Nem todas as marcas vão sobreviver à nova era dos elétricos, diz CEO da Volvo

Hakan Samuelsson diz em entrevista à Bloomberg News que ‘haverá duas ou três marcas chinesas muito fortes (em elétricos), o que torna o espaço para as marcas antigas mais difícil’

Hakan Samuelsson: executivo foi convidado a retornar à Volto com o desafio de reviver a marca sueca diante de um setor que passa por rápida transformação (Fonte: Laura Zapata/Bloomberg)
Por Rafaela Lindeberg - Ruth David
09 de Setembro, 2025 | 10:42 AM

Bloomberg — Hakan Samuelsson saiu da aposentadoria para orientar a Volvo Car em um de seus períodos mais desafiadores.

A empresa tem enfrentado vendas decepcionantes, falhas de software, atrasos em novos modelos importantes e até mesmo a ameaça de uma proibição de vendas nos Estados Unidos.

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Li Shufu,o bilionário por trás da Geely da China, proprietária majoritária da Volvo, recorreu ao executivo sueco de 74 anos, que já havia liderado a Volvo por quase uma década e a conduziu durante sua listagem pública em 2021.

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De volta ao comando desde abril, Samuelsson conversou com a Bloomberg News sobre a tarefa de reviver a sorte da marca sueca, os riscos e os benefícios de ter um proprietário chinês e como avalia que nem todas as marcas ocidentais sobreviverão à transição para os carros elétricos.

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A transcrição da entrevista foi editada para maior extensão e clareza.

O senhor deixou a Volvo em alta após o IPO em 2021, mas agora a montadora está em dificuldades. Por que você voltou?

Para realmente revitalizar o que dissemos aos investidores na época. A mensagem era basicamente que a eletrificação é uma grande oportunidade e que a Volvo sairia como uma empresa elétrica maior e mais lucrativa.

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Essa foi a nossa promessa e no que eles investiram. Minha ambição é revitalizar essa história. Com algumas modificações, ela ainda é o caminho a seguir.

Quando me perguntaram: “Você pode voltar e ajudar a colocar a empresa de volta nos trilhos?”, não precisei de muito tempo para dizer sim.

Recentemente, a Volvo registrou um alto custo relacionado ao atraso no lançamento do modelo elétrico EX90 e, nesta semana, houve histórias sobre a baixa contábil da Polestar. Há mais notícias ruins a caminho?

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As baixas contábeis são concretas e ambas estão relacionadas a um carro que foi adiado. Dois anos e meio de receita foram perdidos e não serão recuperados. Esses clientes compraram outros carros. Essa é a explicação simples.

É claro que o setor está em uma situação desafiadora. É uma corrida e isso vai se tornar cada vez mais difícil, especialmente para os europeus. É um momento difícil, então você arregaça as mangas e trabalha duro.

Devo admitir que não analisei exatamente o que estava em nossos livros e quão difícil seria esse trabalho antes de voltar, e quando você soma tudo com as tarifas de Trump e todas as outras coisas, provavelmente ficou um pouco pior do que eu pensava.

Modelo da Volvo EX90 elétrico (Foto: Kent Nishimura/Bloomberg)

Quais são as principais prioridades que definiu para o turnaround?

Primeiro, são os custos. Isso nos dá tempo. Em seguida, são as vendas - melhorar o marketing, melhorar a energia que colocamos no sistema, uma liderança mais orientada para a performance.

E depois, quando isso funcionar, vem a terceira fase. Essa é a revitalização da estratégia de longo prazo. Com que rapidez vamos eletrificar? Podemos voltar à direção autônoma?

Precisamos recuperar nossa posição no desenvolvimento tecnológico. Precisamos de alguns projetos-farol em que sejamos líderes. Perdemos isso.

O senhor está de volta à Volvo com um contrato de dois anos. Consideraria estender sua permanência?

Não. Minha ambição é encontrar alguém que possa assumir esse cargo. Tem que ser alguém que tenha participado da criação dessa história. Há vários candidatos internos que, dentro de dois anos, poderão absolutamente ser capazes de fazer esse trabalho.

É claro que o conselho também considerará soluções externas, mas trazer alguém de fora é sempre um pouco arriscado.

Carreira de quase 50 anos de Hakan Samuelsson na indústria automotiva

As vendas de carros elétricos caíram em agosto, em um momento em que o futuro da Volvo deve ser elétrico. O quanto o senhor está preocupado com essa tendência?

