Bloomberg Línea — Há pouco mais de dois anos, o Nubank começou a oferecer crédito consignado, inicialmente com testes voltados para servidores públicos federais.
Em um segmento tão disputado por players de diferentes tamanhos há muito anos, o banco digital expressou à época que enxergava oportunidades para crescer com um serviço que classificou como diferente em relação aos pares.
“O empréstimo consignado é marcado historicamente por uma jornada de dificuldades, com processos burocráticos, tarifas escondidas e diversos casos de práticas abusivas por parte de intermediários”, disse na ocasião Livia Chanes, então líder das operações do Nubank no Brasil - hoje CEO para o país -, por meio de nota.
Dois anos depois, para o consenso corrente do sell side, o avanço gradual do banco nessa modalidade de crédito o levará a atingir uma fatia de 3% a 4% do mercado em 2026. Atualmente essa participação é de apenas 1%.
Mas essa não é a expectativa da equipe de equity research do Morgan Stanley. Em relatório recém-divulgado, os analistas Jorge Kuri, Jorge Echevarria e Andrew Geraghty projetam que o Nubank pode chegar a 10% de share no consignado no próximo ano, muito acima, portanto, do consenso.
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Segundo os analistas, essa diferença projetada para a expansão no consignado do banco liderado globalmente por David Vélez e no Brasil por Livia Chanes é o que explica a estimativa de lucro líquido 20% maior que o Morgan Stanley tem para o Nubank versus o consenso do mercado.
“In Leaps and Bounds (or Why Consensus is Wrong on Payroll Loans) - em tradução livre, "A Passos Largos (ou Por que o Consenso está errado sobre Crédito Consignado“) -, os profissionais elencam cinco argumentos.
“Acreditamos que o mercado continua a subestimar significativamente a capacidade do Nubank de escalar de forma lucrativa — especialmente por meio de um cross-sell [venda cruzada de produtos] mais profundo no Brasil", escrevem os analistas.
Market cap de US$ 100 bi em 2026
De maneira “macro”, eles reiteram a recomendação overweight (acima da média) para a ação do Nubank na Bolsa de Nova York e o status de top pick entre os ativos do setor financeiro na América Latina, com perspectiva de chegar a US$ 100 bilhões em valor de mercado em 2026, versus US$ 63 bilhões na data do relatório.
As ações (NU) sobem perto de 20% neste ano de 2025 e estão praticamente estáveis em 12 meses, com fechamento de US$ 12,24 na quarta-feira (18). O preço-alvo do Morgan Stanley é de US$ 18,00, o que implica um upside de 47%.
O primeiro fator apresentado tem a ver com o que os analistas do Morgan Stanley classificam como vantagens competitivas do Nubank: “escala, distribuição e estrutura de custos”, diante de um setor de crédito consignado “altamente concentrado e estruturalmente ineficiente”.
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“Os cinco maiores bancos controlam mais de 70% do mercado e frequentemente dependem de correspondentes terceirizados que cobram comissões elevadas. Esses custos são incorporados ao preço dos empréstimos, resultando em spreads excessivos para os players já estabelecidos”, apontam os analistas.
É uma estrutura que contrasta com a do Nubank, cujo modelo direto ao consumidor permite a cobrança de preços de 15% a 30% mais baixos, de acordo com o Morgan Stanley, citando uma comparação corroborada por dados do Banco Central.
Segundo pesquisa proprietária da AlphaWise, o preço é o fator número 1 na decisão de escolha de crédito consignado.
Para completar essa avaliação do potencial de crescimento do Nubank, os analistas dizem estimar que “cerca de 55% dos saldos de crédito consignado no Brasil estão nas mãos de pessoas que já são clientes do Nubank”, ainda que o banco no momento ainda não conceda empréstimos à maioria deles.
O segundo fator elencado pelos analistas que assinam o relatório tem a ver com o entendimento de que o segmento de consignado não cresce de maneira linear, mas dá saltos em concessões em momentos de queda dos juros.
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São situações em que ficam mais evidentes para os clientes as oportunidades de economizar dinheiro com empréstimos a taxas de juros mais baixas.
Não é o que tem acontecido na economia brasileira, que passa por um movimento justamente na direção contrária desde os meses finais de 2024, na esteira da alta da taxa Selic. O último ciclo de queda na taxa básica de juros se estendeu de agosto de 2023 a maio de 2024.
A pesquisa proprietária AlphaWise também é citada pelo Morgan Stanley no relatório como fator que fundamenta a perspectiva de expansão do Nubank em consignado, dado que o banco digital é o mais apontado - por 22% dos entrevistados - como o preferido para ser contratado.
Há também aspectos operacionais que justificam a avaliação do Morgan Stanley de que o Nubank possa avançar na modalidade.
Acesso a 50% do mercado endereçável (e subindo)
“O Nubank agora tem funcionalidade completa — incluindo portabilidade e refinanciamentos — tanto com o SIAPE [para servidores federais] quanto com o INSS [aposentados e pensionistas], o que lhe permite acessar aproximadamente 50% do mercado total endereçável sem nenhum obstáculo."
A conquista - que pode parecer lenta - de mercado do Nubank desde o seu início de atuação na modalidade de consignado teve a ver, portanto, mais com questões de “operacionalizar” as concessões do que com dificuldades de market fit do produto ou de condições de preço menos competitivas, segundo os analistas.
O banco digital tem condições de acessar “em breve” o equivalente de 75% do mercado endereçável diante de acordos já assinados e de novas integrações, segundo o Morgan Stanley.
Por fim, como quinto argumento, os analistas destacam o que descrevem como capacidade do Nubank de ganhar market share com cada novo produto de empréstimo que colocam no mercado.
Citam que o banco levou oito anos para chegar a 10% de participação em cartão de crédito; cinco anos para a mesma fatia em crédito pessoal; e quatro anos em consignado se a projeção se concretizar em 2026.
Para tanto, destacam a capacidade de cross-sell. A receita média por cliente ativo - ARPAC, na sigla em inglês - estava em US$ 11,2 no primeiro trimestre, segundo o resultado divulgado ao mercado. E o próprio banco apontou o potencial.
“Esse valor pode continuar subindo rapidamente à medida que o Nu reduz a discrepância em relação aos bancos tradicionais, que geram ARPAC de mais de US$ 40, por meio do lançamento de novos produtos e de entradas em novos segmentos”, disse o Nubank em seu release mais recente de resultados.
O documento do banco explicitou também a mudança da composição da carteira de crédito, cujo total chegou a US$ 24,1 bilhões ao fim de março, com crescimento de 40% na base anual no indicador livre de efeitos cambiais (FXN).
A carteira de crédito com garantia - como o consignado - avançou 302% na base anual no primeiro trimestre, para o equivalente a 8% do portfólio total. Um ano atrás, essa participação estava em 3%.
Ao mesmo tempo, a carteira via cartão de crédito, de maior risco, avançou 23% no ano e teve a sua participação relativa diminuída de 77% nos três primeiros meses de 2024 para 68% no mesmo período deste ano.
Essa mudança no mix de crédito havia sido destacada pelo CFO do Nubank, Guilherme Lago, em entrevista à Bloomberg Línea em novembro do ano passado, que se refletia, por exemplo, em níveis menores de perdas com os empréstimos.
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