Na C&A, uma varejista que se descolou da crise do setor. E sem ajuda do ‘macro’

Em entrevista à Bloomberg Línea, CEO Paulo Correa conta os próximos passos da estratégia que levou a varejista a ampliar vendas e margem e a gerar caixa; ações sobem 225% no ano

Loja da C&A no Tietê Plaza Shopping, em São Paulo (Foto: Divulgação)
16 de Novembro, 2023 | 04:45 AM

Bloomberg Línea — Nos últimos meses, o CEO da C&A, Paulo Correa, tem sido questionado por investidores sobre as razões da contínua melhora de indicadores operacionais e financeiros da rede varejista e se a trajetória é sustentável. As ações subiram 225% neste ano na B3 e se descolaram da queda de dois dígitos de pares do setor. O executivo costuma dizer que oferece duas respostas possíveis, uma curta e uma longa.

“Eu prefiro contar a versão longa, que tem a ver com a tese que apresentamos para o IPO [concluído há pouco mais de quatro anos]: é uma marca fantástica com potencial enorme, mas que tinha que fazer investimentos importantes para voltar a brilhar no negócio como um todo”, disse Correa em entrevista à Bloomberg Línea. “Ou seja, é fruto de um trabalho em evolução há mais tempo.”

“Começamos a entrar em um círculo virtuoso em que os indicadores operacionais avançam cada vez mais, alavancando o resultado em cima das mudanças que temos adotado”, disse o executivo, um veterano de quase 20 anos na companhia de origem holandesa (CEAB3), desde 2015 no comando.

O caminho traçado em 2019, segundo ele, passava por quatro frentes: recuperar a capacidade de conceder crédito, modernizar a distribuição, digitalizar a companhia como um todo - ampliando o share de vendas por canais digitais até 2024, com uma meta já superada - e expandir o número de lojas.

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A julgar pelos números mais recentes, como os do recém-divulgado resultado do terceiro trimestre, Correa terá que dar mais explicações para investidores céticos diante de um setor que se destacou pelo noticiário negativo nos últimos meses, especialmente dos que vendem bens duráveis.

O executivo destacou à Bloomberg Línea o fato de que a C&A conseguiu ampliar a margem bruta pelo sétimo trimestre consecutivo, o que classificou como um diferencial em relação aos pares do varejo de moda, que tem sido impactado pelas condições econômicas ainda adversas, sem mencionar o aumento da concorrência com players asiáticos como a Shein e a AliExpress.

A margem bruta do vestuário citada subiu para 54,1% no terceiro trimestre, acima dos 51,8% no mesmo período de 2022. Ao mesmo tempo, as receitas com vestuário cresceram 12,5% na base anual, para R$ 1,277 bilhão, enquanto os estoques avançaram em ritmo menor, de 2,3%.

“Os resultados são um reforço para a caminhada da estratégia que definimos, em um ambiente macro que ainda não é favorável, de inflação e juros elevados”, disse Correa. “Ou seja, entendemos que isso atesta a consistência do que construímos. A perspectiva é que isso continue nos próximos trimestres, na medida em que temos cada vez mais informações sobre os nossos clientes.”

O programa de fidelidade da companhia, chamado de C&A&VC, já conta com mais de 25 milhões de usuários, segundo o executivo, o que contribui para o desenvolvimento de novas coleções.

Ele atribuiu a combinação de crescimento das vendas em dois dígitos com o aumento de margem bruta justamente ao que descreveu como maior assertividade das coleções lançadas.

“A estratégia de digitalização se tornou uma história que vai além de apenas vender por esse canal, algo que é importante também”, disse o executivo. “O nosso hub de inteligência comercial se tornou uma plataforma muito importante que nos ajuda a tomar decisões de estoque, de posicionamento de produtos, de distribuição e de precificação de cada peça para cada loja.”

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Paulo Correa, CEO da C&A: ações da rede varejista subiram 225% neste ano na bolsa brasileira (Foto: Gustavo Rodrigues/C&A)

A C&A passou a identificar e a trabalhar as peças enviadas a cada loja por SKU (Stock Keeping Units, unidades de produto conforme suas especificações, no caso de moda, tamanho e cor, por exemplo), em vez do modelo anterior por pack, ou seja, por pacotes com várias peças de mesma característica.

Segundo ele, essa assertividade se resume no fim do dia a conseguir vender para a cliente um produto com preço cheio, sem desconto, com frequência maior do que antes. E em sobras menores de peças.

