Bloomberg — Quando o CEO da Novo Nordisk, Lars Fruergaard Jorgensen, entrou em uma videochamada pelo Teams com o presidente do conselho, Helge Lund, ele esperava uma conversa comum.
Em vez disso, Jorgensen disse que Lund efetivamente lhe informou que ele precisava ir embora.
Depois de uma queda de 53% no último ano no preço das ações da fabricante das canetas para o tratamento de obesidade Wegovy e de diabetes tipo 2 Ozempic, de reveses nos testes de novos medicamentos para perda de peso e da intensificação da concorrência da Eli Lilly, a fundação que controla a Novo Nordisk informou ao conselho que estava insatisfeita com os rumos da companhia dinamarquesa.
Assim, na sexta-feira, a Novo Nordisk (NVO) tornou público que vai substituir Jorgensen, o executivo que levou ao mercado uma das maiores franquias de medicamentos da última década com o Ozempic e o Wegovy - blockbusters de US$ 26 bilhões em vendas que se transformaram em uma “febre” entre celebridades e um fenômeno cultural global.
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“Eu respeito isso”, disse Jorgensen, 58 anos, em uma entrevista à Bloomberg News. “Acho que isso faz parte do jogo, por assim dizer. Não cabe a mim julgar os critérios.”
A mudança foi uma surpresa tanto para o mercado quanto para o executivo, que está na companhia desde 1991.
Jorgensen disse que, após a ligação por meio do Teams e as reuniões presenciais que se seguiram ao longo de pouco mais de um dia, ficou claro para ele que Lund e o conselho da Novo estavam à procura de um novo líder para a empresa que perde rapidamente seu lugar de destaque no mercado de tratamentos para obesidade.
Sua arquirrival Lilly avança com o Zepbound, um medicamento para obesidade que já provou ser capaz de reduzir mais quilos do que o Wegovy.
A concorrência é mais acirrada, com a Lilly na liderança da corrida por uma pílula para obesidade potente e fácil de tomar.
O candidato de próxima geração da Novo, o CagriSema, uma injeção que se baseia em seu sucesso de vendas atual, a semaglutida (o principal componente do Ozempic e do Wegovy), ficou aquém das expectativas da empresa e de analistas nos testes clínicos.
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A Novo examinará candidatos externos e internos para o próximo CEO, disse o presidente do conselho em uma entrevista à Bloomberg News.
A farmacêutica teve cinco CEOs em seu século de história, e nenhum deles veio de fora da empresa.
Embora em uma call com analistas, Lund tenha dito repetidamente que a estratégia da Novo permaneceria a mesma, na entrevista, ele foi mais sutil.
O “plano de jogo” da Novo “deve evoluir e mudar para se adequar ao mercado e ao ambiente”, disse ele.
Para Lund, a turbulência na Novo coincide com um período tumultuado que ele atravessou em outra empresa: a BP.
No mês passado, ele disse que deixaria o cargo de presidente do conselho da BP, dado que a gigante de energia do Reino Unido luta para reconquistar a confiança de investidores após duas grandes mudanças de estratégia sob sua supervisão.
O valor de mercado da BP quando Lund se tornou presidente do conselho era de cerca de US$ 106 bilhões. Agora, é de cerca de US$ 78 bilhões.
Mudança sem precedentes
Na Novo, a saída de Jorgensen é uma medida sem precedentes para uma empresa que se orgulha de sua estabilidade.
A rapidez da ação é um reflexo do poder do maior acionista da farmacêutica dinamarquesa, a Fundação Novo Nordisk, que exerce enorme influência sobre a forma como a empresa é administrada.
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Jorgensen disse que, antes do telefonema com Lund, ele sempre sentiu um forte apoio do conselho da Novo.
“Não há questões pendentes entre a diretoria e o conselho”, disse ele. “Não houve, digamos, lacunas na escolha estratégica. Sempre senti um forte apoio na direção que seguimos com base em análises adequadas das opções estratégicas e das escolhas que fizemos.”
