Entre protestos, Shein renova ambição global com primeira loja física em Paris

Gigante asiática online enfrentou resistência local ao abrir uma unidade física na capital da moda mundial, mas as tentativas de barrar a empresa de fast fashion na França não têm surtido efeito

Shein
Por Jenny Che
22 de Dezembro, 2025 | 03:08 PM

Bloomberg — A escolha de Paris pela Shein para abrir sua primeira loja física provocou um furor entre varejistas e políticos franceses, preocupados com o possível impacto da varejista de fast fashion sobre os negócios locais.

Ainda assim, quase dois meses depois da abertura das portas, as tentativas de barrar a Shein na França não têm surtido efeito.

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Um tribunal de Paris rejeitou na sexta-feira (19) um pedido do governo para suspender temporariamente a plataforma online da empresa por causa da venda de bonecas sexuais com aparência infantil e de armas, classificando a proibição como desproporcional.

A gigante do comércio eletrônico, cujo modelo de moda ultrabarata e de alto volume virou o varejo tradicional de cabeça para baixo, dá sinais de que veio para ficar na França, apesar do coro de protestos de todo o espectro político que marcou a inauguração da loja.

“Enquanto seus produtos forem bem recebidos pelos consumidores, a Shein acabará prevalecendo”, disse Sai Lan, professora associada de inovação e empreendedorismo no campus de Xangai da EM Lyon Business School.

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Fundada na China e hoje sediada em Singapura, a Shein se tornou um colosso do comércio eletrônico. Sua decisão de abrir uma loja física na cidade onde Coco Chanel e Christian Dior ganharam fama parece ter como objetivo conquistar um certo grau de legitimidade depois da expansão da empresa em outros mercados, como o Brasil.

Vitrine parisiense

Ao anunciar a chegada da Shein a Paris, o presidente executivo do conselho, Donald Tang, afirmou que o grupo estava “honrando sua posição como uma capital-chave da moda e abraçando seu espírito de criatividade e excelência”.

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“Paris é uma vitrine para eles”, disse Olivier Lamotte, professor de estratégia internacional da EM Normandie Business School.

Localizada no último andar da histórica loja de departamentos BHV Marais, não muito longe da catedral de Notre-Dame, a unidade da Shein é justamente essa vitrine que o establishment do varejo francês combate com veemência. Yann Rivoallan, presidente da federação francesa de prêt-à-porter feminino, disse que a loja enfraquece a imagem da moda francesa.

Shein

Plataformas como a Shein e o marketplace online Temu “colocam em risco a segurança dos consumidores, enfraquecem nossos negócios, destroem empregos e ameaçam a vitalidade de nossas regiões”, afirmaram associações do comércio varejista em um comunicado divulgado em novembro.

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Ainda assim, em um dia de semana recente, os corredores tranquilos da loja parisiense contrastavam fortemente com o alvoroço que cercou sua abertura. Apenas um dos dez caixas da Shein estava em funcionamento, enquanto poucos clientes circulavam entre vestidos de coquetel de poliéster e jaquetas de couro sintético.

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Alguns consumidores se filmavam caminhando pelo espaço de 1.000 metros quadrados, enquanto outros comentavam em voz baixa que era melhor ver as roupas na loja e depois comprá-las online por um preço menor. Em outras palavras, parecia muito com qualquer outra loja.

Paris pode ser conhecida por suas butiques de luxo, onde turistas fazem fila para comprar bolsas da Louis Vuitton e da Hermès, mas a cidade não é estranha ao fast fashion. Lojas da H&M, Zara e Uniqlo se espalham pelos bulevares, atendendo consumidores em busca de roupas produzidas em massa a preços baixos.

Críticos, porém, afirmam que a Shein leva as práticas do setor a um extremo perigoso. Seus produtos ultrabaratos intensificaram preocupações com danos ambientais, geração de resíduos e condições de trabalho em sua cadeia de fornecedores.

A empresa costuma obter avaliações piores do que as de concorrentes em métricas de poluição climática e resíduos. As autoridades francesas multaram a companhia em € 40 milhões no início deste ano por práticas de venda enganosas.

O crescimento acelerado da Shein na França, como em outros países, foi impulsionado em parte pelo aumento do custo de vida. E, mesmo com a desaceleração da inflação, os consumidores continuam comprando produtos baratos, seja fast fashion ou itens de segunda mão em plataformas como a Vinted.

As vendas da Shein e de seus pares no comércio eletrônico, Temu e AliExpress, já representam 6% do total de vendas de roupas na França em volume e 2% em valor, segundo dados do Institut Français de la Mode.

