Fintechs argentinas adotam o modelo Pix com o crescimento do turismo brasileiro

Inspiradas no sistema de pagamento instantâneo do Brasil, startups como a KamiPay e a Cocos, juntamente com o Mercado Pago, estão impulsionando a interoperabilidade financeira entre os dois países

O turismo entre a Argentina e o Brasil se tornou um catalisador inesperado para a inovação financeira
09 de Outubro, 2025 | 12:21 PM

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Bloomberg Línea — O turismo entre a Argentina e o Brasil se tornou um catalisador inesperado para a inovação financeira.

De acordo com dados do Instituto Nacional de Estadística y Censos de la República Argentina (Indec), os brasileiros representaram 32,3% dos visitantes estrangeiros no país em julho de 2025, enquanto milhares de argentinos viajaram para o país vizinho atraídos pelas praias, pelo clima e por uma taxa de câmbio favorável.

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Soma-se a isso a facilidade de pagamento com o Pix, o sistema de pagamento instantâneo brasileiro.

Lançado em 2020, o Pix permite transferências entre pessoas físicas e comerciantes 24 horas por dia, sem taxas e de forma imediata. Com mais de 175 milhões de usuários, tornou-se o sistema de pagamento digital mais amplamente adotado na América Latina, inspirando fintechs e bancos centrais da região a desenvolver sistemas semelhantes.

Entre as empresas argentinas que conseguiram tirar proveito dessa onda de transformação está a KamiPay, uma startup que nasceu em meio à crise cambial com uma missão clara: eliminar os atritos do dinheiro em espécie e facilitar as transações turísticas na Argentina.

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“Na Argentina, éramos um país muito barato em dólares. Para os turistas, a taxa de câmbio era muito boa, mas internamente havia um conflito: havia um dólar oficial que ninguém podia acessar. As pessoas recorriam ao mercado negro ou a cartões internacionais com uma taxa de câmbio ruim. Além disso, a cédula de maior valor era de 1.000 pesos, cerca de dois dólares, portanto, lidar com dinheiro era desconfortável e arriscado”, explicou Joaquín Frías, diretor de comunicações da KamiPay, em entrevista à Bloomberg Línea.

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A empresa desenvolveu um MVP de turismo que permitia aos visitantes brasileiros pagar em lojas argentinas com o Pix, sem usar dinheiro ou cartões.

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“Implantamos o Pix em lojas com grande fluxo de turistas. O brasileiro escaneava o QR com seu aplicativo e pagava como no Brasil. O comerciante recebia o dinheiro imediatamente, em dez segundos, e isso aumentava o tíquete médio porque o turista podia comprar mais”, disse Frías.

Esse experimento marcou o início de uma história de expansão.

Hoje, a KamiPay processa até 300.000 transações por dia, com um volume diário estimado de US$ 8 milhões durante a alta temporada.

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Sua tecnologia evoluiu para um modelo de API que permite que outras fintechs e plataformas integrem pagamentos instantâneos ao Pix.

“O KamiPay foi inspirado diretamente pela Pix, e trabalhamos lado a lado com o ecossistema deles. A ideia sempre foi trazer essa experiência de pagamentos imediatos para a Argentina e depois expandi-la entre os países. O futuro é interoperável”, diz Frías.

Volume e adoção

O progresso da KamiPay coincidiu com o surgimento de outros participantes que também estão comprometidos com a interoperabilidade.

Um deles é a Cocos, que desde sua integração com o Pix, em 2 de janeiro de 2025, já processou mais de cinco milhões de pagamentos, totalizando US$ 150 milhões em transações.

“Desde o lançamento dessa alternativa, temos sido a empresa com o maior crescimento em abertura de contas e pagamentos, chegando a 45.000 transações por dia durante a alta temporada”, disse a empresa.

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O uso do aplicativo entre os turistas é explicado por uma dupla vantagem: acesso a uma taxa de câmbio mais favorável e uma experiência mais segura e rápida.

“Somos a única plataforma regulamentada que permite que os argentinos invistam, economizem e paguem em um só lugar, além de oferecer a taxa de câmbio mais competitiva do Brasil, quase 10% mais barata do que outras opções”, acrescentaram em um comunicado compartilhado com a Bloomberg Línea .

A rigor, não há um único aplicativo na Argentina que seja regulamentado e permita investir, poupar e pagar em um único lugar.

Florianópolis se tornou o epicentro das operações da Pix por meio da Cocos, seguida por Rio de Janeiro, São Paulo, Itajaí e Ipanema.

Grandes também participam

No segmento de grandes players, o Mercado Pago também deu passos firmes em direção à interoperabilidade regional.

“No Mercado Pago, temos avançado no desenvolvimento de pagamentos internacionais para simplificar a experiência das pessoas quando viajam e para acompanhar o crescimento dos comerciantes que escolhem nossas soluções de pagamento”, disse a empresa em uma resposta por e-mail à Bloomberg Línea.

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Desde fevereiro de 2025, os comerciantes argentinos podem cobrar os turistas brasileiros com o Pix por meio de seus terminais POS Point Smart.

E desde dezembro de 2024, os argentinos que viajam para o Uruguai agora podem pagar diretamente com sua conta digital do Mercado Pago nos QRs da empresa.

“Devido ao grande número de brasileiros que visitam nosso país, essa solução foi muito procurada pelos comerciantes que usam o Mercado Pago para receber suas vendas”, acrescentaram.

O benefício, segundo eles, é mútuo: os empresários têm acesso instantâneo ao dinheiro, sem taxas adicionais, e os turistas podem pagar com sua carteira habitual, sem a necessidade de trocar moeda ou usar dinheiro.

Um novo mapa

O avanço do Pix para além do Brasil não é uma coincidência.

A América Latina está passando por uma mudança estrutural em sua infraestrutura de pagamentos, impulsionada por sistemas instantâneos nacionais, como o Transferencias 3.0 na Argentina ou o CoDi no México, que buscam digitalizar o dinheiro e reduzir o uso de dinheiro em espécie.

“O que o Brasil conseguiu foi estabelecer um padrão público, gratuito e confiável para toda a população. E isso está inspirando todo o continente”, resume Frías.

Para as fintechs argentinas, a interoperabilidade com o Pix representa não apenas uma oportunidade tecnológica, mas também econômica. Em um ambiente de inflação crônica e restrições monetárias, as carteiras digitais estão se tornando pontes financeiras para viajantes e pequenas empresas.

“O futuro será de pagamentos interoperáveis, não importa em que país você esteja. Um turista pode pagar com o sistema que ele já conhece e no qual confia, sem atrito”, diz Frías.