Barry Callebaut: gigante de chocolate busca reverter crise e recuperar investidores

Maior produtora mundial de chocolate a granel, empresa suíça aposta em plano de reestruturação para contornar a turbulência causada pelo aumento do preço do cacau

Barry Callebaut
Por Paula Doenecke - Mumbi Gitau - Archie Hunter
04 de Outubro, 2025 | 05:32 PM

Bloomberg — Para os amantes de chocolate ao redor do mundo, nomes como Hershey, Nestlé e Mars evocam imediatamente uma sensação de indulgência doce. Mas, por trás das embalagens reluzentes, grande parte do chocolate que chega às prateleiras de marcas conhecidas tem origem em uma empresa que muitos consumidores sequer conhecem.

A partir de sua discreta sede em Zurique, a Barry Callebaut se tornou o maior fabricante de chocolate a granel do mundo, processando ao menos 20% de todo o cacau global. Multinacionais e confeiteiros artesanais dependem de seus produtos — manteiga de cacau, pós e ganaches.

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A companhia suíça é uma força silenciosa no setor: um dos fornecedores mais confiáveis da Europa e um intermediário essencial na cadeia que define o que chega às lojas de alimentos, da Pensilvânia a Paris.

Mas, após anos de crescimento constante, a Barry Callebaut enfrenta um dos períodos mais turbulentos de sua história. As ações da empresa perderam quase metade do valor nos últimos dois anos, pressionadas pela disparada nos preços do cacau, pelo aumento dos custos de financiamento e por mudanças na liderança.

Hoje, a Barry Callebaut é a ação mais vendida a descoberto da Suíça — cerca de um quarto de seu capital em livre circulação está nas mãos de investidores que apostam na queda.

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Embora os papéis tenham se recuperado nas últimas semanas, a volatilidade abalou a confiança de parte do mercado, que passou a especular se a companhia, avaliada em cerca de 6 bilhões de francos suíços (US$ 7,5 bilhões), poderia ser levada a fechar o capital.

A principal acionista — a família Jacobs, uma dinastia suíça do chocolate — já considerou essa possibilidade, inclusive em consultas com a gestora de private equity CVC Capital Partners, segundo pessoas próximas ao assunto que falaram com a Bloomberg News.

As ações da Barry Callebaut chegaram a subir 8,2% no pregão de sexta-feira (3) em Zurique, com volume de negociação oito vezes superior à média.

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O que acontecer a seguir pode ter efeitos profundos sobre um setor notoriamente reservado, que protege com zelo suas receitas e cadeias de suprimento.

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Defensores da empresa afirmam que ela está apenas pagando o preço do rali histórico do cacau em 2024, quando os contratos de referência atingiram recordes e o déficit global chegou ao maior nível desde os anos 1980. Nenhum fornecedor, dizem, conseguiria se proteger totalmente de um choque dessa magnitude.

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Críticos, porém, argumentam que os concorrentes lidaram melhor com a crise, enquanto a Barry Callebaut se atrapalhou em suas estratégias.

Em entrevista, o CEO Peter Feld descreveu as dificuldades atuais como “turbulências passageiras”, e não sinais de um problema estrutural.

Segundo ele, o setor de chocolate por muito tempo se apoiou em tradições e em um modo de operação lento e artesanal. Mudar essa cultura pode causar desconforto no curto prazo, mas é essencial para tornar a companhia mais ágil e competitiva.

“A Barry Callebaut pode destravar um novo ciclo de crescimento rentável para a próxima década, mas teremos que fazer algumas coisas de forma diferente do passado”, disse Feld à Bloomberg News. “Espero que o pior já tenha ficado para trás.”

Seja qual for o desfecho, o desempenho da empresa tem peso bem além de Zurique. A Barry Callebaut vende mais de 2 milhões de toneladas de chocolate por ano, com uma fatia de mercado quase duas vezes maior que a do concorrente mais próximo.

Qualquer interrupção prolongada pode redefinir como o chocolate é financiado, comercializado e produzido nos próximos anos. Quanto mais custos a companhia repassar aos clientes, mais caro tende a ficar o chocolate — e todos os produtos à base de cacau.

“Os clientes corporativos estão preocupados com o preço, mas vários estão ainda mais preocupados com o fornecimento”, afirmou Feld. “Isso nos coloca em uma posição muito particular para o futuro.”

A CVC Capital Partners não respondeu aos pedidos de comentário. Um porta-voz da família Jacobs preferiu não se manifestar. A Barry Callebaut também não quis comentar a hipótese de uma oferta para fechar o capital, dizendo apenas que a empresa “não costuma discutir rumores de mercado”.

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A Barry Callebaut foi formada em 1996 pela fusão da francesa Cacao Barry com a belga Callebaut, duas pioneiras do comércio europeu de chocolate.

Com o apoio do empresário Klaus Johann Jacobs e de sua holding, a Jacobs Holding, a companhia foi concebida como fornecedora de atacado, baseada na visão de que os fabricantes de alimentos terceirizariam a produção, em vez de administrar internamente uma cadeia tão custosa e complexa.

A fusão consolidou a posição da Barry Callebaut como grande produtora, com mais de 20 fábricas. A expansão veio logo em seguida, com aquisições como a da americana Van Leer e da asiática Petra Foods.

