O Federal Reserve dos EUA dará início à sua reunião de dois dias amanhã para tomar uma decisão que terá impacto sobre as ações e as moedas de todo o mundo.
Os investidores consideram como certo que o Comitê Federal de Mercado Aberto, liderado pelo presidente Jerome Powell, reduzirá a taxa de referência em pelo menos 25 pontos-base após os dados da semana passada.
A combinação de inflação que, embora permaneça acima da meta de 2%, estava em linha com as expectativas, juntamente com um mercado de trabalho que começa a mostrar sinais de arrefecimento, abriu espaço para uma postura mais acomodatícia.
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“O início do ciclo de redução gradual do Fed deve apoiar a liquidez global como um todo. Nessa perspectiva, esses movimentos tendem a ajudar a reforçar a confiança dos investidores e o apetite pelo risco“, explicou Jack Janasiewicz, gerente de portfólio e estrategista líder de portfólio da Natixis Investment Managers.
A decisão pode provocar uma reação nos ativos globais, com um impacto que também será sentido na América Latina, embora os analistas concordem que um corte já foi ‘precificado’ pelos mercados.
Dólar na América Latina
O dólar esteve em uma clara trajetória de queda ao longo de 2025. No primeiro semestre do ano, registrou seu pior desempenho desde 1973 e, embora tenha se recuperado em julho, a desvalorização foi retomada em agosto e se estendeu até setembro.
O índice Bloomberg Dollar Spot caiu 8% no acumulado do ano, pressionado pela perda de confiança no dólar devido às políticas do presidente Donald Trump, à pressão que seu governo exerceu sobre o Fed e às expectativas crescentes de um corte na taxa de juros.
Enquanto os investidores esperavam que as taxas de referência ficassem mais baixas, o que tornam os ativos em dólar menos atraentes em relação a outros mercados, e pressionassem a moeda para baixo, o efeito é matizado na América Latina, embora as moedas da região tenham tirado proveito da fraqueza global do dólar.
Marcelo Rebelo, economista-chefe do Banco do Brasil, observou que o corte nas taxas já está “amplamente incorporado nos mercados”, o que limitaria uma reação imediata em relação ao dólar.
Entretanto, ele observou que o diferencial de taxas ainda apoia moedas como o real brasileiro do ponto de vista do carry trade, com espaço para alguma valorização. Em sua opinião, os movimentos dependerão de sinais “quanto ao ritmo e à profundidade do ciclo de flexibilização monetária, especialmente se o corte inicial for de apenas 25 pontos-base“.
Para o peso mexicano, um corte também poderia ter efeitos limitados. Julio Ruiz, analista do Citi, disse que, se isso acontecer, “o diferencial de taxas entre o Banco do México e o Federal Reserve aumentaria, o que ajudaria a sustentar a paridade entre o peso e o dólar”, e que essa notícia poderia favorecer uma valorização da moeda.
Na corretora Monex, eles veem um impacto limitado. Jannet Quiroz, vice-diretor de análise, alertou que eles não esperam “um movimento significativo na taxa de câmbio”, uma vez que a expectativa de um corte de 25 pontos-base já foi amplamente precificado pelo mercado.
“É improvável que a decisão do Fed exerça pressão adicional sobre a taxa de câmbio”
Jannet Quiroz, subdirectora de análisis de Monex
Na mesma linha, Camilo Pérez-Álvarez, diretor de pesquisa econômica do Banco de Bogotá, considerou que, para o peso colombiano, “o dólar já incorporou quase totalmente um corte em setembro e possíveis movimentos adicionais no restante do ano”.
O peso chileno, por sua vez, poderia reagir com uma valorização. Emanuelle Santos, analista da XTB Latam, observou que “um dólar mais fraco aumenta o apetite por ativos emergentes e melhora os termos de troca do Chile”, o que abriria espaço para a moeda se consolidar em uma faixa mais baixa.
Um corte de mais de 50 pontos-base poderia gerar um impulso adicional, embora com a incerteza de que o mercado interpretaria isso como um sinal de fraqueza na economia dos EUA.
A história
As moedas latino-americanas raramente conseguem se beneficiar de um ciclo de aperto do Federal Reserve. Uma análise feita por Davison Santana, estrategista de taxas e moedas da Bloomberg Intelligence, sobre nove episódios de flexibilização desde 1995 mostra que, na maioria dos casos, a região tem perdido valor em relação ao dólar.
