Com excesso de petróleo no mundo, navios aguardam compradores em alto-mar

Mais de 1 bilhão de barris foram acumulados na frota mundial de petroleiros, segundo a consultoria Vortexa; superoferta ajuda a manter os preços de combustíveis controlados, mas pressionam petrolíferas e países exportadores

Navio petroleiro
Por Grant Smith - Yongchang Chin - Archie Hunter - Mia Gindis
19 de Outubro, 2025 | 10:00 AM

Bloomberg — O melhor lugar para observar a mudança que está ocorrendo no mercado global de petróleo é o mar.

Mais de 1 bilhão de barris foram acumulados na frota mundial de petroleiros, segundo a consultoria Vortexa. É a maior flotilha de petróleo em trânsito desde 2020, quando a guerra de preços entre Arábia Saudita e Rússia inundou o mercado durante a pandemia de covid-19.

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O fenômeno confirma previsões de longa data de que o aumento da produção levaria o mercado a um cenário de excesso de oferta. Embora a China tenha mascarado o excedente por meses ao comprar barris baratos para suas reservas estratégicas, o mercado parece enfim ter chegado a um ponto de virada.

Cargas de petróleo bruto do Oriente Médio começam a ficar sem compradores, e indicadores-chave de preços sinalizam que o período de escassez está chegando ao fim. Os contratos futuros internacionais caíram para o menor nível em cinco meses, perto de US$ 60 o barril, e os grandes operadores se preparam para novas quedas.

“Nos últimos 12 meses, todos sabíamos que esse excesso estava a caminho”, disse Ben Luckock, chefe global de petróleo do Trafigura Group, no Energy Intelligence Forum em Londres nesta semana. “Acho que ele está realmente prestes a chegar.”

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A transição para um cenário de abundância deve aliviar os consumidores após anos de inflação de preços e atender ao desejo persistente do presidente Donald Trump por gasolina mais barata. Mas ela representa uma ameaça para os produtores de xisto dos Estados Unidos, já preocupados com o futuro do setor, e para a Arábia Saudita, que enfrenta um déficit orçamentário crescente.

A Agência Internacional de Energia (AIE) — órgão com sede em Paris que serve de referência para o setor — vem prevendo um aumento de oferta há mais de um ano. Novos barris vindos de Estados Unidos, Brasil, Canadá e Guiana devem superar o crescimento da demanda, que tem desacelerado à medida que a China adota veículos elétricos.

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A escala desse excedente começou a aumentar em abril, quando a Arábia Saudita e seus parceiros da Opep anunciaram que retomariam a produção ociosa muito mais rápido do que o previsto. Segundo autoridades, o objetivo de Riad era recuperar a fatia perdida no mercado global.

Os estoques mundiais têm aumentado a um ritmo de 1,9 milhão de barris por dia neste ano, segundo a AIE. O aumento de barris em trânsito pode ser um prenúncio de um acúmulo ainda maior em 2026.

“Isso se deve, em grande parte, à reversão acelerada dos cortes voluntários de produção acordados em 2023 por oito países da Opep+”, afirmou Toril Bosoni, chefe de indústria e mercados de petróleo da AIE, em comentário publicado no site da agência. “Esses aumentos expressivos ocorrem em um contexto de crescimento modesto da demanda.”

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Outros analistas importantes também preveem excesso de oferta no próximo ano, embora em proporções menores. O JPMorgan Chase projeta um excedente médio diário de 2,3 milhões de barris em 2026, enquanto a Agência de Informação sobre Energia dos Estados Unidos (EIA, na sigla em inglês) estima 2,06 milhões.

O aumento de barris em trânsito pode ser um prenúncio de um acúmulo ainda maior em 2026. (Foto: James MacDonald/Bloomberg)

Ainda assim, os preços do petróleo não refletiam um quadro de saturação. Após uma breve queda quando a Opep+ abriu as torneiras em abril, as cotações se mantiveram surpreendentemente firmes durante boa parte do ano. Entre janeiro e setembro, o Brent teve média de US$ 70 por barril.

