Como a saída da Nippon pressiona a Ternium sobre questões cruciais da Usiminas

Após mais de 60 anos como acionista na siderúrgica mineira, a empresa japonesa vendeu sua participação total para a ítalo-argentina, que consolida seu protagonismo na região. Desafios vão da descarbonização à necessidade de investimentos

Unidade de produção da Usiminas: cenário instável para a siderurgia amplia os desafios de gestão de grandes empresas (Foto: Divulgação/Usiminas)
06 de Novembro, 2025 | 05:03 AM

Bloomberg Línea — Depois de mais de 60 anos como acionista da Usiminas (USIM5), a Nippon Steel assinou a venda da sua participação remanescente no capital da siderúrgica mineira para a Ternium (TX), o que eleva o protagonismo do grupo ítalo-argentino no mercado brasileiro e na América Latina.

Com o movimento, o grupo Techint, que controla a Ternium, emerge como uma gigante siderúrgica na região, principalmente do ponto de vista das operações no Brasil. Apesar dos ganhos, o conglomerado terá desafios importantes para garantir o futuro da Usiminas, que vão do aço ao valioso negócio de minério de ferro.

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Nesta quarta-feira (5), foi anunciado um acordo para a venda da fatia da Nippon na Usiminas para a Ternium. O grupo japonês deixa de ser acionista e a Ternium passa a deter uma participação de aproximadamente 92,9% das ações da companhia mineira, sendo 71% com poder de voto.

A conclusão está sujeita a condições, como a aprovação da operação pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).

Em mensagem enviada aos funcionários da Usiminas pela Nippon Steel, a qual a Bloomberg Línea teve acesso, o vice-chairman do grupo e responsável pelos negócios internacionais da empresa, Takahiro Mori, tratou de algumas das razões que levaram à decisão.

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Segundo o executivo, a Nippon decidiu pelo acordo para que a Usiminas possa responder de forma ainda mais precisa aos desafios futuros, como “a materialização das iniciativas para o reforço e melhora da base produtiva, atendimento às demandas de descarbonização e, acima de tudo, alcançar maior desenvolvimento e aumento no valor corporativo”.

Na carta, o executivo acrescentou a história da siderúrgica brasileira “não foi somente de ventos favoráveis, pelo contrário, ela enfrentou diversas turbulências”, mas que superou “todas as dificuldades e chegou aonde está graças à determinação e esforços incessantes dos pioneiros”, além dos funcionários atuais.

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No terceiro trimestre, a Usiminas registrou vendas de 1,1 milhão de toneladas de aço e de 2,5 milhões de toneladas de minério de ferro pelo seu braço de mineração, a MUSA. A geração de caixa operacional medida pelo lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (Ebitda ajustado) alcançou R$ 434 milhões no período, e a receita líquida total, R$ 6,6 bilhões.

De julho a setembro, a companhia apurou um prejuízo líquido de R$ 3,5 bilhões, impacto de um evento não recorrente (e não caixa) de reconhecimento de “impairment” de ativos, além de imposto de renda e contribuição social.

Procuradas, Usiminas e Ternium afirmaram que não vão comentar o acordo.

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Em abril de 2023, a Ternium assumiu o controle da Usiminas após comprar uma fatia relevante da Nippon, passando a deter 49,5% das ações ordinárias, enquanto a japonesa ficou com 22,8% dos papéis com direito a voto.

O acordo previa direito de saída da Nippon após dois anos, o que era esperado por fontes ligadas às empresas, uma vez que a relação entre japoneses e argentinos se tornava cada vez mais difícil.

Para uma pessoa próxima à Usiminas, que falou com a Bloomberg Línea sob condição de anonimato ao tratar assuntos privados, o grupo japonês só permaneceu como acionista devido aos contratos relacionados à tecnologia e à manutenção, como a reforma do alto-forno 3 de Ipatinga, em Minas Gerais.

A decisão da Nippon também teria sido impulsionada pelo avanço dos investimentos da companhia nos Estados Unidos.

Em junho, o grupo japonês concluiu a aquisição da United States Steel (US Steel) por US$ 14,1 bilhões, após 18 meses de negociações que incluíram um veto da operação pelo então presidente Joe Biden por questões de “segurança nacional”. A transação criou um dos maiores conglomerados siderúrgicos do mundo.

