Ouro urbano? Os planos por trás da aquisição bilionária da Aegea em resíduos sólidos

CFO da maior operadora privada de saneamento do país, André Pires, contou à Bloomberg Línea a estratégia com a compra da Ciclus Ambiental no fim de agosto, em negócio com enterprise value de R$ 1,9 bilhão

A truck dumps garbage in a landfill near Tucuma, Para state, Brazil, on Tuesday, Oct. 5, 2021. Destruction of the Brazilian Amazon accelerated this year to levels unseen since 2006, with more than 5,019 square miles of forest lost between August 2020 and July 2021. Photographer: Jonne Roriz/Bloomberg
15 de Setembro, 2025 | 05:21 AM

Bloomberg Línea — Lixo. O ativo, em geral relegado ao poder público como uma “obrigação” para o qual poucos querem olhar, tornou-se uma aposta bilionária da Aegea.

A maior operadora privada de saneamento do país, com mais de 38 milhões de pessoas atendidas, anunciou no último dia 20 de agosto a aquisição da Ciclus Ambiental, controladora integral da Ciclus Rio, empresa de tratamento e destinação de resíduos sólidos do grupo Simpar (SIMH3), por R$ 1,1 bilhão. Somando as dívidas, o valor da transação vai a R$ 1,9 bilhão (“enterprise value”).

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“O racional por trás da aquisição tem muito a ver com a visão estratégica da Aegea. O negócio de resíduos sólidos tem características muito parecidas com o saneamento 15 anos atrás, que era um setor bastante pulverizado no Brasil. Vemos uma grande oportunidade de consolidação”, disse o CFO da Aegea, André Pires, em entrevista à Bloomberg Línea.

O executivo afirmou que, do total de lixo coletado no país, cerca de 33% ainda não tem destinação. Nesse sentido, ele disse acreditar que nos próximos anos serão necessários investimentos relevantes para essa atividade, seja para aterros ou para reciclagem propriamente dita.

“Também é possível aproveitar essa oportunidade do ponto de vista de economia circular, com a geração de biogás. Vemos sinergias interessantes em relação ao nosso negócio, é uma nova avenida de crescimento”, destacou.

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A Ciclus Rio foi fundada em 2010 como uma joint venture entre o grupo Simpar e a Haztec e opera, desde 2011, a unidade Seropédica, uma das maiores centrais de tratamento de resíduos da América Latina, com 3,7 milhões de metros quadrados de área.

Segundo fato relevante, o aterro sanitário bioenergético processa cerca de 10.000 toneladas de resíduos por dia e capta 24.000 metros cúbicos de biogás por hora, que pode ser utilizado como fonte de energia limpa.

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A companhia também é responsável por cinco Estações de Transferência de Resíduos (ETRs) e pela operação integrada de transbordo, transporte e disposição final dos resíduos sólidos da cidade do Rio de Janeiro, em regime de Parceria Público-Privada (PPP).

A Aegea já opera a concessão Águas do Rio, que atua no abastecimento de água e esgotamento sanitário em 27 municípios do estado do Rio de Janeiro, incluindo 124 bairros da capital.

“O ambiente institucional é o mesmo e isso gera sinergia imediata. Posteriormente, vamos poder aproveitar também a sinergia administrativa, pois já temos uma estrutura montada no Rio”, disse Pires.

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O executivo explicou que o negócio de resíduos sólidos dentro da Aegea não é tão grande se comparado ao saneamento.

Nos últimos 12 meses encerrados em junho, a geração de caixa operacional medida pelo lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (Ebitda) de resíduos foi de aproximadamente R$ 200 milhões.

“A aquisição não impacta de maneira relevante a nossa alavancagem, mas vemos como a forma correta de entrar com mais força nesse segmento. Temos uma curva de aprendizagem a ser percorrida, mas isso pode se tornar, de fato, uma nova via de crescimento para a Aegea”, acrescentou.

Desde 2023, a Aegea opera a Regenera Cariri, de gestão de resíduos sólidos em nove municípios da região do Cariri, no Ceará, em parceria com a Engep Ambiental.

“Naquela época, já tínhamos uma visão estratégica de que deveríamos nos aproximar do segmento. Discutimos a transação da Ciclus por praticamente dois anos e a convicção foi crescendo, bem como o alinhamento dos três acionistas [Equipav, GIC e Itaúsa], até estarmos maduros para fazer [a oferta]”, disse Pires.

Os desafios do negócio são semelhantes ao do setor de saneamento, com necessidade de licenças ambientais e gerenciamento de riscos. “Já convivemos com esse tema e existe um alinhamento com aquilo que já fazemos.”

Segundo Pires, do ponto de vista financeiro, o negócio de resíduos sólidos tem apresentado retornos semelhantes aos de projetos de saneamento da companhia, enquanto os investimentos são substancialmente inferiores, dado que não há necessidade de construção de novas redes. “O capex é mais de manutenção”, afirmou.

O executivo ressaltou que a atuação da Ciclus não inclui a coleta do lixo, que é feita pela Companhia Municipal de Limpeza Urbana (Comlurb).

Hoje, no Brasil, o negócio de resíduos sólidos é essencialmente uma atividade no âmbito municipal. Mas ele disse que existe uma previsão no novo marco regulatório do saneamento para incluir nos contratos de prestação de serviços o tratamento de resíduos, inclusive com cobrança de tarifa.

O caso não se aplica, contudo, à Ciclus.

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Ele acrescentou que, embora existam alguns grupos de maior porte que atuam nesse mercado, o negócio de resíduos sólidos ainda tem muitas empresas familiares e regionais. “Entendemos que existe uma oportunidade importante para participar deste mercado.”

O executivo ressaltou que, nas economias mais avançadas, o lixo já vem sendo reciclado diretamente. “O Brasil precisa percorrer o caminho de se livrar dos lixões. Os aterros como destinação correta é o que vamos percorrer.”

Geração de energia

Hoje, a Ciclus trata 70% dos resíduos do Rio de Janeiro. “Parte do upside desse negócio também está no processo de expansão de geração do biogás”, disse Pires.

Na unidade, os resíduos são transformados em biogás, que por sua vez é transformado em biometano para uso comercial e industrial.

“Temos oportunidades grandes do ponto de vista de economia circular com o ativo do jeito que está. Hoje, pensamos menos em expansão do aterro e mais em aumento da eficiência, aproveitando as potenciais receitas da empresa.”

Atualmente, 17% da receita da Ciclus vem da geração de biogás.

A unidade tem parceria com uma empresa que retira o insumo e transforma em biometano, distribuindo o produto com contratos de longo prazo “take or pay”, em que o comprador se compromete a adquirir uma quantidade mínima em determinado período e paga integralmente mesmo se não usar todo o volume.

Diante de um cenário de juros elevados e incertezas macroeconômicas, Pires afirmou que a Aegea tem crescido não só por meio de licitações e leilões mas por uma combinação de crescimento orgânico e inorgânico.

“Nossa natureza é aproveitar as oportunidades de M&As [fusões e aquisições]. Ao mesmo tempo, temos uma preocupação grande e uma meta de manter a disciplina financeira e a nossa estrutura de capital.”

O objetivo, segundo o CFO da companhia, é não ultrapassar uma alavancagem de quatro vezes [medida pela dívida sobre o Ebitda]. “Temos interesse [em aquisições] se tivermos boas oportunidades de crescer, desde que não impactem a nossa alavancagem.”

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