Mercado de R$ 100 bi: perdas com crise de crédito expõem riscos e conflitos de COEs

Prejuízos com ativos de Ambipar e Braskem no último trimestre voltam a levantar questionamentos sobre complexidade e comissões na venda do produto; episódio pode acelerar transição para modelo fee based, dizem especialistas

Operações da Ambipar
16 de Dezembro, 2025 | 01:14 PM

Bloomberg Línea — Apesar de caminhar para fechar 2025 no positivo, o mercado financeiro no Brasil conviveu com choques relevantes ao longo do ano – da incerteza trazida pela política comercial de Donald Trump à quebra do Banco Master.

Outro episódio que abalou a confiança dos investidores foi a crise da categoria dos Certificados de Operações Estruturadas (COEs).

PUBLICIDADE

Perdas concentradas em COEs de crédito no último trimestre do ano recolocaram o produto no centro de um debate que já existe há tempos no mercado, com críticas sobre a falta de transparência e a venda desalinhada dos interesses de investidores.

Investidores de produtos atrelados a dívidas da Ambipar perderam até 93% do capital investido no ponto alto da crise, em outubro, enquanto aqueles que apostaram em papéis da Braskem amargaram perdas de 63%.

A crise atingiu praticamente todos os produtos atrelados às companhias, de debêntures a ações. Mas os COEs tiveram amplo destaque negativo.

PUBLICIDADE

Leia também: Turbulência no mercado de dívida afeta planos de captação de empresas brasileiras

Investidores que compraram os ativos afirmam que não compreenderam a magnitude das perdas possíveis, especialmente porque o produto foi vendido como uma alternativa de renda fixa – classificação que gerou a percepção equivocada de baixo risco.

A crise jogou luz sobre um mercado de cerca de R$ 100 bilhões em patrimônio e que apresentou um crescimento expressivo na última década.

PUBLICIDADE

Há cinco anos, o volume investido em COEs somava R$ 31,2 bilhões, segundo dados da Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais).

A entidade de classe estima que o investimento total chegou a R$ 101,6 bilhões de pessoas físicas em COEs em outubro de 2025.

Os dados da B3 para dezembro são semelhantes, com um estoque atual de COEs de R$ 98,7 bilhões.

PUBLICIDADE

Cerca de 80% do volume detido por pessoas físicas está no varejo de alta renda, segundo a Anbima. Outros 13% no varejo massificado tradicional, e 7%, no seguimento de private.

Os COEs passaram a ser oferecidos a investidores de varejo há cerca de dez anos, especialmente por meio de assessores de investimento de corretoras e casas especializadas - antes conhecidos como agentes autônomos.

O objetivo, segundo o discurso amplamente difundido, era democratizar o acesso a estratégias mais sofisticadas de investimento, com uso de derivativos.

Os primeiros produtos ofereciam proteção do capital investido, uma vez que o COE não tem cobertura do Fundo Garantidor de Créditos (FGC).

Hoje, a proteção do capital não é uma condição para todos os certificados. Nos COEs da Ambipar, por exemplo, não havia essa cobertura.

“Os casos [de perdas e reclamações de investidores] expõem o desalinhamento entre a sofisticação da estrutura e a compreensão média da pessoa física”, disse Caio Zylbersztajn, sócio da Nord Investimentos, à Bloomberg Línea.

O maior problema, segundo Zylbersztajn, é que, por trás do discurso de proteção do capital ou de acesso a investimentos sofisticados, o COE esconde uma “estrutura de remuneração assimétrica”.

Os bancos emissores contam com uma vantagem estrutural, ao precificar as opções a seu favor e captar o dinheiro dos investidores a taxas menores do que aquelas pagas com a venda de outros produtos.

Leia também: No mercado de empresas brasileiras em crise, este banco global ganha protagonismo

Além disso, os COEs têm baixa liquidez, o que dificulta a negociação para o investidor no mercado secundário.

“Hoje, não vemos espaço relevante para COEs dentro de carteiras bem estruturadas. A maioria das teses oferecidas nesses veículos pode ser replicada diretamente via ETFs ou ativos diretos, com menor custo, maior liquidez e transparência total”, disse Zylbersztajn.

Comissão e conflito de interesses

A maior parte das críticas, no entanto, recai sobre modelo de remuneração “na cabeça”, em que a comissão integral - o rebate - é paga ao assessor de investimento no momento da venda do produto ao cliente.

