Dívida de países da América Latina se mantém pressionada apesar de recuo do dólar

Economias latino-americanas não conseguem capitalizar as melhores condições de financiamento em meio à situação fiscal delicada

A exposição cambial continua sendo um fator crítico: vários países da região têm mais de 40% de sua dívida em moeda estrangeira. (Foto: Andrew Harrer/Bloomberg)
13 de Maio, 2025 | 03:47 PM

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Bloomberg Línea — Nos mercados, o enfraquecimento do dólar é geralmente recebido com entusiasmo por investidores em países emergentes, pois implica custos mais baixos para o serviço da dívida denominada em moeda estrangeira.

Entretanto, no momento, esse efeito tem sido limitado para as economias latino-americanas em meio a desafios locais.

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Embora o índice DXY, que mede o desempenho da moeda americana globalmente, tenha se estabilizado e bancos de investimento, como o UBS, prevejam um enfraquecimento ainda maior até 2026, a região não observa uma melhora significativa em suas condições de financiamento externo.

Isso é agravado por um ambiente global marcado por taxas de juros ainda altas, inflação resistente e liquidez apertada.

“A percepção de risco nos Estados Unidos – particularmente nas frentes fiscal e comercial - gerou alguma derrapagem do dólar, mas isso não foi acompanhado por taxas de longo prazo mais baixas ou por uma clara melhora na liquidez global”, disse Jonathan Fortun, macroeconomista do Institute of International Finance (IIF), à Bloomberg Línea.

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Nesse contexto, mesmo com a contínua desvalorização do dólar, os países latino-americanos continuam a enfrentar dificuldades para acessar os mercados voluntários de dívida em termos favoráveis.

“O rendimento do Tesouro de 10 anos está em torno de 4,31%, um nível que continua restritivo para muitos emissores soberanos”, disse Fortun.

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O peso do dólar

Para o analista, em condições normais, um dólar mais fraco geralmente coincide com um ambiente financeiro global mais benigno: os investidores se voltam para os ativos emergentes, o que reduz os custos de financiamento.

Mas o episódio atual foge a esse padrão. A América Latina enfrenta uma combinação de vulnerabilidades fiscais e de dívida que limita a margem de manobra dos governos.

Shelly Shetty, chefe de soberanos da Fitch Ratings, alertou sobre isso em um evento da Fitch no início deste ano.

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Países como Brasil, Bolívia, Colômbia, Panamá e até mesmo o México têm déficits fiscais que permanecem altos e perspectivas de ajuste que parecem “nebulosas”, em um contexto de desaceleração do PIB, queda dos preços das commodities e falta de reformas estruturais. Esses fatores superam a atual fraqueza do dólar.

No caso de grandes economias como a brasileira, a dívida externa não tem um peso tão significativo. Mas o país tem experimentado um aumento sustentado na sua relação dívida/PIB, revelando que os saldos primários não são suficientes para estabilizar a dívida.

Em março, a dívida externa do Brasil caiu 1,53%, para US$ 53,91 bilhões (R$ 309,54 bilhões), o que representa 4% do total da dívida pública federal, de R$ 7,51 trilhões (US$ 1,32 trilhão), segundo dados do Tesouro Nacional.

Por outro lado, a dívida interna aumentou 21,1% no mês para R$ 7,20 trilhões (US$ 1,27 trilhão).

“O Brasil não só tem o maior nível de dívida, mas também o maior aumento da dívida como proporção do PIB”, enfatizou Shetty.

Segundo dados do Banco Central, a dúvida bruta brasileira atingiu 88,7% do PIB em fevereiro, seguindo os critérios do Fundo Monetário Internacional. O resultado representa um aumento em relação a dezembro de 2023, quando a dívida bruta estava em 84%.

Nos demais países da América Latina, a exposição cambial é mais relevante, pois vários têm mais de 40% de sua dívida denominada em moeda estrangeira, o que aumenta sua exposição a episódios de volatilidade do dólar.

Além das economias dolarizadas, como El Salvador, Equador e Panamá, outras, como Nicarágua, Paraguai, República Dominicana e Argentina, têm a maior proporção de sua dívida em moeda estrangeira.

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Dívida sob pressão

A perspectiva da dívida na América Latina continua complexa. No primeiro trimestre de 2025, a dívida global combinada aumentou em cerca de US$ 7,5 trilhões e atingiu um novo recorde de mais de US$ 324 trilhões, de acordo com o IIF.

