Clínicas psiquiátricas são alvo de M&A em onda de consolidação do setor no Brasil

ViV Saúde Mental, maior grupo do setor e que conta com Teman Capital e Vinci Compass como investidoras, compra Estância Resiliência, do Distrito Federal, e amplia liderança; alta de casos de transtornos mentais evidencia importância do setor

Unidade da ViV Saúde Mental
04 de Setembro, 2025 | 05:00 AM

Bloomberg Línea — O crescimento do número de casos de transtornos mentais no Brasil após a pandemia deixou a área de psiquiatria no radar de negócios no setor de saúde. Fundos de private equity, incluindo estrangeiros, exploram oportunidades de consolidação diante do aumento da demanda e da redução de leitos públicos.

A ViV Saúde Mental e Emocional, considerada o maior player do segmento e que tem a Teman Capital e a Vinci Compass como investidores, ilustra o movimento e acaba de acertar a aquisição da Estância Resiliência, clínica em Planaltina, no Distrito Federal, em negócio recém-acertado e divulgado em primeira mão pela Bloomberg Línea.

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Os valores da transação não foram revelados.

A unidade possui 115 leitos distribuídos em alas masculina e feminina e atende pacientes com transtornos mentais e dependência química.

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“O propósito é ampliar o acesso a tratamentos psiquiátricos de alta complexidade, respeitando a singularidade de cada paciente e contribuindo para o desenvolvimento de comunidades mais saudáveis”, afirmou João Coelho, diretor operacional da região Centro-Oeste do Grupo ViV, em comunicado.

A operação marca a segunda unidade da ViV no Distrito Federal. O grupo já opera a clínica Crescer na região sul de Brasília, com capacidade para 155 pacientes e ala dedicada ao atendimento infanto-juvenil. Com a aquisição, a empresa passa a atuar nas regiões administrativas Sul e Norte do DF.

A ViV foi fundada em 2022 e, em no começo do ano seguinte, a Teman Capital e a Vinci levantaram cerca de R$ 500 milhões para consolidar o setor de hospitais e clínicas psiquiátricas.

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Pagou R$ 135 milhões, somados, por dois ativos, a Clínica da Gávea, no Rio de Janeiro, e o Instituto São José, em Santa Catarina.

Trata-se de movimento que ganha tração, segundo profissionais especializados no setor de saúde sob a perspectiva de M&As (fusões e aquisições).

“Antes mal vista, a área psiquiátrica acabava sendo deixada de lado pela saúde pública e por empresários do setor. Mas a elevação da demanda por serviços, a partir de 2020, e a construção de um novo modelo de atendimento psicossocial tem mudado esse panorama”, disse Judith Varandas, sócia da Setter, boutique de M&As que assessorou a transação citada, à Bloomberg Línea.

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Na última década, os afastamentos temporários do trabalho por episódios depressivos, transtornos de ansiedade e questões relacionadas à saúde mental mais que dobraram, somando mais de 440 mil casos. Entre 2023 e 2024, a alta foi de 67%, segundo dados do Ministério da Previdência Social.

Já o Ministério do Trabalho anunciou mudanças na NR-1 (Norma Regulamentadora nº 1), que passou a exigir identificação e gerenciamento de questões como estresse, assédio e carga mental excessiva no ambiente de trabalho.

As empresas brasileiras têm que avaliar riscos psicossociais desde 26 de maio, quando a nova norma entrou em vigor.

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O problema de saúde mental se estende além da população economicamente ativa, segundo a executiva, que, antes de se juntar à Setter em 2010, trabalhou na área de private equity do Patria Investimentos, assim como os sócios fundadores Felipe A. Camargo e Flavia Pareto Conrado.

O uso indiscriminado de redes sociais fez com que, pela primeira vez, o registro de casos de ansiedade entre crianças e jovens superasse o de adultos.

Em 2023, a taxa de pacientes com idade entre 10 a 14 anos atendidos pela Rede de Atenção Psicossocial do SUS (Sistema Único de Saúde) foi de 125,8 a cada 100 mil, e de 157 a cada 100 mil entre adolescentes.

As apostas esportivas representam outro fator de impacto na saúde mental, segundo Varandas.

Pesquisa do Instituto Locomotiva de agosto de 2024 apontou o aumento da ansiedade como consequência emocional para 51% dos apostadores, além de mudanças de humor (27%) e estresse maior (26%).

