Light não ganhou o jogo, precisamos de um novo modelo de concessão, diz CFO

Em entrevista à Bloomberg Línea, Rodrigo Tostes diz que acordo anunciado encaminha aprovação de plano de reestruturação e que, com novas regras de concessão, empresa vai ‘deslanchar’

Após acordo com quatro bancos, Light diz que segue negociando com outros credores financeiros
12 de Abril, 2024 | 05:44 PM

Bloomberg Línea — Quase um ano após entrar em recuperação judicial (RJ) com uma dívida da ordem de R$ 11 bilhões, a Light (LIGT3), distribuidora de energia elétrica do estado do Rio de Janeiro, caminha para aprovar um plano de reestruturação em uma assembleia de credores marcada para o próximo dia 25. Ao mesmo tempo, conduz negociações sobre um novo modelo de concessão com o governo federal.

São dois desafios que ainda limitam a visibilidade sobre o futuro da companhia.

Na noite de quinta-feira (11), dois fatos relevantes enviados à CVM (Comissão de Valores Mobiliários) confirmaram informações publicadas pela imprensa durante o pregão, com base em fontes não identificadas, sobre a assinatura de acordos de repactuação de dívidas com quatro bancos credores - Itaú, Bradesco, Santander e Citi -, além de detentores de debêntures, totalizando R$ 5,8 bilhões.

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Em entrevista à Bloomberg Línea nesta sexta (12), o CFO da Light, Rodrigo Tostes, disse que o acordo com essas instituições financeiras já representa a maioria (55%) dos votos totais para a assembleia marcada para o dia 25 e que as negociações com outros credores vão avançar nas próximas semanas, a fim de aprovar o plano da RJ nessa data. Ele descartou um risco de adiamento ou eventual litígio.

Foi a primeira entrevista concedida por um executivo da Light depois da oficialização do acordo com os principais credores.

“A Light vai deslanchar após renovar sua concessão e sair da recuperação judicial. Mesmo com as dificuldades, a companhia manteve seu nível de qualidade dos serviços acima da média do mercado e melhorou eficiência”, afirmou sobre as perspectivas de crescimento e de alta das ações.

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“A Light sairá da RJ com uma situação financeira saudável e com um novo modelo de concessão capaz de reduzir as perdas de receita com ligações clandestinas. O céu é o limite para a companhia”, disse o executivo. Ele, no entanto, ressaltou a importância não apenas da renovação da concessão mas da concordância das autoridades regulatórias e do governo por um novo modelo.

O acordo anunciado ontem não envolveu todos os credores financeiros: instituições como XP, Morgan Stanley e BNY Mellon ficaram de fora neste momento. Segundo Tostes, isso não significa que tenha havido discordância por parte dessas instituições com os termos do acordo, pois as negociações ainda estão em andamento com detentores de bonds e debêntures.

“A Light marcou o primeiro gol, mas não ganhou o jogo, pois o primeiro tempo ainda não terminou. Além de aprovar o plano de reestruturação no próximo dia 25, temos ainda o segundo tempo. O jogo só termina após conseguir um novo modelo de concessão”, disse Tostes.

O uso da metáfora do futebol não se deu por acaso: o executivo liderou a reestruturação financeira do Flamengo na última década.

A concessão da Light vence em julho de 2026. O executivo disse que a negociação com as autoridades do governo federal responsáveis pelo setor em Brasília para adotar um novo modelo de concessão está sendo conduzida pelo CEO da companhia, Alexandre Nogueira, que assumiu o cargo no final de 2023. Tostes foi eleito pelo board para a função de CFO em janeiro e assumiu em fevereiro.

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O executivo evitou sinalizar um cronograma para os próximos passos do processo de RJ após a esperada aprovação do plano pelos credores no dia 25. “Não temos como prever quando sairemos da RJ.”

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Segundo o executivo, o bloco de controle da companhia não deve mudar com as operações propostas para o equacionamento da dívida e capitalização, mesmo com a diluição prevista das participações. Os acionistas de referência da Light são os empresários e investidores Nelson Tanure, Ronaldo Cézar Coelho e Carlos Alberto Sicupira - que também faz parte da 3G Capital.

O acordo anunciado ontem prevê uma conversão de dívida em participação acionária de até R$ 2,2 bilhões.

