Bloomberg Línea — O CEO da Petrobras, Jean Paul Prates, completa um ano no comando da empresa mais valiosa do país no fim do mês. Uma de suas primeiras decisões, há quase um ano, foi a suspensão do programa de venda de ativos, uma estratégia inicialmente adotada em 2016, ainda no governo de Michel Temer, para reforçar o foco nas atividades de exploração e produção.
Na ocasião de anúncio da estratégia, Prates disse que os processos de desinvestimentos já concluídos seriam honrados. Passado um ano, no entanto, a realidade se mostra diferente do prometido: empresas que compraram ativos nos últimos dois anos enfrentam dificuldades para seguir adiante, segundo apurou a Bloomberg Línea com diferentes fontes a par do assunto.
Desde o início de 2023, três processos concluídos no âmbito do programa apresentaram problemas e um deles chegou a ter o contrato rescindido por parte da Petrobras.
O caso mais recente aconteceu na terça-feira (dia 26) da última semana de 2023. A estatal informou que a Carmo Energy, do grupo Cobra Brasil, teria descumprido uma obrigação contratual referente à compra do Polo Carmópolis, um conjunto de 11 concessões de campos terrestres de produção de óleo e gás em Sergipe.
Segundo a Petrobras, US$ 296 milhões deveriam ter sido pagos no último dia 20. A companhia disse que “adotará as medidas contratuais e legais cabíveis para a cobrança dos valores devidos”.
O fechamento da transação ocorreu em dezembro de 2022, com valor total de venda de US$ 1,1 bilhão, dos quais US$ 275 milhões pagos a título de sinal e outros US$ 548 milhões na conclusão do negócio.
De acordo com uma fonte a par do assunto, que falou sob condição de anonimato porque as discussões são privadas, o descumprimento não decorreu da falta de recursos, já que o financiamento para a operação já está concluído. O pagamento estaria condicionado a certas obrigações por parte da Petrobras, disse a fonte. Procurada, a Carmo Energy não retornou o contato da Bloomberg Línea.
No último dia 22, a Petrobras (PETR3, PETR4) informou o mercado que recebeu proposta do Mubadala Capital, fundo soberano de Abu Dhabi, para acertar uma parceria estratégica em refino e biorrefino, o que inclui uma eventual venda de participação acionária na refinaria de Mataripe, na Bahia.
O ativo anteriormente conhecido como Refinaria Landulpho Alves (RLAM) estava no portfólio do programa de desinvestimentos da Petrobras e foi arrematado em 2021 pelo Mubadala por US$ 1,65 bilhão. Posteriormente, o fundo criou a Acelen para cuidar da operação da refinaria.
A decisão do fundo soberano de buscar um entendimento com a Petrobras ocorreu depois de a Acelen recorrer ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), em maio passado, em busca de uma medida preventiva para que a estatal oferecesse as mesmas condições de compra de petróleo que as ofertadas para suas próprias refinarias. Como pano de fundo, suspeitas de abuso de poder dominante.
Segundo inquérito administrativo aberto pela Superintendência-Geral do Cade, a Petrobras, fornecedora de óleo cru à planta industrial da Acelen, “poderia estar praticando preços distintos em prejuízo da refinaria e privilegiando as refinarias do próprio grupo econômico”.
O processo apontou que existem “indícios” que levam à suspeita de uma possível conduta anticoncorrencial no mercado upstream (óleo cru), inclusive sobre o preço do petróleo praticado pela Petrobras, se compatível ou não com aqueles praticados para refinarias da própria estatal.
Para uma fonte a par do assunto, que preferiu não ser identificada, o caso, que ainda está em fase de investigação, só deve ser julgado no segundo semestre de 2024.
Nesse contexto, o Mubadala informou ao mercado as conversas com a Petrobras. “Enxergamos como uma excelente oportunidade para ampliar a criação de valor em toda a cadeia de fornecimento da indústria de energia, tanto no Brasil quanto no exterior”, disse em comunicado o CEO do Mubadala Capital no Brasil e CIO de Mubadala Capital, Oscar Fahlgren.
Contrato rescindido
No fim de novembro, a Petrobras decidiu rescindir o contrato de venda da refinaria Lubrificantes e Derivados de Petróleo do Nordeste (Lubnor) e de seus ativos logísticos associados para a Grepar Participações, alegando ausência de cumprimento de condições precedentes estabelecidas no contrato.
