Bloomberg Línea — A guerra comercial iniciada por Donald Trump já bate à porta do mundo do vinho e isso deve afetar até mesmo a bebida que é consumida no Brasil.
Desde que chegou ao poder, o presidente americano já impôs tarifas de pelo menos 10% à União Europeia, que tem os Estados Unidos como principal mercado consumidor de vinhos. Também chegou a ameaçar taxar as bebidas do continente em até 200%, o que preocupa os produtores europeus.
Nesse contexto, o Brasil acaba sendo visto como uma alternativa de parceria para o comércio internacional.
Enquanto a produção de commodities do país pode se beneficiar de uma expansão das compras especialmente pela China - o que já começou a acontecer com a soja, por exemplo -, o mercado brasileiro pode se tornar uma opção viável para que as vinícolas europeias tenham para onde vender seus produtos.
E isso deve evoluir especialmente no caso da agora esperada ratificação do acordo de livre comércio entre a União Europeia e o Mercosul, que tem se tornado uma prioridade para os dois lados desde a volta de Trump à presidência.
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A eventual ratificação desse acordo comercial pode desencadear uma transformação significativa no mercado de vinhos no Brasil.
A expectativa é de que o market cap [o tamanho do mercado em valor] da bebida no país cresça até 25% e chegue a cerca de US$ 3,75 bilhões, segundo estimativas compartilhadas por Rodolphe Lameyse, CEO da Vinexposium.
“O Brasil é o país que mais cresce em termos de mercado. Já representa US$ 3 bilhões do market cap, um terço de toda a América do Sul, e isso pode aumentar substancialmente com o acordo com o Mercosul”, afirmou o francês Lameyse em entrevista à Bloomberg Línea.
Sua empresa é organizadora da Vinexpo America — uma das principais feiras internacionais do setor, que vai acontecer em maio em Miami.
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Segundo ele, a mudança seria impulsionada pela redução de barreiras tarifárias atualmente vigentes no Brasil, um dos entraves que limitam a entrada de rótulos do Velho Mundo no país.
Lameyse argumentou ainda que o Brasil começa a ocupar papel estratégico no setor global, sendo um dos mercados que mais crescem no mundo.
“O país participa mais como comprador do que como apresentador na Vinexpo America. Mas a cada ano cresce sua presença, inclusive com pavilhões maiores em eventos internacionais”, disse.
Para ele, isso demonstra a vitalidade e o potencial de expansão do mercado brasileiro, especialmente diante de novas possibilidades comerciais.
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“O timing de hoje com a guerra comercial torna o caso do Brasil mais interessante. Todos os países do mundo estão preocupados com barreiras e tarifas. É uma oportunidade para produtores se encontrarem e construírem juntos uma resposta a essa loucura das tarifas sobre os vinhos”, destacou o executivo.
A imposição de tarifas sobre produtos como o vinho é vista com preocupação pelo setor. Para Lameyse, esse tipo de política ignora as especificidades do produto.
“As tarifas buscavam reequilibrar o comércio e favorecer a industrialização americana. Mas o vinho não funciona assim. Um vinho francês não é um vinho americano e vice-versa. Um não se compara com o outro”, ressaltou.
Para ele, mesmo diante de uma oferta global de vinhos de alta qualidade, a substituição direta entre rótulos de diferentes origens não é viável.
“Hoje temos vinhos bons no mundo todo. A diferença está na história. Os enólogos estudam as especificidades de cada lugar. Um cabernet sauvignon pode ser muito diferente em cada país, mas podem ser ótimos mesmo diferentes”, afirmou.
Esse entendimento de que a diversidade do vinho transcende barreiras comerciais reforça a necessidade de uma atuação coordenada do setor. Segundo Lameyse, falta organização política e representação conjunta no cenário internacional.
“O mundo do vinho é fragmentado e complicado e falta um porta-voz. Precisamos nos reunir para discutir a situação atual. As empresas automobilísticas se juntaram para fazer lobby. O vinho precisa fazer o mesmo”, disse, ecoando uma declaração recente do CEO da LVMH, Bernard Arnault.
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Nesse sentido, a Vinexpo America é apresentada como espaço estratégico para alinhar ações entre produtores, importadores e distribuidores.
O evento reunirá cerca de 280 expositores de 25 países e deve atrair 3.000 visitantes profissionais de 40 nacionalidades, posicionando-se como ponto de encontro em uma indústria pressionada por transformações estruturais.
Lameyse se diz pragmático ao avaliar o cenário atual.
“Não sou nem otimista nem pessimista. A situação vai ficar complicada por alguns anos. Trump é imprevisível e pode mudar as taxas a qualquer momento. Mas temos uma oportunidade de juntar os países e validar o acordo com o Mercosul para dar maior dinâmica ao mercado mundial de vinhos”, afirmou.
“O MAGA [movimento conservador político conhecido pelas siglas de Make America Great Again] vai tornar a América isolada. O mundo vai virar as costas.”
Além das disputas comerciais, outras ameaças pairam sobre o setor, como a queda no consumo de vinho entre os mais jovens e os efeitos das mudanças climáticas.
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“A redução do consumo é uma preocupação geral, abaixo apenas do aquecimento global. A queda na Geração Z é marcante, mas ainda há espaço para mudar isso com marketing adequado”, avaliou. “Quando eu tinha 20 anos, também não bebia vinho.”
O aquecimento global, por sua vez, já impacta diretamente a produção.
“A vinha é o primeiro vegetal que mais sofre com o aquecimento global. Isso já afeta a produção há anos. Estamos estudando as melhores práticas para evoluir independentemente das mudanças climáticas”, explicou.
Para enfrentar esse conjunto de desafios, o setor vitivinícola precisa repensar sua forma de atuação, segundo ele.
“O mundo do vinho precisa se revolucionar intelectualmente pensando no mundo dos negócios. Somos uma economia diferente, que não é protegida e que não é isolada. Precisamos ser capazes de reagir a um mundo incerto em que as coisas mudam rapidamente”, disse.
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