Bloomberg — Perdas expressivas em títulos de dívida corporativa de São Paulo a Istambul têm dado sinais aos investidores que a sequência de forte desempenho dos mercados emergentes começa a mostrar algumas rachaduras.
No Brasil, problemas na gigante petroquímica Braskem levaram gestores a se preparar para uma potencial reestruturação de dívida, enquanto a empresa de gestão ambiental Ambipar está à beira de uma recuperação judicial.
Na Turquia, uma investigação governamental envolvendo o conglomerado industrial Ciner Group fez os títulos da subsidiária WE Soda despencarem.
As crises ameaçam interromper o que foram quase dois anos de desempenho superior da dívida corporativa do mundo em desenvolvimento em relação aos seus pares globais.
À medida que os casos se acumulam, o rali começou a enfraquecer nas últimas duas semanas, mostra um índice da Bloomberg.
“Esses são eventos surpreendentes e profundamente problemáticos”, disse Akbar Causer, chefe de dívida corporativa de mercados emergentes na divisão de gestão de ativos do Morgan Stanley.
“Se isso continuar ou as coisas piorarem um pouco, receio que isso possa abalar um pouco a confiança. E aí poderemos ver algum contágio.”
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Até agora, a dívida corporativa de países em desenvolvimento tem resistido, mesmo com o regime tarifário do presidente americano Donald Trump alimentando a volatilidade nos mercados globais.
Mas o apetite pelas notas está começando a diminuir, e investidores de mercados emergentes preveem que o interesse diminuirá em 2026, de acordo com uma pesquisa do Citigroup com investidores que administram cerca de US$ 250 bilhões.
À medida que a volatilidade cresce, a Barings e o Morgan Stanley Investment Management preferem títulos de empresas mais seguras e de maior qualidade.
Já na Union Investment Privatfonds, o gestor Sergey Dergachev realizou lucros em créditos que “tiveram uma tremenda corrida” recentemente.
As vendas já começaram a se espalhar para pontos mais frágeis: os títulos da Raízen, empresa brasileira altamente alavancada, despencaram 20 centavos de dólar em dois dias.
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Os títulos corporativos do país ficaram atrás de seus pares nas últimas duas semanas, gerando aos investidores uma perda média de 5,3%, enquanto um índice de referência caiu 0,6%.
Notas da Turquia e da Argentina — onde reformas implementadas pelo presidente Javier Milei levaram à pior sequência de defaults corporativos desde a pandemia — também estão entre os maiores perdedores, com quedas de 1,5% e 1,1%, respectivamente, nesse período.
Sinais de estresse
As empresas da maior economia da América Latina têm apresentado sinais de estresse nas últimas semanas, o que pegou operadores de surpresa e gerou comparações com o início de 2023, quando o colapso da varejista centenária Americanas congelou os mercados de dívida.
Um aperto nas condições financeiras seria particularmente prejudicial para empresas com classificação mais baixa de crédito, que precisam refinanciar dívidas com juros no nível mais alto em duas décadas.
Os altos juros também entram em jogo na Turquia. Além de uma investigação de fraude na Can Holding, que também envolve o Ciner Group, as empresas turcas enfrentam taxa de juros de 40,5% e inflação persistente.
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A fabricante de eletrodomésticos Vestel Elektronik está em negociações com credores para refinanciar alguns de seus empréstimos, enquanto luta contra a alta alavancagem.
A Fitch Ratings alertou recentemente sobre a fraca lucratividade e a deterioração da qualidade dos ativos dos bancos turcos, agravando ainda mais o sentimento em relação aos títulos corporativos do país.
A Can Holding adquiriu a C Gorsel Yayinlar do Ciner Group, que opera a Bloomberg HT TV na Turquia sob um acordo de licenciamento com a Bloomberg LP, controladora da Bloomberg News.
“O aumento do risco de crédito, a volatilidade cambial e as pressões macroeconômicas mais amplas levaram os investidores a reduzir a exposição”, disse a empresa de investimentos Gramercy Funds Management sobre a dívida corporativa de emergentes em uma nota de pesquisa no início deste mês.

Apesar dos recentes problemas, o ciclo ainda é positivo para as empresas, disse Jeff Grills, chefe de dívida de mercados emergentes e de cross-asset para EUA da Aegon Asset Management. Ele mantém sua exposição ao segmento.
Os ativos de mercados emergentes tiveram um desempenho estelar em 2025, com as notas locais retornando 14,4%, o melhor desempenho em 15 anos, de acordo com um indicador da Bloomberg.
Um índice da dívida soberana em dólar subiu 10%, enquanto 17 das 23 moedas de mercados emergentes monitoradas pela Bloomberg se fortaleceram em relação ao dólar.
O avanço ocorre em parte porque operadores buscam diversificar suas posições para além dos EUA, em meio a preocupações com as políticas de Trump e seu impacto na economia e nos juros.
Os investidores colocaram mais de US$ 52 bilhões em fundos de dívida de emergentes neste ano até 8 de outubro, de acordo com dados da EPFR compilados pelo Bank of America.
Mas o fato de as empresas de mercados emergentes terem resistido bem e os spreads estarem apertados pode levar operadores a realizar lucros um pouco mais cedo este ano, diz Omotunde Lawal, chefe de dívida corporativa de mercados emergentes na Barings.
O rendimento médio da dívida corporativa denominada em dólar dos emergentes subiu pelo sexto dia consecutivo para 6,15% na sexta-feira, o maior nível desde agosto, de acordo com um índice da Bloomberg.
“Todos tiveram um bom desempenho este ano e ninguém sabe quando a música vai parar de tocar, então não há necessidade de ser um herói no final do ano”, disse Eduardo Ordóñez, gestor de carteira de dívida da BI Asset Management. “Faz mais sentido manter a cautela — ou pelo menos ser mais seletivo.”
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