Bloomberg Línea — Como amplificar o alcance de uma marca de moda em um país com dimensões continentais como o Brasil, com tantas particularidades regionais?
Para a Reserva, marca de moda masculina que faz parte da holding Azzas 2154, o caminho passa pela associação com uma “paixão nacional” (com o perdão do clichê), e os resultados até aqui em quase quatro anos atestam o acerto da estratégia.
Hoje como parceira oficial de moda de 10 grandes clubes do país, de seis estados - Flamengo, Vasco, Botafogo, Internacional, Grêmio, São Paulo, Atlético Mineiro, Cruzeiro, Goiás e Sport -, a Reserva acaba de atingir a marca de R$ 100 milhões em vendas e, tão relevante quanto, uma projeção crescente.
Para 2026, a estimativa é crescer as vendas em 50%.
“A nossa principal estratégia hoje é levar a marca para o nível nacional cada vez mais. E, com o futebol, conseguimos ‘furar a bolha’. Muitas pessoas acabam conhecendo a marca por meio do clube e do futebol”, disse Joana Bittencourt, diretora das marcas Reserva, em entrevista à Bloomberg Línea.
Segundo a executiva, a Reserva tem se posicionado como a marca de moda dos times, alinhada a um movimento global em que o futebol sai do segmento esportivo em si e ganha espaço como peça casual para diferentes ocasiões.
Na Europa, há casos famosos como a parceria da Dior com o Paris Saint-Germain, da Levi’s com o Liverpool e da Replay com a Atalanta, entre outros.
“Hoje se fala tanto em comunidade [na estratégia das marcas], e o futebol é uma grande comunidade”, disse Bittencourt.
“O futebol faz parte da memória afetiva do brasileiro e está presente nas conversas de família e nos encontros entre gerações”, completou.
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Como parte do plano para a categoria, a marca lançou uma campanha para o Dia dos Pais com o mote “O que a paixão junta, nada separa” e promoveu um encontro de ídolos de diferentes gerações de clubes no Maracanã no início do mês.
Um ponto fundamental da estratégia é que as parcerias com os clubes - assim como com outras marcas - são pensadas e renovadas com uma perspectiva de longo prazo, segundo ressaltou Pedro Cardoso, diretor de Novos Negócios da Reserva, na mesma entrevista.
“Até hoje não desfizemos uma parceria. Temos com a Senna Brands, com o cantor Thiaguinho e o canal Acelerados, do Rubens Barrichello, entre outras. Há parcerias que chegam a oito, dez anos”, disse Cardoso.
“Muitas marcas no mercado fazem o licenciamento em parcerias pontuais, com o lançamento de uma coleção, e depois encerram. Nós temos coleções de inverno e verão e o plano é crescer junto com os times com o passar dos anos”, disse Bittencourt.
Essa construção de longo prazo se traduz em estar presente em momentos especiais para cada clube, segundo a executiva, como foi o caso da participação de Flamengo e Botafogo no recém-disputado Mundial de Clubes da Fifa nos Estados Unidos, o primeiro em formato estendido com 32 participantes.
“Nós produzimos a roupa de viagem para as delegações e os jogadores, mesmo que isso não tenha sido transformado em coleção para as lojas”, disse Bittencourt.
De forma semelhante, a Reserva faz uso de impressoras DTG (Direct to Garment Printing) para produzir com agilidade camisetas comemorativas que são colocadas à venda minutos depois da conquista de uma competição - e são um sucesso comercial, dado o consumo guiado pela emoção de torcedores.
No modelo de negócios adotado, a Reserva paga uma taxa de licenciamento para cada clube pelo uso da marca e também recebe como licenciante ao ter a venda de suas coleções em lojas oficiais de cada agremiação espalhadas pelas cidades.
O processo criativo de novas coleções inclui de pesquisa histórica sobre origens e momentos importantes de cada clube a conversas com torcedores para entender novas tendências, como cantos de estádio, para que as peças possam, no fim do dia, dialogar com a identidade de cada agremiação, explicou Cardoso.
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As coleções da Reserva com clubes de futebol também atendem a uma demanda crescente de crianças por peças de seus clubes, aliada a uma preocupação de mães em particular de que não seja literalmente uma camisa de jogo - “em festas infantis no Rio, vemos esse fenômeno muito presente”, contou a executiva.