Na ocasião, a Grepar emitiu nota dizendo ter sido “surpreendida” pela decisão da estatal de rescindir, “sem fundamento contratual”, o tratado.
O grupo ressaltou ainda que cumpriu todas as condições precedentes e que não insistirá na manutenção do negócio, “face à quebra de confiança e à inequívoca intenção da Petrobras de não prosseguir com a transação contratada, conforme explícitas e reiteradas declarações do presidente Jean Paul Prates tão logo assumiu o comando da companhia”, de acordo com o comunicado.
Segundo apurou a Bloomberg Línea com uma pessoa envolvida no caso, que falou sob condição de anonimato porque as discussões são privadas, a Grepar já protocolou o pedido de indenização contra a Petrobras pelos quatro anos de investimentos no projeto e oportunidades perdidas no período. Ainda de acordo com a fonte, o valor da ação é substancialmente elevado.
Em novembro, Prates afirmou durante divulgação do plano estratégico de 2024 a 2028 que o setor de refino é uma prioridade para a companhia, diferentemente do que havia sido definido nas gestões anteriores, no governo de Jair Bolsonaro. “Nós não vamos mais vender refinarias, pelo contrário, já estamos investindo mais para que se tornem um parque industrial”, disse na ocasião.
O que diz a Petrobras
Procurada pela Bloomberg Línea para comentar a questão, a Petrobras não enviou posicionamento adicional sobre o caso do Polo Carmópolis - mas o que já havia sido divulgado.
Sobre a Lubnor, a estatal informou por meio de nota “que envidou todos os seus esforços e foi incansável na busca do cumprimento das condições precedentes”.
A Petrobras disse que “as condições precedentes que não foram cumpridas, resultando na rescisão do contrato, são relacionadas a questões fundiárias que envolviam dois entes federativos distintos”. Disse ainda que “não foi concluída a transferência dos terrenos para que a Petrobras pudesse vendê-los”.
A petroleira acrescentou que, com a rescisão, a Lubnor segue integrando o parque de refino da Petrobras e que iniciará uma análise de investimentos na unidade. “A companhia está comprometida com a continuidade operacional, segura e eficiente da Lubnor, assim como de todo o seu parque de refino, dentro da visão de empresa integrada de energia com presença relevante em todas as regiões do Brasil.”
A Petrobras disse que, no caso da Lubnor, empenhou “os melhores esforços para a conclusão da transação”.
O que se diz no mercado
A alegação da Petrobras, no entanto, não é uma visão consensual no mercado.
Um executivo do setor de refino, que falou sob condição de anonimato por discutir questões privadas, disse enxergar uma estratégia por parte da Petrobras de criar dificuldades e pressionar os compradores de ativos que foram vendidos recentemente.
Na última quarta-feira (27), Prates esteve na Lubnor para uma vistoria técnica, acompanhado de executivos da companhia. Ele tirou fotos com funcionários e reforçou o compromisso da Petrobras com a continuidade operacional da refinaria após a rescisão do contrato de venda. “Vamos iniciar imediatamente as análises de investimentos na Lubnor para torná-la uma refinaria de baixo carbono”, disse.
Os casos têm levantado a discussão no setor sobre o nível de cooperação da Petrobras para a conclusão dos negócios, afirmou outra fonte. Em sua avaliação, como o mercado ainda é amplamente dependente do fornecimento da estatal, as empresas que compraram os ativos temem sair prejudicadas nas negociações de preços e volumes. Segundo a fonte, há um grupo dentro da Petrobras que não cooperaria com as empresas desde que o governo recomendou o fim do programa de desinvestimentos.
O sócio da área de óleo e gás do escritório Mattos Filho, Giovani Loss, disse que todos os ativos vendidos pela Petrobras cujos contratos já tinham sido assinados foram transferidos. “Em todos os casos de questionamento jurídico por parte da Petrobras acerca das vendas dos ativos, a estatal não estava bem amparada”, disse.
Em sua avaliação, o discurso do governo federal atualmente em relação à iniciativa privada não corrobora uma estratégia de colaboração. “Existe de certa forma uma percepção no mercado que o governo não está muito preocupado com a iniciativa privada. Não me surpreenderia se outras empresas tivessem problemas com ativos vendidos pela Petrobras”, disse Loss.
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