Brasil se tornou país chave em inovação na L’Oréal, diz presidente global em consumo

Em entrevista à Bloomberg Línea, Alexis Perakis-Valat diz como a empresa francesa triplicou o negócio no país em cinco anos e transformou a Elseve em ‘business case’ com exportação de tecnologia para mercados globais

O executivo Alexis Perakis-Valat, presidente da Consumer Products Division da LÓréal (Foto: Divulgação)
08 de Maio, 2025 | 06:40 AM

Bloomberg Línea — “Como se costuma dizer, se você conseguir aqui, consegue em qualquer lugar.”

Assim o executivo Alexis Perakis-Valat, que lidera a operação global de produtos ao consumidor da francesa L’Oréal em mais de 150 países, descreve o desafio de competir no Brasil no segmento de cuidados para o cabelo.

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E, para a gigante francesa que é o maior player global no mercado de beleza, o Brasil se tornou um business case nos últimos anos, em particular com a marca Elseve, que passou a líder de mercado e dobrou seu market share em cinco anos.

“Como estamos ganhando no Brasil e os brasileiros são os mais exigentes em cuidados com o cabelo, levamos isso para o mundo todo. Uma inovação como o ácido hialurônico em xampu nasceu aqui, mas agora temos na Europa, nos EUA, na China”, disse Perakis-Valat em entrevista à Bloomberg Línea em passagem pelo Brasil.

Segundo ele, foi a pela primeira vez no mercado global que ingredientes de cuidados com a pele foram aplicados a produtos para cabelo.

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A Divisão de Produtos de Grande Público - Consumer Products Division - da L’Oréal, liderada desde 2016 pelo executivo de origem franco-grega, foi a que mais contribuiu com as vendas do grupo em 2024: cerca de 16 bilhões de euros, o equivalente a 37% do volume total de 43,48 bilhões de euros.

E os mercados emergentes - na qual o Brasil e o México se destacam - responderam por metade do crescimento nessa divisão, que inclui marcas globais como L’Oréal Paris, Garnier, Maybelline NY e, em particular no Brasil, Niely e Colorama.

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Os novos produtos para cabelos são desenvolvidos no Innova, um centro de pesquisa e inovação aberto pelo grupo francês na Ilha do Fundão, no Rio de Janeiro, em 2017. Mais de 150 pesquisadores especializados trabalham no local.

A escolha do país não se deu por acaso: a diversidade rara presente na população em termos de tipos de cabelo e tons de pele tornam o país um laboratório ideal para o desenvolvimento de novos produtos, segundo ele.

O executivo contou também sobre o racional da estratégia de inovação do grupo, que passa pelo desenvolvimento de tecnologias como uma assistente virtual com uso de inteligência artificial generativa que possibilita a interação com o consumidor para entender as necessidades e fazer recomendações de produtos; mas também por novas soluções no ponto de venda em lojas físicas.

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Veja a seguir a primeira parte da entrevista com Alexis Perakis-Valat, editada para fins de clareza e compreensão:

A L’Oréal tem 115 anos. E a empresa hoje se descreve como uma beauty tech. Como se deu essa transformação?

A ciência sempre esteve no coração da L’Oréal. É por isso, por exemplo, que temos um grande laboratório no Rio com muitas pessoas, porque nossa empresa tem raízes na ciência.

É verdade que nos últimos anos a tecnologia tem aberto novos horizontes de muitas formas para a beleza. A tecnologia pode nos ajudar a desenvolver produtos melhores. Na área de pesquisa e inovação, podemos usar a tecnologia para a busca de maneira muito mais eficiente por novas moléculas. Esse é um exemplo.

E a tecnologia é muito interessante para o meu caso em particular, porque sou responsável pela divisão de mercado de massa da L’Oréal.

A diferença é que antes havia vendas com atendimento ao consumidor, e o mercado de massa é autoatendimento. Você entra em uma loja e encontra os produtos. Mas agora, com a tecnologia, você pode adicionar serviço em um mundo de autoatendimento. E isso é uma grande disrupção, porque de repente você pode ajudar as pessoas a encontrar o produto certo para elas.

Como isso tem sido aplicado pela L’Oréal?

O exemplo mais avançado disso é que, nos Estados Unidos, acabamos de lançar um serviço chamado Beauty Genius, que é um assistente de beleza movido por inteligência artificial generativa, com quem você fala, escreve e faz perguntas como se tivesse um assistente de beleza no bolso. Você fala com ela ou ele, ou seja lá como for, e diz: “Qual é o produto certo para mim?”

Por exemplo, para conhecer sua pele, o Beauty Genius pede para você tirar uma foto sua. E então, graças à nossa tecnologia única, analisamos sua pele e dizemos: dado o seu tipo de pele, estes são os produtos certos para você.

Esses são dois exemplos — um na criação inicial do produto, e um na relação voltada para o consumidor — de como a tecnologia para beleza pode nos ajudar a acelerar o nosso negócio.

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Como tem se dado essa transformação de dispor da tecnologia de forma cada vez mais transversal dentro da L’Oréal?