Como muitos outros gerentes da Novo, Jorgensen passou sua carreira na empresa, que há muito tempo se concentra no mercado de diabetes. A insulina sempre foi o principal produto da Novo.
Quando Jorgensen assumiu o cargo de CEO em 2017, a empresa passava por uma mudança em direção ao tratamento não apenas do diabetes mas também da obesidade.
O Ozempic chegou aos EUA em 2018. Em 2021, Jorgensen lançou seu “tratamento irmão”, o Wegovy, para perda de peso, no mercado americano.
As ações da Novo dispararam quando ficou claro que os novos e poderosos medicamentos estavam criando um novo mercado para tratamentos de obesidade.
Em 2023, a empresa provou que o Wegovy poderia reduzir o risco de ataques cardíacos e derrames, um passo crucial para que as seguradoras pagassem pelos tratamentos caros.

Começo dos desafios
Mas, há pouco menos de um ano, os desafios da Novo começaram a se acumular. A empresa teve que defender seus preços para o Ozempic e o Wegovy no Congresso americano, e Jorgensen foi questionado pelo democrata Bernie Sanders durante uma audiência no Senado.
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Logo em seguida, o CagriSema não conseguiu atingir seu potencial, enquanto os medicamentos da Lilly obtiveram vitórias clínicas.
A Novo também continuou a enfrentar dificuldades para atender à demanda pelo Wegovy, um fator que, segundo alguns analistas, também ajudou a inclinar o mercado para a vacina concorrente da Lilly.
“No ano passado, quando a Novo não estava enviando as doses iniciais do Wegovy, acho que eles começaram a criar um ambiente mais favorável para a Lilly. Acho que eles começaram a criar uma mudança mais permanente no mercado”, disse Evan Seigerman, analista da BMO Capital Markets.
“Se um médico tem a opção de indicar Zepbound ou Wegovy e continua a prescrever receitas de Wegovy, mas o paciente não consegue encontrar o medicamento, tem que prescrever uma receita de Zepbound... Você só faz isso algumas vezes até dizer: ‘Quer saber, estou farto disso. Vou mudar permanentemente meus hábitos de prescrição para o Zepbound’.”
Retorno do antecessor
A saída do CEO prepara o terreno para um retorno do antecessor de Jorgensen, Lars Rebien Sorensen, que liderou a Novo nos primeiros 16 anos da década de 2000. Ele agora se juntará ao conselho de supervisão, inicialmente como observador e como membro pleno do conselho a partir do próximo ano.
A fundação emitiu uma declaração de apoio a Sorensen, dizendo que sua “experiência e percepções serão valiosas”.
Fundação filantrópica mais rica do mundo, a Fundação Novo controla a farmacêutica por meio de uma estrutura de ações de dois níveis que lhe dá 77% de participação com direito a voto na empresa, apesar de deter 28% de seu capital social.
Seus ativos perderam 4,8% em valor no ano passado, para 1,06 trilhão de coroas dinamarquesas (US$ 159 bilhões), cerca de duas vezes mais do que a Fundação Gates.
“A Novo já está tão deprimida que achamos que ela oferece um valor decente para aqueles que conseguem enxergar a incerteza de curto prazo”, disse Mark Ellis, gestor de portfólio da Nutshell Asset Management, cujo fundo de growth detém ações da Novo que valem cerca de £ 6,5 milhões (US$ 8,6 milhões).
Mas, para muitos funcionários, a notícia foi um choque.
Em um vídeo publicado pela emissora dinamarquesa TV2 na sexta-feira, os funcionários aplaudem enquanto Jorgensen desce as escadas do átrio central aberto e de vários andares da sede da farmacêutica.
“Você foi realmente um farol para todos nós”, escreveu Jacob Petersen, chefe de diabetes, obesidade e MASH (esteato-hepatite associada à disfunção metabólica) da Novo, no LinkedIn.
-- Com a colaboração de Sanne Wass, Madison Muller, Christian Wienberg e Mitchell Ferman.
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