A explicação mais aceita é que a China desviou parte da oferta global ao estocar volumes recordes, reduzindo o impacto nos principais centros de armazenamento ocidentais, como Cushing, em Oklahoma, cujos dados semanais influenciam fortemente os preços. Riscos geopolíticos, como o ataque de Trump às instalações nucleares do Irã, também deram sustentação às cotações.

“A realidade é que não houve acúmulo de estoques nos centros ocidentais — o excesso foi parar, principalmente, na China”, disse Russell Hardy, CEO do Vitol Group, o maior trader independente de petróleo do mundo. “Mas a oferta aumentou no segundo semestre, já que a Opep tem ampliado gradualmente sua produção.”

Problema para exportadores

Isso começa a se tornar um problema. Exportadores do Oriente Médio, como os Emirados Árabes Unidos e o Catar, enfrentaram dificuldades para vender cargas com embarque previsto para novembro. Algumas encontraram compradores mais tarde do que o normal, enquanto outras ainda estão sem destino.

A mudança mais clara está na chamada curva de preços — uma sequência de contratos que mostra quanto os negociantes pagam para garantir entregas em diferentes meses. Em abril, o contrato de entrega imediata era o mais caro, num padrão conhecido como backwardation, que indica escassez de oferta.

Esse prêmio desapareceu. Hoje, boa parte da curva mostra o padrão oposto, o contango, sinal de abundância, em que a entrega imediata custa menos.

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Os efeitos dessa virada são visíveis no maior consumidor de petróleo do mundo. Os estoques dos Estados Unidos cresceram por três semanas consecutivas, atingindo o maior nível sazonal desde 2023. Um corretor de armazenamento relatou aumento nas ofertas para garantir espaço em tanques em Cushing a partir de janeiro — sinal de que operadores se preparam para um excesso.

Se a tendência continuar, o mundo pode chegar a um excedente recorde de quase 4 milhões de barris por dia no próximo ano, segundo a AIE. Mas a história mostra que o mercado de petróleo pode mudar de rumo rapidamente, e alguns agentes duvidam que o excesso seja tão grande.

A Agência de Informação sobre Energia prevê que o crescimento da produção de petróleo nos EUA deve parar no próximo ano, já que os preços atuais desestimulam novos poços. O país pode registrar sua primeira queda anual de produção desde 2021.

Produção em xeque

Nos últimos meses, os aumentos de oferta da Opep+ ficaram aquém do prometido, pois muitos membros enfrentam dificuldades para bombear mais. Se os preços caírem demais, analistas como o Morgan Stanley acreditam que o grupo pode voltar a cortar a produção.

As restrições impostas por Trump às compras indianas de petróleo russo, enquanto busca encerrar a guerra na Ucrânia, também podem apertar o mercado.

Gigantes do comércio, como Gunvor Group e Vitol, esperam uma queda temporária de preços — o Trafigura prevê cotações na faixa dos US$ 50 em 2026 —, mas apostam em uma recuperação para a casa dos US$ 60 em cerca de um ano.

“O discurso predominante pinta um cenário bastante pessimista”, disse Ryan Lance, CEO da ConocoPhillips. “Mas, olhando para o mercado físico, para o que de fato está acontecendo, não é isso que se observa.”

Mesmo que o excedente real não atinja as projeções mais alarmistas — algo que até a própria Bosoni, da AIE, considera provável conforme o mercado se ajusta —, a mudança em curso é inegável.

“Estamos entrando em um mercado diferente”, disse Torbjorn Tornqvist, CEO do Gunvor Group, em entrevista. “Já ouvimos isso antes, e muita gente se queimou com previsões erradas. Mas desta vez, neste estágio, há um pouco mais de fundamento nessa narrativa de excesso de oferta.”

-- Com a colaboração de Mitchell Ferman, Alex Longley, Rong Wei Neo e Jack Farchy.

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