“A força motriz da consolidação desse segmento [de psiquiatria] é transformar uma dor social em um negócio rentável [com ganho de escala]. Fundos de private equity, inclusive estrangeiros, notaram que existe um mercado grande endereçável e com poucos players consolidados”, afirmou a sócia da Setter.

Enquanto grupos privados se movimentam, o número de leitos psiquiátricos geridos pelo SUS está em queda.

Entre 2013 e 2023, a oferta diminuiu 53,7%, equivalente à redução de 33.454 leitos em todo país, segundo dados do Radar Mais SUS, do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde e da Umane, uma associação civil sem fins lucrativos que apoia iniciativas em saúde pública.

Na contramão, o número de CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) cresceu 42,7%, totalizando 3.343 unidades. A quantidade de leitos psiquiátricos privados aumentou 18,7% no mesmo período, somando 12.500 em todo país.

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“Os CAPS focam a reabilitação psicossocial, oferecendo terapias e acompanhamento no dia a dia do paciente. Porém ainda há uma carência no atendimento nas fases mais agudas das doenças mentais. Essa lacuna foi identificada pelo setor privado”, afirmou Varandas.

A ViV possui 13 hospitais e mais de 30 unidades de atendimento distribuídas em seis estados e no Distrito Federal, segundo o comunicado. O grupo atua nos estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro, Santa Catarina, Paraná, Espírito Santo e São Paulo.

Desafios do setor

Para que a tese atraia mais players, Varandas lista dois desafios: o preconceito que ainda cerca o tema e a necessidade de elevar a rentabilidade das empresas do segmento, que historicamente tem diárias menores que outras áreas da saúde.

“Mesmo assim, o que temos visto é um mercado mais atento à tese da psiquiatria, com empresas interessadas em consolidar o setor. Existe um potencial para que o cenário brasileiro torne-se semelhante ao de outros países, onde temos grupos focados na psiquiatria”, destacou Varandas.

Segundo a sócia da Setter, o segmento de psiquiatria ficou por muito tempo “relegado” nas atividades de M&A, sendo considerado uma especialidade sensível e de difícil abordagem comercial.

“A pandemia da covid veio descortinar isso. As empresas foram convocadas a olhar para os indivíduos de forma mais humana”, explicou, citando mudanças como a NR-1 e benefícios corporativos voltados para terapia e bem-estar mental.

A executiva destacou que houve uma transformação no modelo de atendimento psiquiátrico, que migrou do conceito antigo de “hospício” para clínicas modernas com foco na dignidade do paciente.

“Visitei uma clínica que parece uma pousada no interior, com casinhas coloridas, piscina, quadra e lago. Os donos viram que era possível tratar pacientes com rentabilidade financeira dentro da diária que o plano de saúde reembolsa”, contou.

M&A em gestação

A Setter, que começou a atuar no setor após ser procurada pelo Fundo Soberano de Liechtenstein em 2014, já assessorou múltiplas transações no segmento.

Além da operação concluída com a ViV, a boutique de M&As fundada em 2008 e que atua com especialização em outras áreas de negócios, está em processo de auditoria de outra transação em Sergipe.

Similar ao setor de laboratórios nos anos 2000, o segmento psiquiátrico brasileiro é extremamente pulverizado, com a maioria das clínicas sendo negócios familiares sem planejamento sucessório.

“Nessa área, não conheci até hoje um dono de clínica cujo pai fosse psiquiatra ou que o filho quisesse essa área”, revelou Varandas.

A executiva projeta que outros fundos de private equity devem entrar no setor, citando XP Inc. e Patria Investimentos como potenciais interessados, em modelo similar ao que aconteceu na oncologia com o fundo Alothon.

A área de private equity da XP, liderada por Chu Kong, tem sido um dos agentes de consolidação na área de saúde no segmento de oftalmologia.

Diferentemente de outras especialidades, as grandes redes hospitalares demonstram baixo interesse na psiquiatria por não gerar cirurgias ou ocupação de UTI - procedimentos de maior rentabilidade.

Na avaliação da executiva, o movimento de consolidação na área de saúde mental reflete uma mudança cultural mais ampla no Brasil, em que doenças como depressão passaram a ser levadas a sério pela sociedade.

Esse movimento passa em particular pelas novas gerações, que levaram temas como a síndrome de burnout para o centro das discussões corporativas.

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