Bloomberg Línea — A indústria eólica vive uma situação “insuportável” diante do cenário de baixo crescimento da demanda e de excesso de oferta de energia no país, segundo relataram agentes do setor à Bloomberg Línea.
A conjuntura está cada dia mais complexa, afirmou a presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica), Elbia Gannoum. Segundo a dirigente, o setor emendou um ciclo de crescimento expressivo desde 2009, mas que foi interrompido no ano passado.
“O primeiro ponto de inflexão da indústria foi em 2024 e deve permanecer pelos próximos quatro anos. Ainda vamos perceber essa crise”, disse em entrevista à Bloomberg Línea.
A executiva apontou que o crescimento do setor foi exponencial desde os primeiros leilões do gênero, há cerca de 15 anos, mas no ano passado a instalação de nova capacidade de geração caiu 32% em relação a 2023. Para 2025, a estimativa é a de uma retração de 39%.
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Gannoum disse que a retração das vendas da cadeia eólica está associada à economia brasileira, que passou muitos anos com baixo crescimento.
Segundo ela, quando o Produto Interno Bruto (PIB) cresce 1%, a demanda de energia sobe de 1,5% a 2%. “Isso trouxe reflexos para a indústria. Sentimos mais fortemente a crise, porque temos uma cadeia de produção e fabricamos os equipamentos no país.”
A Abeeólica reúne mais de 130 empresas da cadeia produtiva - onshore e offshore -, com aproximadamente 60 parques eólicos, além de investidores e fabricantes de equipamentos e peças, como torres e pás, por exemplo.
Apesar do quadro deprimido no ambiente de demanda, a dirigente destacou que o problema mais urgente do setor é o chamando “curtailment”, que é o corte forçado de geração de renováveis devido ao excesso de oferta.
Com a expansão descoordenada da micro e da minigeração distribuída de energia solar, o perfil do sistema elétrico brasileiro vem sendo alterado, com uma parte significativa da capacidade de geração fora do controle direto do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS).
Diante do excesso de oferta durante o dia, principalmente no Nordeste entre 10 horas e 16 horas, as usinas de grande porte (centralizadas) conectadas ao sistema elétrico têm sido obrigadas a desligar a geração.
“Hoje, vivemos uma crise dentro da crise”, disse Gannoum.
A executiva explicou que, quando o ONS faz o balanço de oferta e demanda e conclui que não precisa de todos os parques em funcionamento, é acionado um comando para desligar as usinas de forma obrigatória.
“Isso tem ocorrido com muita frequência porque há um agravamento da relação entre oferta e demanda”, disse Gannoum.
Em sua visão, houve uma expansão extremamente acelerada da geração distribuída (GD), impulsionada por micro parques de energia solar, que são construídos sob modelo de leasing e vendem energia para pequenas empresas.
“Quando o operador faz o balanço, não consegue controlar a GD e, durante o pico do dia, acaba emitindo somente o comando para desligar a geração centralizada”, disse.
Por outro lado, quando o sol se põe, o operador precisa das usinas de grande porte novamente, devido à alta demanda, o que obriga o ONS, em alguns casos, a acionar até mesmo as usinas termelétricas, mais caras e por vezes mais poluentes.
“Isso causa prejuízos absurdos e muita empresa vai quebrar por causa disso”, alertou.
Segundo um executivo de uma grande empresa do setor de geração centralizada, que falou sob condição de ter o seu nome mantido em sigilo, essa situação tem feito com que fornecedores da cadeia eólica tenham problemas graves.
Isso leva inclusive ao aumento das importações de equipamentos e peças. Em sua visão, a cadeia está “morrendo” no Brasil.
Sem um horizonte de resolução sobre a crise, o executivo contou que muitas geradoras centralizadas têm entrado para o negócio de GD.
Gannoum disse que, quando uma usina de grande porte vende um contrato, ela é obrigada a gerar aquele volume de energia e, caso seja impedida pelo ONS de fazê-lo, a receita não vem.
“Essas empresas estão sem capacidade de pagamento e isso está causando um prejuízo enorme. A conta já supera R$ 6 bilhões e vem se somando desde 2022. Está impagável”, afirmou a executiva.
A associação ingressou com uma ação na Justiça para receber esses pagamentos judicialmente e tem buscado diálogo com o Ministério de Minas e Energia (MME) para que haja a remuneração.
“O curtailment é o principal ponto para destravar a nossa indústria no curto prazo. Essa ‘micro crise’ só depende de uma caneta. Se isso acontecer, vai mudar o humor do setor”, disse Gannoum.
Cenário de incertezas
Para Gannoum, o quadro de taxa de juros elevados - que classifica como “endêmico” - agrava o desempenho da indústria, que já enfrenta outros problemas. “Sabemos gerenciar uma ou duas variáveis, mas este cenário de incertezas agrava nossa situação”, disse.
O contexto desafiador no Brasil se soma ao internacional. Nos Estados Unidos, empresas cancelaram, interromperam ou reduziram mais de US$ 22 bilhões de investimentos em projetos de energia limpa durante o primeiro semestre deste ano, segundo a Bloomberg News.
Para ela, a saúde da indústria de energia eólica depende de soluções urgentes.
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“O presente está insuportável, o humor do setor está péssimo. Nossos próximos dias serão terríveis e, se a solução de curtailment não vier no curto prazo, estaremos todos mortos”, disse Gannoum.
Por outro lado, embora as empresas do setor eólico não estejam fazendo novos investimentos, o cenário externo ameniza a situação.
“Percebemos uma retomada das contratações para 2026 e uma temos perspectiva positiva de médio e longo prazo. O Brasil tem potencial para prover soluções para o mundo inteiro.”
A dirigente disse acreditar que haverá uma retomada global dos investimentos no setor de renováveis, ainda maior que no passado, em um horizonte de expansão do conceito de “power shoring” - estratégia de alocação de investimentos em regiões com energias renováveis abundantes e baratas.
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