“Se eu tenho uma previsão de desaceleração de demanda de um produto, tenho a capacidade de fazer a gestão desse preço de forma mais granular do que antes”, explicou Correa. “Posso reduzir ou até aumentar o preço sem ter que esperar uma data para liquidações ou adotar desconto para a loja inteira, por exemplo. No Dia das Mães, oferecemos desconto só para peças que avaliamos que tinham apelo maior.”

‘Roupa como investimento’

O executivo disse entender que os consumidores, de maneira mais ampla, estão mais criteriosos no momento da compra, o que exige do varejista justamente essa capacidade de oferecer, por exemplo, peças de vestuário mais versáteis, que possam ser usadas em diferentes ocasiões. “É como se fosse um investimento: a roupa tem que proporcionar um retorno maior para quem comprou.”

Hábitos de consumo mais consciente, algo já identificado por pesquisas mais amplas, corroborariam essa tese apontada pelo executivo, que disse acreditar que esteja presente por alguns anos.

Ao antever a manutenção da combinação de crescimento com aumento de margem bruta, Correa citou o fato de que a inteligência da operação comercial ainda está restrita ao equivalente a 37% das receitas. O plano é superar a marca de 50%, algo que pode ser alcançado no próximo ano.

“Além disso, é uma tecnologia que conta com aprendizado dos modelos com algoritmos. Cada vez ele se torna mais assertivo e isso se traduz em decisões melhores de coleções, estoques e preços.”

Do lado da gestão de caixa e de capital de giro, o CEO da C&A disse que essa priorização passou a ser feita ainda no fim de 2021 quando os juros começaram a subir a níveis mais altos. No terceiro trimestre, a geração de caixa operacional foi de R$ 263 milhões, levando o caixa para R$ 1,120 bilhão.

O ciclo de conversão de caixa foi de 41 dias no terceiro trimestre, versus 65 dias um ano antes.

A alavancagem medida pela relação da dívida líquida total/Ebitda ajustado para covenant fechou em 2,2x nos nove primeiros meses de 2023, versus 4,5x no mesmo período um ano atrás.

C&A Pay alavanca vendas

O executivo também destacou a importância da divisão financeira - o C&A Pay - no modelo de negócios, mesmo em momento de juros mais altos e de aumento da inadimplência - algo que, em casos extremos, levou concorrentes à decisão de descontinuar essa operação, caso da Marisa (AMAR3).

“Clientes com o nosso cartão da loja gastam em média 50% mais no ano do que aqueles que não possuem. O nível de conexão e engajamento é maior e isso está provado no nosso business case”, disse o CEO.

Ele apontou que, como varejista, possui mais informações para entender o perfil do cliente do que um banco que, hipoteticamente, olha apenas a perspectiva de ganho financeiro e risco. E fez a ressalva de que se trata de um cartão private label para consumo apenas nas lojas da rede.

“Estamos com níveis de perdas dentro do esperado no business case que montamos e isso em um momento macroeconômico que piorou. Por outro lado, estamos contentes porque o cartão tem cumprido o papel que esperamos de fomentar as nossas vendas”, afirmou Correa, citando que o C&A Pay já responde por cerca de 22% do total de vendas, versus um patamar de zero no fim de 2021.

Segundo os dados do terceiro trimestre, os atrasos de pagamento com mais de 90 dias estavam estavam equivalentes a 22,9% da carteira de R$ 725 milhões em crédito concedido. Havia mais de 4,2 milhões de cartões da C&A emitidos para clientes ao fim do período.

Questionado sobre a perspectiva de contribuição da economia e do início do ciclo de queda de juros para o resultado da C&A, o CEO disse que a lógica indica que sim, mas lembrou o que recomenda para os times internos há alguns anos: “vamos esquecer as dificuldades conjunturais e vamos trabalhar para melhorar a produtividade operacional e para oferecer histórias melhores para os clientes.”

“Temos que continuar a trabalhar para ter capacidades para enfrentar momentos macro adversos e para nos beneficiar mais quando a situação melhorar”, completou o executivo.

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Marcelo Sakate

Marcelo Sakate é editor-chefe da Bloomberg Línea no Brasil. Anteriormente, foi editor da EXAME e do CNN Brasil Business, repórter sênior da Veja e chefe de reportagem de economia da Folha de S. Paulo.