribunal pleno do TCE deve ocorrer neste primeiro semestre.

Segundo uma fonte a par do assunto, que prefere não ser identificada porque as discussões são privadas, o processo não deve interferir na continuidade da operação e a tendência é que a ação não tenha êxito.

Inicialmente, a desestatização da Corsan seria realizada por meio de uma oferta pública inicial (IPO). O plano previa deixar cerca de 30% das ações nas mãos do governo gaúcho.

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Após reveses no TCE, a modelagem final acabou contemplando a venda integral da companhia, o que resultou no primeiro processo de privatização propriamente dito do setor de saneamento no país, com venda do controle – os outros leilões foram feitos nos modelos de parceria público-privada (PPP) ou concessão.

A Aegea arrematou o leilão com lance único de R$ 4,15 bilhões. Na visão de Casseb, um dos fatores de risco para investidores e financiadores de projetos de saneamento é a previsibilidade da tarifa. Segundo ele, com o modelo de recomposição inflacionária, a tarifa não aumenta, o que configura o requisito mais desejável para o ecossistema que envolve financiadores, agentes operadores e clientes.

“Nossa experiência nos mais variados contratos mostra que, além de previsibilidade para todos os envolvidos, também é preciso diálogo continuado para que possamos ampliar mecanismos de acessibilidade [dos serviços] para as famílias mais carentes”, disse o executivo.

Marin esclareceu que o edital do leilão da Corsan era focado basicamente no contrato de compra e venda das ações, ou seja, não abrangia tanto questões regulatórias, operacionais e contratuais. “O edital deixou essas questões para serem debatidas com os municípios.”

O executivo acrescentou que, diante do ciclo de investimentos intensivo nos próximos dez anos, o diálogo com os prefeitos tem sido grande.

“Precisamos repactuar os contratos, entre outros fatores, para não deixar a tarifa subir”, afirmou. Segundo ele, na metodologia que a Corsan adotava antes da privatização, a revisão tarifária levava em conta todos os investimentos e despesas. Posteriormente, a tarifa era calculada de acordo com o que a companhia precisava de recursos.

“Temos a preocupação de não deixar isso acontecer. Queremos fazer com que a tarifa seja definida e o prazo contratual resolva a questão da amortização dos investimentos. Em contrapartida, é preciso haver ao menos a reposição inflacionária prevista no contrato, com o IPCA uma vez ao ano, como acontece em todos os contratos regulados. A grande lógica é essa”, disse Marin.

Repactuação de contratos com municípios

Os contratos que a Corsan privatizada herdou da gestão pública eram chamados de “programa”: basicamente um acordo sem metas claras, em que a companhia não podia ser cobrada.

“Os contratos estavam inadequados do ponto de vista das metas. Iniciamos um diálogo para repactuá-los de maneira que os pilares do marco do saneamento estivessem ali reproduzidos. Atualmente, já temos mais de 200 contratos renegociados nessas novas bases”, contou Marin. A Corsan opera 317 municípios.

Casseb salientou, porém, que dentro dessa discussão é preciso levar em consideração um eventual aumento da prestação ou da cobertura dos serviços.

“Quando atendemos um cliente com água e fazemos investimentos para a ligação da coleta e o tratamento de esgoto, a tarifa vai subir para [contemplar] o novo serviço prestado. Por isso, é importante que o cliente saiba exatamente o que está acontecendo para que isso não se configure como aumento de tarifa. É uma prestação de serviço a mais.”

Essa é uma das principais preocupações apontadas por críticos da privatização da Sabesp: pouco se sabe sobre como a questão será contemplada no processo da companhia paulista. Para o CEO da Aegea, ainda é cedo para fazer qualquer tipo de comparação entre os leilões passados e o projeto da Sabesp.

“Levando em consideração todas as informações divulgadas publicamente sobre o processo da Sabesp, há uma preocupação no mercado muito coerente de não haver aumento de tarifa, dar acessibilidade a pessoas em situação de vulnerabilidade e ênfase na recuperação de mananciais importantes.”

“Vemos que o resultado do processo deve considerar os aprendizados do passado, com a busca de aprimoramento ao ouvir a sociedade”, disse Casseb.

Investimentos pós-privatização

Marin afirmou que a Corsan como empresa estatal investiu, em média, cerca de R$ 500 milhões anuais nos últimos 5 anos. “Já estamos rodando a uma cadência de R$ 2 bilhões por ano, com ampliação da cobertura da rede de esgotamento sanitário. Esse é o carro-chefe dos recursos, mas também trabalhamos em gestão e redução de perdas e em melhoria do abastecimento de água.”

Segundo uma fonte próxima à companhia, que prefere não ser identificada porque as discussões são privadas, por ora não há resistência dentro da Corsan para o processo de incorporação feito pela Aegea. O “núcleo duro” da companhia gaúcha foi mantido no período pós-privatização, e o corpo operacional tem se adaptado para manter o desempenho positivo.

O Rio Grande do Sul tem enfrentado desastres ambientais nos últimos meses, como chuvas recordes, o que vem demandando uma resposta rápida para a solução dos problemas. “O saneamento é uma ultramaratona, não dá para desistir na primeira curva. É uma jornada longa”, disse Casseb.

Ele afirmou que, diante dos eventos de calor extremo e chuvas concentradas no país, as cidades vêm sofrendo com alagamentos e falta d’água, além de doenças de veiculação hídrica como a dengue. “Tudo isso é base de controle e gestão da água, não dá para baixar a guarda”, acrescentou.

Atualmente, a Aegea atende pouco mais de 500 cidades em 14 estados, somando mais de 30 milhões de brasileiros. Uma das maiores operações é a concessão de dois blocos da Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae), arrematados em disputas multibilionárias.

Novos projetos

Casseb afirmou que a Aegea tem por filosofia estudar todos os projetos que vêm a mercado. “De maneira conservadora, a jornada de crescimento da companhia está garantida pelos ativos do portfólio. Não temos pressa para ganhar novos projetos”, disse. A empresa investiu R$ 3,4 bilhões nos 12 meses acumulados até o terceiro trimestre de 2023, o dobro do montante aplicado no mesmo período anterior.

Ele disse que, se a Aegea tomar a decisão de investir na Sabesp, deve optar por um modelo de parceria, similar ao adotado no leilão da Corsan, que foi arrematado por um consórcio formado com as gestoras Perfin e Kinea.

“Como o projeto da Sabesp é grandioso, caso tomemos a decisão de investir, provavelmente isso vai demandar uma nova estrutura de capital, a exemplo do que foi utilizado na Corsan”, explicou.

Casseb acrescentou que as discussões públicas sobre a privatização da Sabesp apontam para um processo que deverá ser colocado na praça no fim do semestre. “Estamos estudando [o ativo], a companhia está dedicada a entender melhor o processo e formará uma opinião.”

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Juliana Estigarríbia

Jornalista brasileira, cobre negócios há mais de 12 anos, com experiência em tempo real, site, revista e jornal impresso. Tem passagens pelo Broadcast, da Agência Estado/Estadão, revista Exame e jornal DCI. Anteriormente, atuou em produção e reportagem de política por 7 anos para veículos de rádio e TV.