Barry Callebaut

O modelo era simples: comprar grãos de cacau de grandes produtores como Costa do Marfim, Gana e Equador; processá-los em ingredientes e chocolates; e vender por meio de contratos de longo prazo com preços baseados em custos acrescidos de margem (“cost-plus”), repassando as variações das commodities aos clientes.

Por anos, essa estratégia funcionou bem. Desde o IPO em 1998, a Barry Callebaut quadruplicou o lucro e firmou contratos com gigantes como Nestlé e Unilever. O valor de mercado atingiu o pico em 2021, ultrapassando US$ 13 bilhões.

Mas uma série de crises recentes expôs fragilidades. A pandemia reduziu o consumo global de chocolate. Em 2022, um surto de salmonela na fábrica de Wieze, na Bélgica — a maior do mundo — obrigou a empresa a paralisar a produção por meses.

O racionamento afetou pequenos clientes e gerou custos extras de cerca de 80 milhões de francos suíços. A companhia reforçou seus protocolos de segurança alimentar, mas o dano reputacional foi duradouro.

“Em momentos assim, é preciso escolher estrategicamente quais clientes priorizar”, disse Raphaël Felenbok, ex-diretor da empresa. “A Barry Callebaut privilegiou os grandes grupos corporativos, mais sofisticados na negociação.”

As mudanças se aceleraram em 2023, quando a empresa surpreendeu o mercado ao anunciar a saída do então CEO Peter Boone, após resultados decepcionantes e corte na projeção de crescimento anual. Segundo fontes, a família Jacobs pressionou por sua saída.

Feld, ex-executivo da Jacobs Holding, assumiu o comando e lançou o plano “BC Next Level”, que previa economizar 250 milhões de francos suíços, mas envolvia riscos de execução.

O pacote incluiu cortes de pessoal, simplificação do portfólio e fechamento de fábricas — medidas que desgastaram relações com clientes de longa data.

“As mudanças foram necessárias para reduzir a complexidade e concentrar esforços no que os clientes realmente valorizam: melhor serviço, inovação, sustentabilidade e qualidade”, afirmou Feld.

O problema foi o timing. Más colheitas na África Ocidental geraram uma escassez histórica de cacau, levando as cotações a quase US$ 13.000 por tonelada — quatro vezes a média histórica.

A disparada virou o modelo de hedge da Barry Callebaut de proteção a armadilha, com exigências de margem que forçaram a empresa a levantar capital extra.

A dívida líquida quadruplicou em dois anos, chegando a 6,1 bilhões de francos suíços em fevereiro de 2025.

O modelo “cost-plus” cedeu sob a pressão dos preços: ao repassar aumentos de 63%, a empresa perdeu pedidos e viu clientes levarem a produção para dentro de casa. O volume caiu 6% nos nove meses até maio, obrigando a dois cortes de guidance em apenas três meses.

“Entre os fabricantes de chocolate, o mais exposto é a Barry, porque ela está no meio e no início da cadeia”, disse o analista Ignacio Canals Polo, da Bloomberg Intelligence.

Sem uma marca forte de consumo final, como a Lindt, a Barry Callebaut sofreu mais. A divisão gourmet, voltada a chefs e confeitarias, foi duramente atingida. Mesmo após reajustes de 3 bilhões de francos suíços, os custos de financiamento corroeram os ganhos.

Concorrentes aproveitaram para avançar. A Cargill expandiu sua linha gourmet; outros fabricantes reformularam receitas para usar menos cacau; e traders como a Olam compensaram margens fracas com lucros em outras frentes. Por serem empresas privadas, escaparam da pressão dos balanços trimestrais.

Ainda assim, Feld afirma que a Barry Callebaut manteve sua força e que clientes e consumidores estão se ajustando ao novo cenário.

“Sei que nossos clientes ainda não conseguiram repassar todos os aumentos”, disse. “Mas é animador ver a resiliência que temos, mesmo com preços tão altos.”

Os próximos meses serão decisivos para testar a capacidade da nova gestão de estabilizar a empresa. Desde que assumiu, Feld trocou boa parte da liderança por executivos vindos do private equity e de bens de consumo. Entre eles, Peter Vanneste, ex-CFO da Ontex, e Clemens Woehrle, com experiência em cadeia de suprimentos na Beiersdorf e na WMF.

Alguns funcionários temem perda de conhecimento institucional, mas Feld defende as mudanças: “Durante uma transformação dessa magnitude, sempre haverá quem resista. A mudança nunca é fácil.”

A família Jacobs, no entanto, reduziu sua participação em cerca de 30% na última década. Embora haja indícios de recompras recentes, analistas questionam o comprometimento de longo prazo do grupo.

Os resultados do plano BC Next Level têm sido mais lentos que o previsto. Parte das economias deve demorar um ano adicional para aparecer nos lucros. E mesmo com a queda recente no preço do cacau, as projeções de alta de 60% no lucro parecem otimistas demais, segundo analistas.

Feld rebate os críticos. Disse que a empresa está desenvolvendo chocolates com menos cacau, mas mesmo sabor, e que seu modelo de negócios continuará centrado no repasse de custos, com ajustes para refletir a nova complexidade do mercado.

“Somos uma empresa muito jovem”, concluiu. “E estamos nos reinventando no mercado de cacau mais volátil da história recente.”

-- Com a colaboração de Aaron Kirchfeld, Isis Almeida, Charlotte Hughes-Morgan e Lisa Pham.

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