Nos mercados emergentes, a relação dívida/PIB atingiu um recorde histórico de 245%, enquanto a dívida total ultrapassou US$ 106 trilhões, impulsionada por China, Brasil, Índia e Polônia.

“Os países que enfrentam as maiores dificuldades para se beneficiarem de um ambiente de dólar mais fraco são aqueles cuja vulnerabilidade fiscal e externa se expressa por meio de quatro canais principais”, alertou Fortun.

Esses canais incluem: altos índices de dívida em moeda estrangeira, déficits fiscais persistentes, mercados de dívida locais subdesenvolvidos e baixa credibilidade institucional.

“Mesmo que o dólar perca algum valor globalmente, esses países não verão necessariamente uma melhoria automática em suas condições de refinanciamento ou na sustentabilidade de sua dívida pública”, enfatizou Fortun.

Bancos como o Deustche Bank alertaram sobre dificuldades fiscais em vários países da região, um cenário que pressiona suas dívidas e limita qualquer progresso graças ao dólar fraco.

No caso do Brasil, o banco aponta que as receitas extraordinárias observadas em 2024 não se repetirão este ano, enquanto os gastos começarão a se acelerar no segundo semestre do ano, à medida que o ciclo eleitoral se aproxima.

No México, o relatório também expressa ceticismo em relação às projeções oficiais. Embora o governo tenha ajustado suas premissas macroeconômicas na direção certa, o Deutsche Bank acredita que “provavelmente não em uma magnitude suficiente”.

A situação é mais delicada na Colômbia, onde a deterioração fiscal foi mais acentuada. O Deutsche Bank destaca que a derrapagem do déficit fiscal em 2024 foi “visivelmente mais pronunciada” do que a meta oficial, e que os números de 2025 sugerem que o problema continua.

O Peru, por sua vez, apresenta um quadro mais benigno. Os números fiscais melhoraram graças à recuperação cíclica das receitas e à moderação do crescimento das despesas. Entretanto, o Deutsche Bank observa que o equilíbrio político instável pode pressionar as contas públicas.

A vulnerabilidade fiscal e a incerteza global superam o efeito positivo que uma desvalorização sustentada do dólar poderia trazer.

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Riscos à frente

Todd Martinez, diretor sênior da Fitch Ratings, disse à Bloomberg Línea que “um dólar mais fraco deve ajudar os encargos da dívida de muitos países latino-americanos, na medida em que reduz o valor em moeda local de sua dívida denominada em dólares”.

Entretanto, ele ressalta que esse efeito é marginal, especialmente nas economias dolarizadas, se elas também tiverem dívidas em moedas que não sejam o dólar, como o euro.

A perspectiva para a região em 2025 aponta para um gerenciamento da dívida condicionado pela evolução das taxas de juros, da liquidez global e da confiança dos investidores.

Embora um dólar fraco possa, em teoria, facilitar a emissão de dívida em moeda local, os especialistas concordam que o ambiente atual ainda não permite estratégias ambiciosas de refinanciamento.

“A simples desvalorização do dólar não é suficiente para reativar o financiamento externo”, disse Fortun. Na verdade, nenhuma emissão soberana de mercados emergentes foi registrada em abril de 2025, um sinal claro de que as condições de liquidez continuam adversas.

Para Martinez, um dólar mais fraco não tem implicações claras ou óbvias para as estratégias de financiamento.

“Na medida em que um dólar mais fraco implica em moedas locais mais fortes, isso poderia deixar os bancos centrais em uma posição melhor para reduzir as taxas, o que poderia aumentar a atratividade do financiamento em moeda local. Entretanto, embora esses efeitos possam ser importantes na margem, não prevemos grandes mudanças nas estratégias de financiamento este ano”, acrescentou o analista da Fitch Ratings.

Fortun diz que “os investidores podem começar a discriminar mais claramente entre as economias emergentes, priorizando estruturas institucionais sólidas, regras fiscais confiáveis e capacidade de absorção de choques”.

Como ele explicou, “o canal da taxa de câmbio não é mais um fator determinante e a dinâmica dos spreads é mais sensível às considerações do mercado”.

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Carlos Rodríguez Salcedo (BR)

Jornalista colombiano, especializado em economia. Fui jornalista e editor do jornal La República, com experiência em questões macroeconômicas, comerciais e financeiras. Eu também trabalhei para a agência de notícias Colprensa.