“O plano vai dar uma garantia de um R$ 1 bilhão em dinheiro novo. Não falo pelo acionistas, mas não haverá perda do controle pelos atuais acionistas. Dependerá dos aportes”, afirmou Tostes.

Ontem, após notícias sobre o acordo que saíram no começo da tarde, a ação da Light fechou cotada a R$ 5,30, uma alta de 4,13% depois de ter tocado a máxima de R$ 5,65 (+11%).

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Nesta sexta, as ações recuaram 2,45%, negociadas no fechamento a R$ 5,17. No ano, acumula desvalorização de cerca de 30%. Em 12 meses, o papel subiu perto de 150%.

Leia trecho da entrevista com o CFO da Light, editada para fins de clareza.

Após fechar o primeiro acordo com credores, quais os próximos passos do processo de RJ?

Da dívida de R$ 11 bilhões, assinamos acordo com credores de R$ 5,8 bilhões. Eles vão nos trazer 55% dos votos para a assembleias. Nos próximos dias e semanas, vamos buscar novas adesões e paralelamente estamos terminando um plano mais sólido para ser levado e votado na assembléia no dia 25.

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Por que credores como XP, Morgan Stanley e BNY Mellon não assinaram o acordo? Houve discordância?

Não houve discordância. Ainda estamos negociando com outro bloco de credores. Buscamos todos, desde de quem tem crédito de R$ 50 milhões, R$ 500 milhões, R$ 700 milhões a R$ 1 bilhão. Estamos abrindo a mesma planilha de dados para todos eles, discutindo questões mais comerciais.

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A companhia pretende informar o mercado em fatos relevantes caso feche novos acordos com credores?

Não pretendemos divulgar novas adesões em fatos relevantes. Já temos mais de 50% dos votos.

Depois de obter esse acordo com os credores, é possível prever em qual semestre ou trimestre a Light poderá sair da RJ?

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Não. É uma questão complexa, é impossível antecipar. Cerca de 70% da nossa dívida está nas mãos de debenturistas, que podem ser investidores pessoas físicas ou assets. Vai depender da aprovação e das fases de execução do plano, como a conversão de dívida, se será via stock options (opção de compra de ações). Fechamos as questões comerciais, mas não sabemos ainda como será o trâmite burocrático.

Não estamos comemorando nem dando festa com esse documento (de repactuação de dívida, divulgados na quinta à noite). A Light marcou o primeiro gol, mas não ganhou o jogo, pois o primeiro tempo ainda não terminou. Além de aprovar o plano no próximo dia 25, temos ainda o segundo tempo. O jogo só termina após conseguir um novo modelo de concessão.

Como estão os esforços em Brasília para a renovação da concessão?

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Quem está cuidando dessa questão é o CEO Alexandre Nogueira. A concessão termina em 2026, mas o prazo para a renovação já está correndo. Apresentamos documentação e pedimos esclarecimentos. É uma decisão que demora. Está em discussão a nova regulação do mercado, sobre o novo nível de serviços para o setor. Esperamos a conclusão desse processo no segundo semestre deste ano. Há vasos comunicantes entre a saída da RJ e a renovação da concessão. É um jogo só.

Após aprovar o plano de RJ e a Justiça homologá-lo, quais os desafios cruciais para a viabilidade da operação da Light?

O principal desafio é a redução das perdas não técnicas da companhia, do “gato” (ligações clandestinas que representam furto de energia). Há áreas no Rio de Janeiro em que a companhia não consegue sequer entrar para cortar o fornecimento da energia nesses locais. Não é só um problema de segurança pública. É estrutural. O novo modelo de concessão terá que corrigir esse problema.

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O que esperar da Light se a empresa obtiver sucesso no reequacionamento de dívida e na renovação de concessão?

A Light vai deslanchar após renovar sua concessão e sair da recuperação judicial. Mesmo com as dificuldades, a companhia manteve seu nível de qualidade dos serviços muito acima da média do mercado, melhorou eficiência e reduziu capex (investimentos). A Light sairá da RJ com uma situação financeira saudável, nova governança e um novo modelo de concessão justo, capaz de reduzir as perdas de receita com ligações clandestinas. O céu é o limite para a companhia.

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Sérgio Ripardo

Jornalista brasileiro com mais de 25 anos de experiência, com passagem por sites de alcance nacional como Folha e R7, cobrindo indicadores econômicos, mercado financeiro e companhias abertas.