A prática é apontada no mercado como um incentivo para que assessores priorizem a venda de COEs no lugar de produtos mais simples e menos arriscados, com retorno potencial muitas vezes semelhante.

Assessores, por sua vez, argumentam que, quando essas comissões são anualizadas, se aproximam das cobradas em outros produtos, como CDBs, por exemplo.

Já os críticos dizem que o pagamento antecipado, somado à baixa liquidez e à complexidade dos COEs, cria um conflito de interesse que não atende da forma mais adequada o investidor.

Leia mais: Vamos ser duros com assessores para melhorar a qualidade do serviço, diz Benchimol

“Tem players ganhando muito dinheiro com COE. É um belo instrumento se utilizado da forma correta. Mas são colocadas tantas comissões em cima do produto que a relação risco-retorno fica ruim”, afirmou Tito Gusmão, CEO da Warren, à Bloomberg Línea.

Gusmão disse acreditar que casos como o da Ambipar irão acelerar a migração de investidores para o modelo de remuneração fee based, em que o cliente paga uma taxa fixa ao consultor para que seu patrimônio seja administrado.

Tanto a Warren quanto a Nord operam nesse modelo de taxa fixa. Entre os grandes players associados a escritórios de investimento, alguns já permitiam o modelo de consultoria, como a XP, que oferece a possibilidade desde 2020.

Nos dados divulgados do terceiro trimestre, a XP informou que o equivalente a 21% de sua base de clientes já é atendida no modelo fee based. E que o objetivo é aumentar essa penetração ao longo dos próximos trimestres e anos.

Segundo Diego Ramiro, presidente da Associação Brasileira dos Assessores de Investimentos (Abai), a maior parte dos players – incluindo bancos como BTG Pactual e Safra – passou a oferecer a alternativa entre 2024 e 2025.

A mudança reflete em parte uma pressão dos próprios assessores mas principalmente o avanço da agenda de transparência após a Resolução 179 da CVM (Comissão de Valores Mobiliários), promulgada no final do ano passado, que exige o detalhamento das comissões cobradas.

Ainda assim, o percentual de adoção do modelo de consultoria ainda é baixo e não chega a 10% nos principais players do setor, segundo a Abai.

E, mesmo com a crise dos COEs, que reforça a questionamento sobre o modelo de comissionamento pela venda de produtos de investimento, Ramiro defendeu que a consultoria não é a saída para todo perfil de cliente.

O modelo fee based pode não ser tão democrático, segundo ele, para o atendimento a clientes de menor patrimônio, que pagam uma taxa muito baixa para bancar o serviço de assessoria financeira personalizada. Não à toa, o modelo é mais comum em family offices e divisões de wealth de bancos.

Clientes com uma carteira de longo prazo com pouca movimentação seriam um exemplo de perfil para o qual o modelo fee based não serviria, segundo Ramiro.

“Alguém que só tem CDBs só de longo prazo na carteira não vai ter interesse em pagar uma taxa mensal se não tem intenção de mexer na carteira”, argumentou à Bloomberg Línea.

“Não existe modelo perfeito: o cliente vai escolher o que for mais adequado ao seu perfil”, concluiu.

Perspectiva para os COEs

É possível, no entanto, que os investidores fiquem mais receosos com produtos estruturados e “embalados” como COEs.

O resultado, em sua visão, seria uma procura cada vez menor pelo produto.

“O nome ‘COE’ ficou queimado. Existem produtos no mercado espetaculares, mas que não encontram mais compradores”, afirmou um gestor ouvido pela Bloomberg Línea que preferiu não se identificar.

Outro diretor do mercado financeiro avaliou que o COE acabou sendo o “bode expiatório” de uma crise de crédito maior que o produto.

“Há menos conhecimento em relação ao COE, de modo ele acabou como vilão. O investidor não está acostumado a conviver com evento de crédito na carteira”, disse em referência a casos de inadimplência de empresas.

A expectativa desse executivo é que o amadurecimento do mercado e dos próprios investidores permita que os produtos voltem ao radar como uma oportunidade de investimento – inclusive para pessoas físicas.

Leia também

Ambipar pede recuperação judicial no Rio de Janeiro e nos EUA com R$ 11 bi em dívidas

Citi prevê retomada dos IPOs no Brasil a partir de 2026 após quatro anos de hiato