Ouro chega a US$ 4.000 pela primeira vez com a busca por ativos de proteção

Temores com o efeito do ‘shutdown’ sobre a economia americana adicionou novo fôlego à valorização do metal, que já subiu 54% em 2025

As tensões geopolíticas também aumentaram a demanda por ativos considerados refúgio, como o ouro. (Foto: Brendon Thorne/Bloomberg via Getty Images)
Por Jack Ryan - Yvonne Yue Li - Sybilla Gross
08 de Outubro, 2025 | 05:01 PM

Bloomberg — O ouro à vista superou pela primeira vez a marca de US$ 4.000 por onça, impulsionado por temores sobre a economia dos Estados Unidos e pela paralisação do governo, o que adicionou novo fôlego a uma forte valorização que já vinha ocorrendo.

O metal atinge um marco histórico, depois de ter sido negociado abaixo de US$ 2.000 há apenas dois anos — e agora acumula retornos que superam amplamente os do mercado acionário neste século.

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O ouro já subiu mais de 54% em 2025, em meio às incertezas sobre o comércio global, a independência do Federal Reserve e a estabilidade fiscal americana.

As tensões geopolíticas também aumentaram a demanda por ativos considerados refúgio, enquanto os bancos centrais mantiveram um ritmo elevado de compras do metal precioso.

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A alta ganhou ainda mais força nos últimos dias, conforme investidores buscam proteção contra choques de mercado diante do impasse sobre o financiamento do governo em Washington.

O início do ciclo de afrouxamento monetário do Fed também favoreceu o ouro, já que o metal não paga juros. Em resposta, investidores ampliaram suas posições em fundos negociados em bolsa (ETFs), que registraram em setembro o maior fluxo mensal de entrada em mais de três anos.

“O rompimento da barreira dos US$ 4.000 não se deve apenas ao medo — trata-se de realocação de portfólio”, afirmou Charu Chanana, estrategista da Saxo Capital Markets.

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“Com os dados econômicos suspensos e cortes de juros no horizonte, os juros reais estão caindo, enquanto as ações ligadas à inteligência artificial parecem esticadas. Os bancos centrais lançaram as bases para essa alta, mas agora os investidores individuais e os ETFs impulsionam a nova etapa do rali.”

O ouro à vista chegou a subir 1,9%, atingindo o pico de US$ 4.059,31 por onça, e era negociado a US$ 4.052,26 por volta das 13h22 em Nova York.

O preço do ouro costuma acompanhar períodos de estresse econômico e político. O metal superou US$ 1.000 após a crise financeira global, US$ 2.000 durante a pandemia de covid-19 e US$ 3.000 em meio aos planos tarifários do governo Trump em março de 2020.

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Agora, o ouro rompeu os US$ 4.000 num contexto que inclui, entre outros fatores, o confronto do presidente Donald Trump com o Fed, com ameaças ao presidente Jerome Powell e tentativas de remover a diretora Lisa Cook, no que se tornou o teste mais claro da autonomia do banco central americano.

Um Fed mais submisso, disposto a reduzir juros e permitir uma inflação mais alta, poderia criar um cenário ideal para o ouro. O metal é tradicionalmente visto como proteção contra a inflação, mas costuma perder força quando os juros estão elevados, o que torna títulos e aplicações em caixa mais atraentes.

“Esperamos que o ouro atinja o pico do ciclo no momento em que as preocupações sobre a independência do Fed forem mais intensas”, afirmaram analistas do Macquarie Bank em relatório de 30 de setembro. “Se, no entanto, um Fed enfraquecido cometer erros de política monetária claros, o desempenho do ouro poderá ser ainda mais forte.”

O ouro caminha para seu melhor desempenho anual desde os anos 1970, período em que a inflação acelerada e o fim do padrão-ouro provocaram uma alta de 15 vezes no preço do metal. Na época, o presidente Richard Nixon pressionou o Fed a reduzir juros.

Sob a liderança de Arthur Burns, o banco central fez apenas “esforços limitados” para preservar sua independência e acabou alimentando a inflação por razões políticas, segundo um documento recente apresentado por economistas e ex-dirigentes monetários.

O bilionário Ray Dalio afirmou na terça-feira (7) que o ouro é “certamente” um refúgio mais seguro que o dólar e que o rali recorde lembra o movimento da década de 1970. As declarações do fundador da Bridgewater Associates vieram após o também bilionário Ken Griffin, da Citadel, dizer que a valorização do metal reflete a ansiedade em relação ao dólar americano.

“O ouro é um excelente instrumento de diversificação”, disse Dalio em painel no Greenwich Economic Forum, organizado pela Bloomberg. “Do ponto de vista de alocação estratégica, a composição ideal de um portfólio provavelmente incluiria algo em torno de 15% em ouro.”

Os bancos centrais têm sido grandes impulsionadores da alta, depois de passarem de vendedores líquidos a compradores líquidos desde a crise financeira global. O ritmo de compras dobrou após EUA e aliados congelarem as reservas cambiais da Rússia em 2022, depois da invasão em larga escala da Ucrânia. O episódio levou muitos bancos centrais a diversificar suas reservas, enquanto a inflação e o temor de que Washington tratasse credores estrangeiros de forma desigual reforçaram o apelo do ouro.

Segundo Lina Thomas, estrategista de commodities do Goldman Sachs, o volume elevado de compras representa uma mudança estrutural na gestão das reservas internacionais, e é improvável que haja uma reversão no curto prazo. “Nosso cenário-base prevê que a tendência atual de acumulação continuará pelos próximos três anos”, escreveu ela em relatório de setembro.

O Goldman elevou sua projeção para o ouro em dezembro de 2026 para US$ 4.900 por onça, ante US$ 4.300 anteriormente.

Entre outros metais preciosos, a prata subiu até 3,6%, para US$ 49,55 por onça, o maior valor desde abril de 2011. Platina e paládio também avançaram. O Bloomberg Dollar Spot Index teve alta de 0,2%.

-- Com a colaboração de Jake Lloyd-Smith, Doug Alexander, Mark Burton, Andrew Janes, Yihui Xie e Carlos Caminada.

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