Além disso, 10% dos consumidores no país dizem que a Shein está entre os varejistas onde mais compram, nível semelhante ao da H&M e da Zara, de acordo com uma pesquisa da AlixPartners em parceria com o YouGov.

“O consumidor sempre vai buscar o menor preço, e o menor preço vem de quem tem as estruturas de custo mais competitivas”, disse Olivier Abtan, sócio e diretor-gerente da AlixPartners, a jornalistas em Paris.

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Embora a Shein atue no país há anos, a indignação francesa se concentrou em torno da loja de Paris. Dias antes da inauguração, o órgão antifraude do Ministério da Economia anunciou que havia denunciado a Shein por vender, em seu marketplace de terceiros, bonecas sexuais semelhantes a crianças.

Pouco depois, um segundo relatório foi apresentado por um parlamentar, apontando a venda de armas, incluindo facões e soqueiras.

Um procedimento administrativo inicial para suspender a Shein não avançou depois que a empresa retirou as bonecas sexuais e as armas em questão e interrompeu as vendas no marketplace.

Shein

Após a decisão judicial de sexta-feira, a Shein afirmou que recebeu o veredicto de forma positiva e que tem “intensificado” os esforços para aprimorar seus processos de controle em conjunto com as autoridades francesas. O governo da França disse que pretende recorrer.

A França também tem pressionado por controles mais rígidos em todo o continente, incluindo a defesa de uma taxa temporária de € 3 sobre pequenos pacotes antes da adoção de um imposto permanente em 2028.

A medida, que deve entrar em vigor em julho de 2026, acabará com a isenção de tarifas alfandegárias para mercadorias avaliadas em menos de € 150 — um fator-chave para o crescimento acelerado de plataformas como a Shein. O Brasil adotou um imposto semelhante sobre compras de pequenos valor em 2024.

O número de pequenos pacotes declarados que entram na França aumentou 45% em 2024, para 189,4 milhões, embora o ritmo de crescimento deva desacelerar neste ano, segundo a alfândega do Ministério da Economia. O valor mediano de um item agora é de € 3,4, e 97% dos produtos enviados vêm da China.

Pelo menos uma dúzia de marcas francesas fecharam as portas ou chegaram perto do colapso nos últimos anos, incluindo Kookaï, Camaïeu, Pimkie e Naf Naf, atingidas tanto pela covid-19 quanto por plataformas mais ágeis como a Shein.

As lojas fecharam durante a pandemia, levando mais clientes a comprar online, e os varejistas demoraram a adotar uma estratégia digital, mesmo enquanto a Shein analisava redes sociais em busca de tendências e lançava milhares de novos itens por dia para atender a gostos voláteis.

“A indústria da moda francesa se deixou ultrapassar completamente” pela Shein, disse Sandrine Zerbib, que dirige a consultoria ZW Conseil. “Não implementamos ferramentas que nos permitam atender à demanda. Se quisermos ser competitivos, precisamos fazer o que os consumidores estão pedindo.”

Em entrevistas, outros especialistas afirmaram que uma legislação mais rigorosa, mais do que uma mudança de abordagem dos varejistas franceses, seria necessária.

“A solução virá da política pública”, disse Anne-Sophie Alsif, economista-chefe da empresa de auditoria e consultoria BDO France. “As empresas precisam respeitar nossas regras e nossos padrões, e muitas marcas estão sofrendo por causa dessa concorrência desleal.”

Rivoallan, da federação de prêt-à-porter feminino, afirmou que os consumidores perderam a noção do valor das roupas.

“A Shein faz as pessoas acreditarem que uma camiseta vale três euros”, disse ele. “Perdemos a compreensão do que é um material de qualidade; agora tudo se resume ao prazer de ter roupas baratas.”

Ministros do governo renovaram apelos por produtos fabricados localmente, mas muitos rótulos “made in France” têm dificuldade para alcançar volumes suficientes que permitam reduzir preços. Grandes varejistas transferiram a produção para fora do país há décadas.

No BHV Marais, luzes de Natal descem pela fachada que, um mês atrás, estava adornada com um enorme cartaz de Tang, da Shein, e de Frédéric Merlin, presidente da Societe des Grands Magasins, controladora da loja de departamentos. Autoridades da prefeitura, do outro lado da rua, haviam classificado o painel como uma “provocação”.

“A França é um país de paradoxos”, disse Lamotte, professor da EM Normandie. “Queremos defender a soberania e houve uma reação exagerada dos políticos, e ao mesmo tempo existe uma forte demanda dos consumidores.”

-- Com a colaboração de Angelina Rascouet e Victoria Cagol e informações adicionais da Bloomberg Línea sobre a atuação da Shein no Brasil.

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