Nós temos um lema na L’Oréal - na verdade um de nossos muitos lemas - que é “grasp what is beginning”. Em francês se chama “saisir ce qui commence”. Ou seja, agarrar o que está começando, o que está surgindo.

Por exemplo, quando vemos a ideia de revolução da inteligência artificial generativa, temos essa solução chamada Beauty Genius. Não há nenhuma outra marca de beleza hoje que tenha esse tipo de serviço. Porque ser pioneiros, estar na vanguarda da inovação — pode ser inovação científica, pode ser inovação tecnológica — faz parte do nosso DNA.

Vou dar outro exemplo. Quando eu estava na China - eu era o chefe da L’Oréal no país -, o e-commerce estava começando. Cheguei em 2010 e não havia praticamente nenhum e-commerce. Quando saí em 2016, uma grande parte do nosso negócio era feito pelo e-commerce. A L’Oréal Paris foi a primeira marca internacional de beleza a ser vendida online no T-Mall [do Alibaba] na China.

Buscamos estar na vanguarda do que achamos que é relevante. Nós não abraçamos toda pequena tendência, mas quando há megatendências queremos ser os primeiros a tentar, a entender e a aprender.

E a empresa desenvolve internamente essas tecnologias ou também observa a concorrência para avaliar se vale a pena investir ou não?

É uma combinação. Por exemplo, há alguns anos adquirimos uma empresa no Canadá chamada ModiFace, especialista em realidade aumentada. Eles eram muito bons em experimentações virtuais de maquiagem. Dominar essa tecnologia de experimentações virtuais e diagnóstico de pele era muito estratégico e decidimos adquirir essa capacidade. Mas também temos outros exemplos em que se trata mais de parcerias com outras empresas. Os dois casos acontecem.

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Em ocasiões anteriores recentes, o senhor comentou sobre personalização e sobre como os consumidores têm se tornado mais sofisticados. Como a L’Oréal tem buscado compreender e desenvolver produtos que atendam às necessidades dos consumidores?

Temos um exemplo maravilhoso aqui no Brasil, porque consideramos que os brasileiros são os consumidores mais exigentes do mundo em cuidados com os cabelos. Talvez os norte-asiáticos sejam os mais exigentes em cuidados com a pele, mas os brasileiros são os mais exigentes em cuidados com os cabelos.

Por isso, uma das grandes prioridades dos nossos laboratórios aqui é inventar o melhor produto de cuidados capilares para o mercado brasileiro. Essa é uma prioridade chave porque é como costuma se dizer: se você conseguir aqui, consegue em qualquer lugar.

A Elseve obteve um sucesso tremendo no Brasil. A participação de mercado dobrou nos últimos cinco anos no país. Por quê? Porque hoje oferecemos os produtos de cuidados capilares mais eficazes do mercado brasileiro. O preço médio da Elseve é 50% acima do preço médio do mercado.

Mas mesmo assim, como o produto talvez seja duas ou três vezes melhor, a marca ganha participação de mercado porque oferecemos produtos que foram, em grande parte, desenvolvidos em nossos laboratórios aqui para o público mais exigente do mundo em cuidados capilares.

E o que também é interessante é que, como estamos ganhando no Brasil e os brasileiros são os mais exigentes, levamos isso para o mundo todo. Essa inovação como o ácido hialurônico nasceu aqui, mas agora temos isso na Europa, nos EUA, na China.

Esse é também o nosso modelo, porque temos uma estrutura global muito forte, mas também somos muito multipolares e muito locais. Essa dupla expertise está no centro do nosso sucesso.

Isso tem a ver com um conceito que a L’Oréal chama de “inovação que viaja pelo mundo”, correto? Como funciona na prática em um país como o Brasil?

O Brasil é estratégico de muitas maneiras para a L’Oréal. Primeiro porque é um mercado de beleza muito grande. É o quarto maior do mundo. E é o número 1 entre os mercados emergentes de beleza.

Segundo, como eu disse, é uma grande fonte de inovação, especialmente em cuidados capilares. E, terceiro — e isso também é importante dizer —, o Brasil é também uma fonte de talentos para o grupo. Temos muitos brasileiros que trabalham no exterior e que são muito bem-sucedidos fora do país.

Como se deu essa ‘virada’ para a marca Elseve com o Brasil sendo tão relevante?

Elseve é um sucesso e, sabe, eu tenho muito carinho porque há 30 anos, quando comecei na L’Oréal, eu era o gerente de produto da marca na França. É uma marca que está muito próxima do meu coração. E hoje está ganhando participação de mercado globalmente de maneira espetacular, superando o mercado em todo o mundo, especialmente no Brasil.

Há muitas razões para isso. A primeira razão, novamente, é a ciência, porque nos últimos anos inventamos fórmulas — xampus, tratamentos — que não têm equivalente no mercado. Alguns no Brasil, outros fora do Brasil.

E é muito importante entender isso, porque no setor de beleza você começa a ganhar dinheiro quando a pessoa compra o produto novamente. Porque a primeira compra custa muito dinheiro — você tem que fazer publicidade etc.