Em resposta à Bloomberg Línea, a Nippon Steel afirmou que a perspectiva do grupo para o mercado brasileiro “é desafiadora” e que a diretriz da companhia é “concentrar seus recursos de gestão nas regiões que considera como principais, na América do Norte, na Índia e na Tailândia”.

Fechamento de capital à vista?

Segundo um executivo familiarizado com o acordo, que falou sob anonimato por não ter autorização para tratar do tema, com o acordo a Ternium ganha ainda mais força no Brasil e espera-se que haja uma grande otimização de suas operações no país. Em sua avaliação, há uma chance “razoável” de, no futuro, a Ternium fechar o capital da Usiminas.

Além de operações nas Américas, a Ternium detém no Brasil a unidade de tubos de aço Tenaris e a antiga Companhia Siderúrgica do Atlântico (CSA), nascida de uma joint venture entre a Vale e a Thyssenkrupp no Rio de Janeiro, posteriormente adquirida pelo grupo argentino.

A unidade do Rio é a principal fornecedora de placas de aço para a usina de Cubatão (na Baixada Santista) da Usiminas, que hoje só produz laminados. A chamada “área primária”, com alto-forno e produção de aço bruto, foi desligada em 2016 e hoje está fortemente deteriorada, segundo inúmeras fontes ouvidas pela reportagem.

Força regional

A Ternium é o braço siderúrgico do grupo Techint, o maior conglomerado industrial da Argentina, liderado por um dos empresários mais ricos e influentes do país, Paolo Rocca - principal figura do setor industrial do país vizinho.

Apesar da influência e da larga escala de seus negócios, Rocca participa amplamente do dia a dia das empresas, visitando fábricas semanalmente.

Seu perfil assemelha-se ao de outra figura emblemática da indústria do aço, Benjamin Steinbruch, da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), do Rio de Janeiro.

O grupo é acionista da Usiminas com uma fatia de 5%, após deter uma participação significativa e ser obrigado, por decisão do Cade, a se desfazer de posições na rival.

A Ternium possui 18 centros produtivos distribuídos pelas Américas, sendo a Argentina, o México e o Brasil os principais mercados.

O equivalente a 49,2% da produção de aço é vendida no México, 26,4% no Brasil e 13,2% para Argentina, Bolívia, Chile, Paraguai e Uruguai. Apenas 4% é exportado para os Estados Unidos, o que significa uma baixa exposição às tarifas sobre a commodity impostas por Donald Trump.

No terceiro trimestre de 2025, a Ternium acumulou vendas de aço de 3,8 milhões de toneladas e de 2 milhões de toneladas na mineração. No período, a empresa registrou receita de US$ 3,9 bilhões, mas um prejuízo de US$ 270 milhões.

O grupo também atua na construção civil em larga escala, por meio da Techint, na fabricação de tubos para a indústria petrolífera, por meio da Tenaris, e é operador de petróleo e gás com forte presença no megaprojeto de Vaca Muerta, por meio da Tecpetrol.

Na avaliação de Ignacio Sniechowski, chefe de research da corretora argentina IEB, o acordo é uma “ótima notícia para a Ternium, confirmando sua liderança como uma das maiores produtoras de aço do mundo”.

Para Ilan Arbetman, analista da Ativa Investimentos, a siderurgia brasileira vem sendo impactada fortemente pelas importações chinesas e pela demanda “morna”, o que afeta os preços da commodity.

“Há uma volatilidade muito grande no cenário para a siderurgia, o que pesa no fluxo de caixa livre da Usiminas. Isso faz com que o papel da companhia seja negociado a um preço [’price to book’] baixo”, avaliou.

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Arbetman afirmou que a operação de mineração da Usiminas, de aproximadamente 9 milhões de toneladas por ano, traz um resultado forte e previsível para a companhia.

O analista lembrou, por outro lado, que a MUSA tem direitos exploratórios de minério de ferro em sua unidade somente até 2029, o que obriga o grupo a avançar com o projeto batizado de “Compactos”, para estender a vida útil da mina.

O analista acrescentou que o mercado espera que o investimento (capex) para o projeto alcance entre US$ 1 bilhão e US$ 1,5 bilhão. E calculou que, se o custo for mais próximo do teto da estimativa, o valor ultrapassa o atual market cap da Usiminas, hoje em torno de R$ 6 bilhões.

“Quanto mais se aproxima 2029, mais urgente se torna o desenvolvimento do projeto Compactos”, disse.

Nesse sentido, o aumento da participação da Ternium na Usiminas pode abrir caminho para a realização do investimento necessário.

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