Indústria do medo: Brasil lidera mercado de blindados e movimenta R$ 3,5 bi ao ano

‘O que faz com que uma pessoa busque proteção é o medo’, disse Marcelo Silva, presidente da Abrablin, a associação nacional do setor de blindagem; país produz quatro vezes mais veículos blindados no mundo em relação ao segundo colocado

País vê demanda avançar com o crescimento da violência urbana e a queda dos preços dos sistemas de proteção
Por Leonardo Lara
15 de Dezembro, 2025 | 11:11 AM

Bloomberg — A cena é angustiante. No escuro da noite, um jipe compacto fica preso no trânsito lento de uma rua residencial no Rio de Janeiro. Dois homens em uma motocicleta param ao lado do SUV; um deles desce, levanta uma arma e a aponta para o motorista.

No Brasil, esse tipo de vídeo está em toda parte, sendo a base de programas de notícias, bate-papos em grupos de bairro e contas locais do Instagram.

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Eles são recortes de câmeras de segurança que capturam os encontros violentos quando homens emboscam carros presos em engarrafamentos ou parados em semáforos e roubam dinheiro, celulares e joias de seus ocupantes.

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Mas esse vídeo era diferente. A motorista e seu filho estavam em um carro blindado, protegido contra balas. Em vez de entregar a bolsa e o celular, ela vira o volante e se choca diretamente contra os assaltantes. Em um instante, os homens são derrubados e presos embaixo do SUV junto com sua motocicleta, esperando que a polícia os leve embora.

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O contra-ataque de alto risco e histórias semelhantes levam os brasileiros a comprar carros blindados em um ritmo recorde, já que os moradores do Rio, São Paulo e outras cidades procuram se proteger contra crimes violentos cada vez mais visíveis.

À medida que os vídeos aumentam a ansiedade, os brasileiros de classe média e alta veem a blindagem de carros como uma camada essencial de defesa além dos muros, câmeras e cercas que já protegem suas casas.

O Brasil é hoje o maior produtor de carros blindados do mundo, fabricando quatro vezes mais unidades do que o segundo colocado, o México.

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O negócio movimenta R$ 3,5 bilhões (US$ 660 milhões) por ano, com previsão de aumento da produção em um terço em apenas dois anos, à medida que os preços caem.

“O que faz com que uma pessoa busque proteção é o medo”, disse Marcelo Silva, presidente da Abrablin, a associação nacional do setor de blindagem.

“Se as pessoas perceberem que têm os meios financeiros e a possibilidade de converter seu carro comum em um veículo blindado, elas o fazem. E aqueles que dirigem um veículo blindado nunca o abandonam.”

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Esse movimento está enraizado na realidade da vida nas principais cidades do Brasil, onde os moradores passam, em média, quase duas horas por dia se deslocando, presos no trânsito que os expõe à ameaça de emboscada.

A segurança está sempre entre as principais preocupações dos brasileiros nas pesquisas de opinião pública e, embora a taxa de homicídios tenha diminuído na última década, ainda está entre as mais altas do mundo.

O país tem apenas 2,7% da população global, mas foi responsável por mais de 20% dos assassinatos em todo o mundo em 2022, de acordo com um relatório do think tank Bertelsmann Stiftung.

Funcionário da Carbon trabalhando na cabine de teste de vidro balístico. (Foto: Victor Moriyama/Bloomberg)

Com mais de 80% dos residentes urbanos do Brasil afirmando que temem caminhar em sua própria cidade e a ampla relutância da classe média e dos ricos em usar o transporte público, o deslocamento de carro é uma necessidade perigosa para muitos.

Atualmente, quase 400.000 carros blindados circulam quase imperceptivelmente pelas ruas brasileiras. Eles não são os vistosos comboios de políticos ou oficiais militares, mas sim Toyotas, Jeeps, BMWs e Volkswagens comuns que se tornaram à prova de balas.

Somente em 2024, a produção aumentou 17%, e somou 34.402 veículos. Este ano, a associação do setor espera um aumento de 16% na produção, para 40.000 unidades.

Há mais de 200 empresas no Brasil certificadas para blindar carros para civis.

Em geral, os clientes compram carros comuns nas concessionárias e depois os levam às empresas de blindagem para serem reforçados com vidros blindados e revestimentos balísticos.

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Os preços dos sistemas mais protetores e populares que o Exército permite que usuários não militares comprem - conhecidos como Nível III-A - caíram cerca de 25% na última década e agora custam de R$ 80.000 a R$ 100.000, tornando a proteção acessível a uma fatia muito maior da classe média e média-alta.