Mas, se a pessoa experimentar o produto e achar que é o melhor produto que já usou na vida naquela categoria, então ela vai comprar de novo. Se ela não tiver certeza absoluta de que é o melhor, vai acabar tentando outra coisa.

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Não é o marketing que define a decisão de compra, portanto?

As pessoas pensam que beleza é marketing etc. Beleza, pelo menos essa é nossa convicção na L’Oréal, é antes de tudo ciência. E o sucesso da Elseve é a superioridade da tecnologia que está dentro dos frascos. Além disso, sim, há inovações de marketing que nós criamos e que são casos interessantes.

A L’Oréal é uma marca que tem produtos para pele e cabelo. No Brasil introduzimos pela primeira vez ingredientes de cuidados com a pele no segmento de cuidados capilares. O ácido hialurônico era algo conhecido nos cuidados com a pele e nós o colocamos nos cuidados com o cabelo.

E L’Oréal Paris é muito legítima para fazer isso porque temos expertise em cuidados com a pele. Outras marcas são exclusivamente de cuidados capilares. Portanto houve boas ideias científicas e de marketing.

E como apresentar essas inovações ao consumidor e convencê-lo da proposta de valor?

Daí vem o terceiro ponto, que também é muito importante no mundo inteiro — especialmente no Brasil —, que é a qualidade da execução. Se você for às lojas no Brasil, acho que as equipes fizeram muito trabalho para garantir que tenhamos uma boa presença nas prateleiras, porque o que é importante para nós não é apenas ganhar participação de mercado mas também desenvolvê-lo.

Por exemplo, no Brasil, inventamos um novo conceito nas lojas, que se chama “evolução capilar”, de valorizar o espaço. Há explicações sobre o que cada produto faz e outra coisa: você coloca a mão e recebe uma pequena borrifada de perfume para poder sentir o cheiro. Isso é uma maneira de vender mais tratamentos em uma loja de autosserviço, como no Atacadão, porque primeiro você explica melhor o que cada produto faz e depois cria o desejo com o cheiro.

Essa qualidade na execução, em que você pode ter muita criatividade operacional, também está no centro do sucesso da Elseve. E também a capacidade de criar novos pilares.

Cada vez que lançamos um novo produto da marca, ele fala com um novo consumidor ou com uma nova necessidade. Por exemplo, este é para cabelo desidratado. Esse produto é para pessoas que querem cabelo liso e, quando saem e está úmido, o cabelo fica arrepiado. Portanto não é a mesma preocupação. E quando você lança isso no mercado, não significa que você vende menos do outro.

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Vi uma apresentação da L’Oréal que fala sobre as diferentes fases pelas quais passa um consumidor, por exemplo, para tratamento capilar, até chegar ao conceito denominado de “consumer champions”. Como alcançar esse objetivo de fazer com que o consumidor se torne mais fiel à marca?

Para mim, a melhor maneira, de longe, de fidelizar um consumidor é pela qualidade do produto, porque, no mercado de massa, técnicas clássicas de gestão de relacionamento com o consumidor são muito difíceis de aplicar. Você fala com muitas pessoas.

Se você vende carros, pode ter o nome da pessoa e, dez anos depois que ela comprou, mandar um e-mail dizendo: “Sou da Toyota, você está feliz com seu Toyota? Temos um novo modelo.”

Mas com xampu, nosso negócio é sobre conquistar novas pessoas. E a maior parte dos nossos investimentos é voltada para atrair novos consumidores. Você atrai com publicidade, com influência e recomendação. E fideliza porque o que ela experimentou foi o melhor produto que já usou.

Trabalhamos com inovação mas também com os produtos que já vendemos muito, em um modo de melhoria contínua, um modelo kaizen. Sempre buscamos torná-los melhores.

A cada dois ou três anos, revisamos para entender se a fórmula ainda está de acordo com o que há de mais moderno. Buscamos garantir que tudo o que está no mercado — tanto os novos produtos quanto os já existentes — seja no estado da arte.

Se voltarmos a conversar em três anos, o que você espera me contar como uma realidade que hoje ainda não existe no mercado de beleza?

A beleza do mercado de beleza é que ele é impulsionado pela oferta. Não é porque as pessoas precisam de algo. Vamos inventar, em três anos, coisas que as pessoas hoje nem acham que precisam. Portanto o único limite para o crescimento do mercado de beleza é nossa imaginação.

Mas infelizmente não vou poder responder a sua pergunta, porque o que estamos preparando para os próximos três anos é um pouco o nosso molho secreto. Posso te contar que, nesta manhã, experimentei o novo xampu que vamos lançar no Brasil em janeiro do ano que vem — e vai ser fantástico. Mas é isso o que posso te contar.

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Marcelo Sakate

Marcelo Sakate é editor-chefe da Bloomberg Línea no Brasil. Anteriormente, foi editor da EXAME e do CNN Brasil Business, repórter sênior da Veja e chefe de reportagem de economia da Folha de S. Paulo.