É muito preocupante, mas, na verdade, não é uma grande surpresa para mim. No ano passado, importamos EX30s em grandes volumes da China. Depois vieram as tarifas de 28%, e foi impossível continuar com isso. Transferimos o carro para Ghent (Bélgica). Agora temos aumentado o volume.

As perdas com esse carro realmente explicam o número negativo. Temos um plano sólido para trazer de volta esse carro para volumes muito maiores, com melhorias no produto, mas também, é claro, com o nível de custo de fabricação em Ghent. Por isso, estou bastante confiante de que poderemos voltar a crescer.

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Se olharmos cinco anos à frente, qual é a visão para o lugar da Volvo no mercado automotivo global?

Uma área que é muito difícil, muito desafiadora, mas na qual estou otimista, é conseguir uma arquitetura global para os futuros carros - totalmente elétricos e elétricos com motores de reserva.

Fazer isso em uma arquitetura global, com uma melhor posição de custo e, ao mesmo tempo, permitir modelos regionais. Isso é algo que poucos, ou nenhum, de nossos concorrentes conseguiram. Mas acho que podemos, junto com a Geely.

A estratégia de eletrificação da Volvo ainda faz sentido, dado que alguns governos diminuíram as metas?

A Volvo será mais forte se eletrificarmos rapidamente. Mas precisamos de novos híbridos plug-in (carros elétricos com um motor reserva) como uma ponte até que o carregamento esteja em todos os lugares. Estrategicamente, a direção não mudou.

Realisticamente, isso pode levar mais alguns anos além de 2030, a depender da infraestrutura de recarga e da demanda dos clientes.

Os fabricantes chineses de veículos elétricos, como BYD, Xiaomi e Zeekr, tem se expandido globalmente. Qual é o grau de ameaça que eles representam?

As marcas chinesas já são mais da metade do mercado na China e estão entrando na Europa. Isso pressiona os europeus e os americanos, que estão competindo em uma parte cada vez menor do mercado.

A China, quer queiramos ou não, será um ator muito importante no setor automotivo no futuro, e não apenas na China. Quanto mais forte o setor automobilístico chinês se tornar, mais valiosa será nossa conexão com a Geely.

Você consideraria a possibilidade de criar uma joint venture com a Geely na China?

Não, isso não é algo que temos considerado. Fizemos isso há alguns anos, mas no mundo regionalizado de hoje - que também inclui restrições à tecnologia -, acho que é melhor ter o negócio mais regionalizado.

Depois de 70 anos nos EUA, a Volvo enfrenta o risco de uma proibição de vendas ligada à sua propriedade chinesa. Qual é a gravidade dessa ameaça?

Não estou muito nervoso. Somos uma empresa de capital aberto, não uma divisão de uma empresa chinesa. Temos regras de governança e uma relação de igualdade com nosso proprietário.

Os dados permanecem com a Volvo e com o cliente - não são repassados para lugar nenhum. E não há componentes chineses em nossos carros. Essas são as coisas que devemos demonstrar às autoridades, e estou confiante de que conseguiremos.

Como o senhor consegue lidar com essa incerteza regulatória e, ao mesmo tempo, tentar executar uma reviravolta global?

Você não especula muito sobre tarifas ou política. Você se concentra nas questões centrais. Os Estados Unidos estarão muito interessados em segurança e proteção de dados. Quem tem acesso aos dados que vão para a nuvem e como é realmente o nosso sistema de governança? Estamos na busca para resolver isso.

Como vê a evolução do setor automotivo daqui para frente?

O setor será elétrico - não há como voltar atrás. Pode demorar um pouco mais em algumas regiões, mas a direção é clara. Em [aproximadamente] 10 anos, todos os carros serão elétricos e terão um custo menor.

Haverá novos participantes dominantes, exatamente como a Ford, a GM, a Toyota e a Volkswagen eram no mundo antigo. No novo mundo, haverá duas ou três marcas chinesas muito fortes. Isso torna o espaço para as marcas antigas mais difícil.

Portanto, isso desencadeará uma [onda de] reestruturação. Algumas empresas se adaptarão às novas circunstâncias e sobreviverão. Outras não.

Quem ou o que o inspira o senhor como líder?

Eu me inspiro em pessoas que são autênticas. Meu lema tem sido: se nada mais funcionar, diga a verdade.

Outro dia, ouvi o presidente da Finlândia, Alexander Stubb, e a maneira como ele fala em entrevistas coletivas de imprensa é bastante revigorante.

Ele falou sobre a Ucrânia e como a Finlândia teve uma experiência semelhante na guerra de inverno. Você vê que ele fala a partir de sua própria cabeça, não de um roteiro. Acho que isso é inspirador.

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