Nos níveis mais altos, a blindagem é considerada “resistente” a balas disparadas por armas comuns de rua, incluindo pistolas de alta potência, mas excluindo munição de nível militar.

Estilo de vida seguro

Nos grandes centros urbanos, os condomínios fechados com muros altos, cercas elétricas e vários pontos de controle se tornaram padrão para aqueles que podem pagar por eles. No entanto, essa sensação de controle desaparece quando os moradores entram nas ruas imprevisíveis.

Rogerio Leandro de Abreu, um empresário de 47 anos que mora perto de São Paulo, comprou seu primeiro veículo blindado em 2022 e, desde então, adicionou um segundo.

Seu trajeto não é muito longo, e ele nunca foi atacado enquanto dirigia.

Mas ele teme pela segurança de sua família quando a esposa e os dois filhos estão fora de casa e, por isso, adicionou proteção balística a dois de seus veículos, um BMW X1 e um BMW X3.

“É muito mais tranquilo dirigir com a família no carro, reduzindo o medo e a tensão quando paramos em semáforos e em engarrafamentos”, disse ele.

Ele tem um terceiro veículo não blindado na garagem e diz que evita usá-lo porque se sente inseguro. Ele está pensando em blindá-lo.

 (Foto: Victor Moriyama/Bloomberg)

A liderança do Brasil em blindagem de veículos remonta à década de 1990, em meio a uma onda de sequestros contra famílias ricas em São Paulo e no Rio de Janeiro.

Um caso de grande repercussão - o sequestro fracassado dos filhos do bilionário Jorge Paulo Lemann - ajudou a impulsionar as vendas depois que o carro blindado da família foi decisivo para a fuga.

Silva disse que o processo de blindagem era mais complicado há 20 ou 30 anos, muitas vezes exigindo material balístico extremamente pesado feito de aço que afetava o manuseio do carro.

Em geral, ele não se ajustava tão bem, muitas vezes deixando lacunas na proteção.

Ao longo de três décadas, o Brasil desenvolveu um sofisticado ecossistema de fabricação.

As empresas locais agora produzem vidro balístico, tecidos de proteção e painéis de blindagem à base de polímeros que ajudam a preservar o design e o desempenho originais dos veículos.

Essa integração vertical tornou a tecnologia brasileira competitiva no exterior.

O maior fabricante, a Carbon, sediada perto de São Paulo, blinda até 700 carros por mês e atua como fornecedor global da Volvo.

De acordo com a parceria, os carros da Volvo são enviados ao Brasil para blindagem e, em seguida, entregues a clientes na Europa, no Oriente Médio e na América Latina.

Ecossistema em expansão

À medida que o mercado amadurece, a indústria brasileira está de olho em oportunidades no exterior.

Silva disse que as empresas norte-americanas e europeias têm perguntado sobre parcerias e transferências de tecnologia.

A primeira Exposição da Indústria Brasileira de Blindagem foi realizada este ano em São Paulo, atraindo empresas e representantes do Chile, Colômbia, Equador e Costa Rica.

O boom da segurança também está gerando novos modelos de negócios.

Quando Daniil Sergunin se mudou da Suíça para o Brasil em 2020, o conselho de amigos para comprar um carro blindado parecia absurdo.

Três anos depois, ele se demitiu do cargo de vice-presidente do EuroChem Group para criar a Rhino, uma empresa de caronas compartilhadas que funciona como o Uber ou o Lyft, mas usa apenas veículos blindados.

As operações começaram em janeiro de 2024 em São Paulo. A empresa tem 300.000 usuários registrados.

Ela possui uma frota de veículos, e seus motoristas são treinados em segurança.

Sergunin não quis revelar detalhes sobre as finanças da Rhino, mas disse que ela foi fundada com um aporte inicial de R$ 25 milhões e, desde então, recebeu outros R$ 15 milhões de investidores.

Renata Porto Boccia, uma criadora de conteúdo de 34 anos que mora em São Paulo, disse que sempre fica nervosa ao sair sozinha, especialmente à noite. Ela já foi assaltada por homens armados que quebraram as janelas de um táxi em que estava.

Há cinco anos, ela comprou seu próprio carro blindado. E agora, sempre que não está dirigindo sozinha, ela contrata um Rhino para ir a jantares ou boates com amigos à noite.

“É muito perigoso, especialmente para uma mulher, andar sozinha, andar em carros que não são blindados”, disse Boccia em uma entrevista.

“Sou uma pessoa muito otimista, mas infelizmente acho que esse movimento só vai crescer daqui para frente. Não vejo nenhuma melhora na questão da violência, e o trânsito está ficando cada vez pior.”

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