Bloomberg Línea — A frágil trégua no conflito entre Israel e Irã intensificou a volatilidade do mercado, aumentou os preços do petróleo e reavivou a busca dos investidores por ativos portos-seguros, o que já havia ganhado impulso a guerra na Ucrânia.
Diferentemente das crises passadas, quando o dólar e os títulos do Tesouro eram automaticamente vistos como portos seguros, o cenário de 2025 tem nuances, e é difícil saber melhor lugar para investir quando o mundo está em desordem.
As políticas do presidente Donald Trump em seu segundo mandato, juntamente com as decisões do Federal Reserve e uma aversão crescente ao risco político nos Estados Unidos, diminuíram a confiança em alguns ativos tradicionalmente defensivos. Como resultado, os investidores estão reavaliando os fundamentos de seus portfólios.

“O que estamos vendo é que os investidores estão optando por diversificar, misturando ativos tradicionais, como títulos de emissores fortes e moedas portos-seguros, com algumas jogadas mais táticas, como a exposição ao setor de defesa, para tentar navegar melhor nesse cenário complexo”, diz Felipe Sepúlveda, analista-chefe da Admirals.
Leia mais: Trump se irrita com Israel e Irã, pede fim de bombas e pressiona para salvar trégua
Queda do dólar
Durante décadas, o dólar foi considerado o porto seguro em tempos de crise. Entretanto, neste momento, sua hegemonia como moeda de refúgio está em questão.
O ruído político em Washington, as dúvidas sobre a sustentabilidade fiscal dos EUA e a expectativa de um eventual corte na taxa de juros pelo Fed enfraqueceram seu apelo. Em vez disso, moedas como o franco suíço e o iene japonês voltaram a se destacar.
Nesse cenário, também houve um ressurgimento do interesse em títulos emitidos por governos fiscalmente sólidos, como os da Alemanha, Japão e Austrália.
“A incerteza semeada pelo governo Trump, com sua gestão política e fiscal altamente questionável e errática, fez com que as pessoas começassem a olhar para o outro lado”, acrescenta Sepúlveda.
Além do ouro
Embora o ouro continue sendo uma alternativa válida à tensão geopolítica, especialistas dizem que a diversificação não é apenas uma estratégia prudente, mas uma necessidade operacional.

“Os metais preciosos alternativos estão se tornando cada vez mais populares”, disse Quasar Elizundia, estrategista de pesquisa de mercado da Pepperstone. “Por exemplo, a prata atingiu seu preço mais alto em 13 anos, impulsionada pela demanda dos investidores por ativos que oferecem proteção em tempos de incerteza econômica.”
A análise mais recente do Saxo Bank também reforça a visão da diversificação. O banco comparou o desempenho de dois portfólios desde dezembro de 2024: um concentrado em ações de tecnologia dos EUA (como Tesla (TSLA), Meta (META) e Nvidia (NVDA)) e o outro diversificado em ativos globais, incluindo títulos internacionais, ações defensivas, mineradoras de ouro, produtos básicos de consumo e dinheiro.
Leia mais: Por que uma guerra Israel-Irã pode não abalar o mercado de petróleo como se teme
O resultado: enquanto o primeiro sofreu perdas devido à sua exposição ao risco setorial e geográfico, o segundo obteve retornos positivos com menor volatilidade.
“O portfólio concentrado ficou para trás com quedas acentuadas, enquanto o portfólio diversificado gerou retornos positivos e estáveis durante um primeiro semestre turbulento”, diz Charu Chanana, estrategista-chefe de investimentos do Saxo e autor do relatório.
O portfólio mais forte consistia em uma ampla base de ações dos EUA, representada por um ETF S&P 500, combinada com a exposição a ações internacionais por meio de um fundo indexado a 23 mercados desenvolvidos.

Essa participação foi complementada por um veículo diversificado com foco em tecnologia – incluindo software, semicondutores e serviços – permitindo uma presença no setor sem depender de poucos emissores.
No lado defensivo, foram acrescentados títulos públicos e corporativos globais, bem como ações de bens de consumo básicos, que historicamente apresentam demanda estável em tempos de desaceleração econômica.
Além disso, foi incluída uma participação em empresas de mineração de ouro, que tendem a se beneficiar de um aumento no preço do metal em épocas de estresse.
Por fim, o portfólio manteve uma pequena proporção em dinheiro para garantir a liquidez e a resistência a quedas acentuadas.
De acordo com Chanana, “os investidores precisam de estratégias que diversifiquem entre regiões geográficas, setores e fatores de risco”. Para a analista, em um mundo fragmentado, “a antiga estratégia de apostas concentradas em tecnologia é menos confiável”.
A carteira apresentou menor volatilidade, menores perdas máximas e uma melhor relação risco-retorno em comparação com estratégias mais concentradas em ativos de tecnologia.
Leia mais: Reação silenciosa de ações ao risco de guerra desafia traders que negociam opções
A opção de criptoativos
Em meio a esse cenário geopolítico turbulento, as criptomoedas passaram por um renascimento parcial como um ativo de refúgio alternativo. O recente apoio legislativo do Senado dos EUA a uma regulamentação sobre stablecoins reforçou a percepção de institucionalidade nesse segmento.
“Isso traz consigo uma sensação de porto seguro que o bitcoin pode oferecer em comparação com outros instrumentos”, disse Campos, que reconhece que um grupo reticente ainda persiste devido à volatilidade histórica desses ativos.

Entretanto, com uma capitalização de mercado de mais de US$ 2 trilhões, o bitcoin tornou-se o oitavo maior ativo do mundo, à frente de gigantes dos setores financeiro e de tecnologia.
Para Elizundia, “o bitcoin continua a ser um ativo arriscado com alta volatilidade” e, além disso, “sua correlação de 30 dias com o índice S&P 500 continua alta, indicando que ele continua a se mover em linha com os mercados tradicionais”. O analista diz que, embora a volatilidade do bitcoin tenha caído, “persiste a percepção de que ele continua sendo principalmente um ativo especulativo”.
Leia mais: Irã tem três opções prováveis após ataques dos EUA. A quarta não depende do regime
Defesa e investimentos temáticos
Ao mesmo tempo, os chamados “investimentos temáticos” estão ganhando terreno como uma forma de exposição tática com um horizonte estrutural. De acordo com o Grupo Bursátil Mexicano, setores como saúde metabólica, semicondutores, inteligência artificial e fintech em mercados emergentes representam polos de atração para o capital de longo prazo.
“Há certos setores que não apenas resistem aos ciclos econômicos, mas estão liderando mudanças estruturais”, argumenta o relatório do GBM. As empresas que dominam a infraestrutura de chips, a automação industrial e as plataformas de inclusão financeira estão conseguindo, mesmo em meio à incerteza, expandir suas margens e atrair fluxos.
Além disso, Elizundia acredita que as ações de defesa podem oferecer proteção em tempos de tensões geopolíticas, já que os gastos militares podem aumentar, principalmente se as tensões no Leste Europeu e no Oriente Médio se prolongarem.
Entretanto, Campos ressalta que essas ações, em vez de serem um ativo de refúgio, se beneficiam do aumento da demanda por seus produtos, o que melhora seu desempenho. No entanto, ele adverte que esse efeito é transitório e, portanto, representa mais uma oportunidade tática diante de eventos geopolíticos.