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Historicamente, o real brasileiro tem sido a moeda mais atingida, enquanto o peso chileno, o peso colombiano e o sol peruano tendem a apresentar um desempenho relativamente mais resiliente, embora com quedas moderadas.
No caso do peso mexicano, o padrão é mais volátil: ele alterna episódios de desvalorização com fases de maior estabilidade.
O ritmo dos cortes é decisivo. Quando o Fed procede de forma rápida e agressiva, as perdas na América Latina são maiores. Por outro lado, em ciclos mais lentos ou de média intensidade, as moedas conseguem conter parcialmente a desvalorização.
César Huiman, analista da Renta 4, explicou que no Peru “as evidências históricas mostram que um corte do Fed não garante uma valorização do sol no curto prazo”, já que desde 2012, em oito episódios de flexibilização, a moeda se desvalorizou em uma média de 0,8% na primeira semana e 0,1% após um mês.
“O canal relevante seria via expectativas, ou seja, um custo menor do dólar amplia o diferencial de taxas, favorece os fluxos para os mercados emergentes e reforça a estabilidade do PEN em seu esquema de flutuação administrada”
César Huiman, analista de Renta4
Segundo Santana, da Bloomberg Intelligence, a sensibilidade de cada moeda aos movimentos do Fed também varia. O real brasileiro e o peso mexicano apresentam os betas mais altos, e mostram sua maior exposição às mudanças na política monetária dos EUA.
O peso chileno, por sua vez, perdeu parte de sua reputação de ativo de baixa volatilidade nos últimos anos e se aproximou de seus pares mais arriscados.
Para o Bank of America, a decisão do Fed anteciparia um amplo ciclo de flexibilização monetária na região. Essa dinâmica também tornaria as moedas latino-americanas, que têm sido sustentadas por altas taxas de juros, relativamente menos atraentes.
Recuperação dos mercados
A decisão do Fed pode chegar em um momento especial para as ações latino-americanas. Em meio a uma rotação de fluxos para a região e com ativos a múltiplos baratos, os principais indicadores do mercado acionário subiram mais de 50%.
O Bank of America concordou que o atual ciclo de flexibilização monetária ocorre em um contexto incomum.
“O mundo tem cortado as taxas enquanto as perspectivas de lucros melhoram”, observou a empresa, o que tornaria o corte das taxas do Fed um possível catalisador para as ações.
Além disso, de acordo com a instituição, “91% dos bancos centrais cortaram as taxas”, um cenário sincronizado que deve apoiar o crescimento e favorecer os ativos emergentes.
Entretanto, alguns analistas alertam sobre a reação imediata dos mercados. Janasiewicz, da Natixis, observou que “o risco real poderia estar em uma reação do tipo ‘compre com o boato e venda com a notícia’”, embora ele acredite que, se isso acontecer, será um fenômeno temporário.
“A maioria dos cortes do Fed ocorreu quando a atividade econômica sofreu uma forte desaceleração, e esse cenário influencia os retornos das ações”, alertou o relatório.

Em contrapartida, os cenários de pouso suave foram mais construtivos. O Ibovespa retornou, em média, 11% para cada corte de 100 pontos-base nos últimos 40 anos, enquanto o S&P BMV/IPC apresentou perdas mais moderadas de 3%.
Além disso, a maior parte da recuperação tende a ocorrer antes do primeiro aperto. “Historicamente, a América Latina tende a se recuperar nos três meses anteriores ao primeiro aperto do Fed“, observou o relatório.
Ao mesmo tempo, a expectativa de taxas de juros mais baixas nos EUA e a inflação moderada reforçam a atratividade dos mercados emergentes.
“Os mercados emergentes são negociados com um desconto de 65% em relação aos EUA”, disse Navin Hingorani, da Eastspring Investments, que observou que as taxas reais permanecem em níveis historicamente altos e que um ciclo de aperto do Fed “será muito positivo” para a região, o que aumentaria o apetite pelo risco.
Em relação ao ciclo atual, o BofA espera rebaixamentos de 125 pontos-base até 2026, o que, em um ambiente de lucros crescentes, estímulo monetário sincronizado e maior apetite por risco, poderia oferecer suporte adicional às ações latino-americanas.