E também o público feminino, dado que algumas peças de vestuário são pensadas para uma demanda unissex. As coleções incluem de camisetas - o item que mais vende - a tênis, mochilas, moletons, jaquetas e bermudas, entre outros.
Dilemas enfrentados
A primeira coleção da Reserva, marca fundada por Rony Meisler, com um clube foi lançada em 2022 com o Flamengo.
Na ocasião, lembrou Cardoso, houve um receio inicial relacionado - e naturalmente compreensível - a uma possível reação adversa de torcedores dos outros grandes clubes do Rio de Janeiro, no caso, de Vasco da Gama, Fluminense e Botafogo.
“Mas prevaleceu a decisão de fazer algo novo e ocupar esse espaço. Dali nasceu o conceito que chamamos de sermos o Official Fashion Partner dos clubes, o que significava não produzir peças que as marcas esportivas faziam, como camisas de estádio, com tecido jersey etc.“, disse Cardoso.
“Produzimos coleções casuais, roupas de viagem, ternos, que não conflitassem com o que é puramente esportivo e algo que já existia na Europa.”

Essa parceria com o Flamengo se manteve como a única da Reserva com um clube por cerca de um ano e meio, até que, em 2023, veio com o Vasco.
Nesse momento, houve novo momento de dilema para a marca, segundo lembraram os executivos, relacionado a uma característica que, por décadas, se traduziu como referência para marcas de moda nascidas no Rio de Janeiro: explorar apenas temáticas da “Cidade Maravilhosa” nas coleções.
“Eu e Joana fomos defensores da tese de que a Reserva era - e é - uma marca nacional e que, como tal, tínhamos que buscar parcerias com clubes de futebol de outros estados que não apenas o Rio de Janeiro”, disse Cardoso.
Essa concepção prevaleceu e então vieram as parcerias com os demais clubes citados. As duas mais recentes lançadas, no fim de julho, com Goiás e Sport.
Coleções com dois novos clubes devem ser lançadas até o fim deste ano, segundo eles, sem revelar os nomes - um deles, outro grande de São Paulo.
“A princípio, serão esses 12 clubes, pensando no que entendemos como nosso limite para conseguir atender e criar coleções com qualidade”, disse Cardoso. “Não temos a ambição, por exemplo, de fazer coleções para todos os clubes.”
Bittencourt ressaltou que a nacionalização da marca se traduz em uma estrutura que já conta com mais de 200 lojas e distribuição em todos os estados. Isso significa levar as coleções dos clubes a todos os canais, seja o digital mas também as lojas próprias e as multimarcas, dentro do que faz sentido em cada caso.
Relação remonta ao São Cristóvão do Fenômeno
A associação da Reserva com o futebol não é exatamente uma novidade. E começou cerca de dez anos atrás, contaram os executivos.
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A sede da marca ficava no bairro de São Cristóvão, na zona norte do Rio de Janeiro, vizinho ao clube de mesmo nome conhecido por ter revelado o craque Ronaldo - e onde havia um muro em que estava escrito “Aqui nasceu o Fenômeno”.
O apoio financeiro ao clube levou a marca a estampar junto ao muro “E também a Reserva”, contou Cardoso.
Segundo ele, naquele momento, marcas de moda masculina voltadas para a classe A em geral evitavam se associar ao futebol, como se houvesse um estigma. Modalidades como polo, golfe e vela tinham mais espaço como inspiração para as coleções.
Depois do São Cristóvão, a Reserva passou a estampar a sua marca na proteção atrás dos bancos de reserva do Maracanã, que ficava voltada para a seção das cadeiras especiais do mítico estádio.
Depois vieram duas coleções com tal temática: uma em 2018 que explorava jogadores que ficaram famosos saindo da reserva e outra com o ex-craque do Flamengo e da seleção brasileira Zico. Até que veio a coleção com o clube rubro-negro.
Para os dois executivos, a frente de negócios de parcerias com clubes de futebol é uma avenida de crescimento que ainda tem muito a ser explorada.
E isso inclui ações relacionadas à Copa do Mundo de 2026, respeitadas as questões de licenciamento da Fifa com o principal evento esportivo global.
“Queremos aprofundar cada vez mais essa relação com os clubes e não perder essa capacidade de entender e encantar o torcedor, com o desafio de descobrir como levar inovações, inclusive da moda, para cada coleção”, disse Cardoso.
-- Matéria corrigida com a informação de que, atualmente, as parcerias são com 10 clubes brasileiros. A previsão é encerrar o ano com 12.
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