Banco do Brasil muda foco para pessoa física após agro derrubar rentabilidade

Instituição vai apostar em alta renda, consignado privado e cartão de crédito como avenidas de crescimento para cumprir o novo guidance para o lucro – que foi reduzido para um intervalo mais de R$ 10 bilhões inferior ao anterior

Tarciana Medeiros
15 de Agosto, 2025 | 05:48 PM

Bloomberg Línea — Conhecido como “banco do agro”, o Banco do Brasil tem um novo foco: a pessoa física. Após queda de 60% do lucro no segundo trimestre, puxada pela inadimplência do agronegócio, o banco estatal anunciou uma reformulação do apetite ao crédito que favorece a carteira PF.

O crescimento da fatia de agronegócio vai cair de um intervalo entre 5% e 9% para outro entre 3% e 6%. Já o segmento pessoa jurídica vai para um intervalo de 0% entre 3%, ante um anterior entre 4% e 8%.

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A pessoa física é exceção: nessa linha, o banco manteve praticamente intacto apetite para crédito, com possibilidade de crescimento entre 7% e 10%.

“O guidance traduz nossa estratégia. A gente precisa crescer em linhas com melhor retorno ajustado ao risco, e, por isso, o crescimento da pessoa física será mais elevado do que os outros portfólios: para que a gente tenha condição de absorver o risco de crédito”, afirmou Felipe Prince, vice-presidente de controles internos e gestão de risco do Banco do Brasil, a analistas nesta sexta-feira (15).

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A estratégia é seguir o caminho que os pares privados adotaram desde o pós-pandemia: o reforço na alta renda. A meta do BB é crescer em clientes de maior poder aquisitivo na própria base em pelo menos 25% nos próximos cinco anos.

“É um dos projetos que tínhamos para os próximos anos. Nós antecipamos porque entendemos que ele traz rentabilidade imediata e vai nos auxiliar nessa retomada do crescimento”, disse a CEO do banco, Tarciana Medeiros.

Para além da alta renda, outras avenidas de crescimento são o consignado privado e a concessão de cartão de crédito.

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Linha mais segura, o crédito consignado privado deve ganhar um reforço após o governo aprovar a Lei 15.179, que formaliza a plataforma digital Crédito do Trabalhador, dispensando a necessidade de convênio entre a empresa e o banco para fazer o empréstimo.

“O consignado privado é um mercado potencialmente muito maior do que o que nós temos hoje nos nossos livros”, afirmou Geovanne Tobias, CFO do Banco do Brasil.

A administração do banco defende que a margem promovida no crédito pessoa física será suficiente para cobrir o risco de crédito mais elevado do portfólio. E, que, com isso, será possível atingir a nova projeção de lucro líquido para o ano entre R$ 21 bilhões e R$ 25 bilhões – intervalo mais de R$ 10 bilhões inferior que o anteriormente esperado, de R$ 37 bilhões e R$ 41 bilhões.

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Tobias reforçou ainda que 2025 é um ano de ajuste. “Não esperem uma rentabilidade perto do que entregamos em 2024”, afirmou o CFO.

O BB registrou no segundo trimestre de 2025 sua menor rentabilidade desde 2016. O retorno sobre o patrimônio líquido (ROE) foi de 8,4% – queda de 13,2 pontos percentuais (p.p.) frente aos 21,6% alcançados no ano passado.

A expectativa é que o ROE continue em patamares abaixo de 10% este ano, para recuperar a faixa entre 10% e 19% em 2026.

Em coletiva com jornalistas, a CEO, Tarciana Medeiros, reforçou que o tombo nos números é passageiro.

“Em 2025, pontualmente, houve uma conjuntura que prejudicou o nosso resultado. Ainda assim, o guidance que estamos levando ao mercado entrega o quarto melhor resultado da história do banco”, afirmou.

Perguntada sobre uma possível ameaça ao cargo diante de pressões políticas e resultados mais desafiadores, a CEO do banco estatal destacou que este não é um cenário abordado em suas conversas com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

“O presidente não tem demonstrado nenhuma intenção de alterações no Banco do Brasil”, disse.

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Mais judicialização no agro

Apesar do apetite renovado em pessoa física, os executivos do Banco do Brasil reforçaram que o BB continua sendo o “banco do agro”.

O banco estatal é o maior financiador do agronegócio do sistema bancário brasileiro, e o segmento representa um terço de sua carteira de crédito.

O agro tem tradicionalmente baixa inadimplência e foi considerado a grande fortaleza dos resultados do Banco do Brasil por diversos trimestres, especialmente no pós-pandemia quando os bancos com maior exposição à baixa renda na pessoa física foram mais afetados.

Em 2025, a dinâmica se inverteu por uma combinação de safras mais fracas e pedidos de recuperação judicial, que aumentaram a inadimplência e tiveram maior impacto nos resultados.

Houve ainda um aumento no custo de crédito diante do aumento das provisões para o agro e pelo novo regime de “perda esperada” sob a nova regulação CMN 4.966 do Banco Central, que eleva a necessidade do reconhecimento de provisões.

A “tempestade perfeita” fez com que a inadimplência da carteira do agro subisse 2,17 pontos percentuais frente ao segundo trimestre de 2024, para 3,49%. Já as provisões para perdas esperadas por risco de crédito foram de R$ 94,7 bilhões no trimestre, alta de 50,6%.

O banco contabilizou 20.000 clientes do segmento agro com contas em atraso há mais de 90 dias, de um total de um milhão. Entre eles, 808 entraram com pedidos de recuperação judicial.

O perfil de quem entra em recuperação judicial é de grandes produtores rurais pessoa física, especialmente do Centro-Oeste e Sul do país.

Para enfrentar o cenário, o BB disse ter adotado uma nova postura mais contundente para retomada dos valores devidos.

“A gente era conhecido como banco que não protesta, e que não busca garantia. Isso mudou: temos judicializado as operações”, disse a CEO. Nos cálculos do BB, 38% das operações judicializadas pelo banco já foram regularizadas.

O Banco do Brasil também avalia entrar com processos com escritórios de advocacia que praticam o que o banco classifica de advocacia predatória, que incentiva recuperações judicial no setor rural mesmo em situações em que haveria possibilidade de acordo prévio.

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Beatriz Quesada

Jornalista especializada na cobertura econômica. Formada pela USP, escreve sobre mercados, negócios e setor imobiliário. Tem passagens por Exame, Capital Aberto e BandNews FM.